Na pesquisa Topomorfose, a artista gaúcha revela desenhos da natureza em criações de diferentes escalas, como contou em entrevista exclusiva para a Casa e Jardim “Topomorfose: quando a natureza sai de si mesmo e resolve virar arte”. A frase do artista, curador e ensaísta José Alberto Nemer, que estampa a entrada do ateliê de Heloisa Crocco em Porto Alegre (RS), resume bem a pesquisa de décadas da artista gaúcha.
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Em Topomorfose, Heloisa revela desenhos da natureza, observando a história de dentro das árvores e aplicando seus padrões em obras de arte, objetos utilitários e até arquitetura.
Diferentes padrões de anéis de crescimento de árvores compõem a pesquisa Topomorfose, de Heloisa Crocco. As partes elevadas são formadas no inverno, enquanto as cavidades, no verão. Cada árvore tem um padrão diferente, dependendo das condições climáticas a que foi exposta
Fábio Del Re/Divulgação
Os padrões trazem os desenhos de anéis de crescimento, círculos observados no tronco de algumas árvores, que indicam o seu crescimento ao longo dos anos. Cada anel é composto de uma parte mais escura e elevada, formada durante o inverno, e outra mais clara e escavada, constituída no verão.
Através dessa observação, é possível conhecer a história da árvore — sua idade e também como foram as condições climáticas. Por exemplo, um verão muito quente expande a parte funda.
Obra recente de Heloisa Crocco, de 2025, painel de grandes dimensões trabalhado com reaproveitamento da madeira reflorestada
Letícia Remião/Divulgação
Heloisa catalogou milhares de matrizes e desenvolveu os padrões com os anéis de crescimento das árvores, a partir dos quais criou uma linguagem visual. Ao esculpir o padrão, obteve um carimbo, e entendeu que tinha uma forma de estampar superfícies várias, revelando desenhos com o conceito.
“Essa pesquisa tem método, a apropriação de uma ideia matricial e todos os desdobramentos e aplicações possíveis”, ela explica.
Aplicação no têxtil da pesquisa Topomorfose, de Heloisa Crocco
Letícia Remião/Divulgação
Assim, a pesquisa Topomorfose foi estampada em diferentes escalas: de objetos utilitários, como uma linha de roupa de cama que se tornou ícone nos anos 1980, até arquitetura, criando os brises para a fachada do edifício Iguaçu, na capital gaúcha.
Os painéis de Heloisa Crocco estampam, por meio de luz e sombra, trazendo grafismos para o interior do espaço
Letícia Remião/Divulgação
Atualmente, Heloisa se encontra imersa na criação de grandes painéis em seu ateliê, verdadeiros bordados em madeira, sendo representada pela Galeria Eduardo Fernandes, com obras expostas nas últimas edições da SP-Arte e ArtRio. Ainda, um novo livro está sendo preparado pela editora Afluente.
Obra da série Aparas, 100×100 cm, 2024, para a Galeria Eduardo Fernandes. O painel é feito com reaproveitamento de madeira pinus de reflorestamento cortada, pintada e colada, resultando um grande bordado
Letícia Remião/Divulgação
Foi deste ateliê, uma construção de madeira pinus, que também é a matéria-prima de seus painéis, que Heloisa conversou com Casa e Jardim, relembrando sua trajetória e contando sobre o momento atual. Confira a entrevista a seguir.
O que é a pesquisa Topomorfose?
O convívio com a natureza e este olhar para a alma da árvore, para o que está dentro dela, nasceu esta pesquisa com seus anéis, que se chama Topomorfose. Foi há 45 anos, a partir de uma visita à Floresta Amazônica. Por dois anos, fiquei imersa nas criações de matrizes, no estudo da combinação dos veios da madeira, dando origem a uma infinidade de padrões, e a natureza se revelando com força e magia.
Os padrões da pesquisa Topomorfose, com os anéis de crescimento de árvores, viraram carimbos, com desenho de superfície em que a natureza se revela
Fábio Del Re/Divulgação
Como foi essa visita à Amazônia?
Sou uma artista com origem na arte têxtil, que na época estava em coma. Estava com crise existencial dos 30 anos, me questionando: para onde vou, o que vou fazer, para quem? Estava em altos embates comigo mesma. Encontrei com um amigo, Zanine Caldas, e ele me convidou para fazer esta cura na floresta. Entramos pelo quilômetro zero da Rodovia Transamazônica. Foi uma experiência espetacular! Sai muito impressionada e impactada com o que o homem está fazendo com a natureza.
Obra recente de 2025, painel série Berber, com 320×160 cm
Letícia Remião/Divulgação
Foi dessa viagem que nasceu a Topomorfose?
O que me interessou na Amazônia foi a alma das árvores, os anéis de crescimento que são a impressão digital delas. Estes desenhos revelam suas histórias e oferecem o que a natureza tem de mais lindo. É algo especialmente visível na região Sul, onde temos as estações mais bem demarcadas e, por consequência, árvores com anéis de crescimento que mostram essa alternância.
Edifício Iguaçu, em Porto Alegre, com brises de Heloisa Crocco na fachada. O empreendimento foi entregue em 2020
Letícia Remião/Divulgação
Lençóis, louças, pranchas de surfe, sabonetes, chocolates, arquitetura. Como é trabalhar com diferentes escalas de design?
É a somatória de possibilidades várias de apropriação do grafismo e da pesquisa. O que faz a diferença é o conceito. Eu não me interesso pelo lençol como lençol, mas pelo conceito, por toda a história que este desenho conta.
Pranchas estampadas com Topomorfose, de Heloisa Crocco
Letícia Remião/Divulgação
Como se dá o seu processo criativo? O que te inspira?
Esses desenhos da madeira têm relação com o homem primeiro, o indígena, é um desenho étnico. O homem primeiro e eu certamente bebemos na mesma fonte, nos inspiramos no mesmo motivo, que é a alma da árvore. É possível ver um paralelo entre esses primeiros grafismos e o desenho obtido na pesquisa Topomorfose.
Os padrões de Topomorfose aplicados em chocolate
Letícia Remião/Divulgação
Qual a importância da natureza na sua vida e trabalho?
Vivo na natureza, em um bairro com muitas árvores, no meio do mato. Minha casa é toda de madeira. Minha infância foi num sítio, com o pé na terra. Nunca morei em apartamento. Aqui é tudo natural, cru, desde o meu cabelo, até a forma despojada e livre de viver, na casa e no meu trabalho.
Detalhe de painel de Heloisa Crocco exposto recentemente na SP-Arte, mostrando as peças de madeira pinus, que são reaproveitadas da exportação de reflorestamento do Rio Grande do Sul
Letícia Remião/Divulgação
Como a natureza do Rio Grande do Sul está presente no seu trabalho?
O governo incentivou muito as comunidades da serra do Sul a fazerem reflorestamento de pinus, por ser uma região com clima próprio para isso, com alternância de frio e quente. Entendi que poderia trabalhar reaproveitando a madeira de reflorestamento, que era cortada e enviada para os Estados Unidos, e sobrava descarte. Meus painéis são feitos com o reaproveitamento do pinus que iria para o fogo.
Painel de Heloisa Crocco exposto recentemente na SP-Arte, pela Galeria Eduardo Fernandes
Letícia Remião/Divulgação
Qual é o seu momento profissional atual? Ao que tem se dedicado?
No momento, livremente me dedico à pesquisa no ateliê, trabalhando grandes formatos, bordando madeira. Gosto mais deste ritmo. E também estou catalogando, cadastrando e organizando a pesquisa Topomorfose. Estou mais velha e entendi que a pesquisa não pode ficar encerrada no ateliê. Estou pensando uma forma de disponibilizá-la, para que um público mais jovem e com outras miradas tenha acesso. Acho que chegou a hora de passar o legado. Vem frescor.
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Video mapping de Topomorfose no ateliê de Heloisa Crocco. Projeto em parceria com Lumeraito, em 2025
Lumeraito/Divulgação
Você inclusive já tem trabalhado em parceria com artistas mais jovens.
No Uruguai, conheci o grupo Lumeraito, que trabalha com video mapping. Fizemos a primeira instalação no espaço Las Musas, em José Ignacio, no verão de 2024. Agora, estampamos todo o ateliê com mapping na abertura do Portas para a Arte, projeto paralelo à Bienal do Mercosul, em que ateliês e galerias abrem suas portas. É uma experiência ímpar. A Topomorfose tem potencial de desdobramento infinito.
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Em Topomorfose, Heloisa revela desenhos da natureza, observando a história de dentro das árvores e aplicando seus padrões em obras de arte, objetos utilitários e até arquitetura.
Diferentes padrões de anéis de crescimento de árvores compõem a pesquisa Topomorfose, de Heloisa Crocco. As partes elevadas são formadas no inverno, enquanto as cavidades, no verão. Cada árvore tem um padrão diferente, dependendo das condições climáticas a que foi exposta
Fábio Del Re/Divulgação
Os padrões trazem os desenhos de anéis de crescimento, círculos observados no tronco de algumas árvores, que indicam o seu crescimento ao longo dos anos. Cada anel é composto de uma parte mais escura e elevada, formada durante o inverno, e outra mais clara e escavada, constituída no verão.
Através dessa observação, é possível conhecer a história da árvore — sua idade e também como foram as condições climáticas. Por exemplo, um verão muito quente expande a parte funda.
Obra recente de Heloisa Crocco, de 2025, painel de grandes dimensões trabalhado com reaproveitamento da madeira reflorestada
Letícia Remião/Divulgação
Heloisa catalogou milhares de matrizes e desenvolveu os padrões com os anéis de crescimento das árvores, a partir dos quais criou uma linguagem visual. Ao esculpir o padrão, obteve um carimbo, e entendeu que tinha uma forma de estampar superfícies várias, revelando desenhos com o conceito.
“Essa pesquisa tem método, a apropriação de uma ideia matricial e todos os desdobramentos e aplicações possíveis”, ela explica.
Aplicação no têxtil da pesquisa Topomorfose, de Heloisa Crocco
Letícia Remião/Divulgação
Assim, a pesquisa Topomorfose foi estampada em diferentes escalas: de objetos utilitários, como uma linha de roupa de cama que se tornou ícone nos anos 1980, até arquitetura, criando os brises para a fachada do edifício Iguaçu, na capital gaúcha.
Os painéis de Heloisa Crocco estampam, por meio de luz e sombra, trazendo grafismos para o interior do espaço
Letícia Remião/Divulgação
Atualmente, Heloisa se encontra imersa na criação de grandes painéis em seu ateliê, verdadeiros bordados em madeira, sendo representada pela Galeria Eduardo Fernandes, com obras expostas nas últimas edições da SP-Arte e ArtRio. Ainda, um novo livro está sendo preparado pela editora Afluente.
Obra da série Aparas, 100×100 cm, 2024, para a Galeria Eduardo Fernandes. O painel é feito com reaproveitamento de madeira pinus de reflorestamento cortada, pintada e colada, resultando um grande bordado
Letícia Remião/Divulgação
Foi deste ateliê, uma construção de madeira pinus, que também é a matéria-prima de seus painéis, que Heloisa conversou com Casa e Jardim, relembrando sua trajetória e contando sobre o momento atual. Confira a entrevista a seguir.
O que é a pesquisa Topomorfose?
O convívio com a natureza e este olhar para a alma da árvore, para o que está dentro dela, nasceu esta pesquisa com seus anéis, que se chama Topomorfose. Foi há 45 anos, a partir de uma visita à Floresta Amazônica. Por dois anos, fiquei imersa nas criações de matrizes, no estudo da combinação dos veios da madeira, dando origem a uma infinidade de padrões, e a natureza se revelando com força e magia.
Os padrões da pesquisa Topomorfose, com os anéis de crescimento de árvores, viraram carimbos, com desenho de superfície em que a natureza se revela
Fábio Del Re/Divulgação
Como foi essa visita à Amazônia?
Sou uma artista com origem na arte têxtil, que na época estava em coma. Estava com crise existencial dos 30 anos, me questionando: para onde vou, o que vou fazer, para quem? Estava em altos embates comigo mesma. Encontrei com um amigo, Zanine Caldas, e ele me convidou para fazer esta cura na floresta. Entramos pelo quilômetro zero da Rodovia Transamazônica. Foi uma experiência espetacular! Sai muito impressionada e impactada com o que o homem está fazendo com a natureza.
Obra recente de 2025, painel série Berber, com 320×160 cm
Letícia Remião/Divulgação
Foi dessa viagem que nasceu a Topomorfose?
O que me interessou na Amazônia foi a alma das árvores, os anéis de crescimento que são a impressão digital delas. Estes desenhos revelam suas histórias e oferecem o que a natureza tem de mais lindo. É algo especialmente visível na região Sul, onde temos as estações mais bem demarcadas e, por consequência, árvores com anéis de crescimento que mostram essa alternância.
Edifício Iguaçu, em Porto Alegre, com brises de Heloisa Crocco na fachada. O empreendimento foi entregue em 2020
Letícia Remião/Divulgação
Lençóis, louças, pranchas de surfe, sabonetes, chocolates, arquitetura. Como é trabalhar com diferentes escalas de design?
É a somatória de possibilidades várias de apropriação do grafismo e da pesquisa. O que faz a diferença é o conceito. Eu não me interesso pelo lençol como lençol, mas pelo conceito, por toda a história que este desenho conta.
Pranchas estampadas com Topomorfose, de Heloisa Crocco
Letícia Remião/Divulgação
Como se dá o seu processo criativo? O que te inspira?
Esses desenhos da madeira têm relação com o homem primeiro, o indígena, é um desenho étnico. O homem primeiro e eu certamente bebemos na mesma fonte, nos inspiramos no mesmo motivo, que é a alma da árvore. É possível ver um paralelo entre esses primeiros grafismos e o desenho obtido na pesquisa Topomorfose.
Os padrões de Topomorfose aplicados em chocolate
Letícia Remião/Divulgação
Qual a importância da natureza na sua vida e trabalho?
Vivo na natureza, em um bairro com muitas árvores, no meio do mato. Minha casa é toda de madeira. Minha infância foi num sítio, com o pé na terra. Nunca morei em apartamento. Aqui é tudo natural, cru, desde o meu cabelo, até a forma despojada e livre de viver, na casa e no meu trabalho.
Detalhe de painel de Heloisa Crocco exposto recentemente na SP-Arte, mostrando as peças de madeira pinus, que são reaproveitadas da exportação de reflorestamento do Rio Grande do Sul
Letícia Remião/Divulgação
Como a natureza do Rio Grande do Sul está presente no seu trabalho?
O governo incentivou muito as comunidades da serra do Sul a fazerem reflorestamento de pinus, por ser uma região com clima próprio para isso, com alternância de frio e quente. Entendi que poderia trabalhar reaproveitando a madeira de reflorestamento, que era cortada e enviada para os Estados Unidos, e sobrava descarte. Meus painéis são feitos com o reaproveitamento do pinus que iria para o fogo.
Painel de Heloisa Crocco exposto recentemente na SP-Arte, pela Galeria Eduardo Fernandes
Letícia Remião/Divulgação
Qual é o seu momento profissional atual? Ao que tem se dedicado?
No momento, livremente me dedico à pesquisa no ateliê, trabalhando grandes formatos, bordando madeira. Gosto mais deste ritmo. E também estou catalogando, cadastrando e organizando a pesquisa Topomorfose. Estou mais velha e entendi que a pesquisa não pode ficar encerrada no ateliê. Estou pensando uma forma de disponibilizá-la, para que um público mais jovem e com outras miradas tenha acesso. Acho que chegou a hora de passar o legado. Vem frescor.
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Video mapping de Topomorfose no ateliê de Heloisa Crocco. Projeto em parceria com Lumeraito, em 2025
Lumeraito/Divulgação
Você inclusive já tem trabalhado em parceria com artistas mais jovens.
No Uruguai, conheci o grupo Lumeraito, que trabalha com video mapping. Fizemos a primeira instalação no espaço Las Musas, em José Ignacio, no verão de 2024. Agora, estampamos todo o ateliê com mapping na abertura do Portas para a Arte, projeto paralelo à Bienal do Mercosul, em que ateliês e galerias abrem suas portas. É uma experiência ímpar. A Topomorfose tem potencial de desdobramento infinito.