Piso de caquinhos: a história do famoso revestimento de cerâmica criado ‘sem querer’

O elemento, que surgiu como uma alternativa acessível, virou símbolo da arquitetura paulistana, presente em quintais e fachadas de muitas residências antigas O famoso piso de caquinhos, formado, como o nome já indica, por diversos pedacinhos, é um revestimento clássico das casas brasileiras. Hoje considerado um ícone, o elemento nasceu na região metropolitana da capital paulista de forma espontânea e se tornou febre em pouco tempo, principalmente nos lares da classe média paulistana. A seguir, conheça a sua história.
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Contexto histórico
Entre as décadas de 1940 e 1950, o setor industrial de São Paulo tinha a cerâmica como destaque. A empresa Cerâmica São Caetano – então uma das mais conhecidas fábricas de pisos do estado –, localizada na região do ABC Paulista, contava com uma grande estrutura e milhares de funcionários.
O carro-chefe eram os pisos de cerâmica, devido ao baixo custo e atrativo para o consumidor. A produção envolvia placas quadradas nas dimensões de 20 x 20 cm, tingidas nas cores pretas, vermelhas e amarelas.
Neste projeto do escritório Iná Arquitetura, a varanda do quarto continuou com o piso de caquinhos original da construção
Maíra Acayaba/Divulgação | Produção: Mariana Moura/Estúdio Ventana/Divulgação
A baixa qualidade no sistema de fabricação da época, somada à fragilidade do material, resultava em peças quebradiças e trincadas. Parte da confecção, portanto, era descartada antes mesmo das placas serem colocadas no mercado, resultando em prejuízos e despesas extras para a fábrica.
A criação do piso de caquinhos
Um dos operários viu a situação como oportunidade para reformar sua própria casa. A falta de recursos para finalizar o piso lhe fez lembrar dos cacos não utilizados na empresa. Assim, ele pediu autorização para levar o material e utilizá-lo no acabamento de sua residência.
O estabelecimento não só concordou como forneceu o transporte do material. O funcionário, por sua vez, utilizou as peças quebradas em todo o piso de seu quintal, mesclando as diferentes tonalidades.
A lavanderia ganhou piso de caquinhos feito com cerâmicas quebradas do Cemitério dos Azulejos. Projeto do escritório Macaxá Arquitetura
Ana Helena Lima/Divulgação
Com forte apelo estético, o mosaico construído despertou a curiosidade e o interesse dos vizinhos e pedestres que passavam pela rua, e a Cerâmica São Caetano logo começou a comercializá-lo, se tornando tendência na arquitetura, principalmente em São Paulo. A alta demanda, inclusive, fez com que o valor da cerâmica quebrada fosse superior ao preço da peça inteira.
“O reaproveitamento dos cacos transformava resíduos em algo útil e expressivo. Se consolidou especialmente em áreas externas, como quintais e calçadas”, diz Júlio Beraldo, arquiteto e fundador do escritório Iná Arquitetura.
O estilo foi adotado por grande parte da classe média paulistana e, em pouco tempo, os cacos que costumavam ser descartados tornaram-se os principais produtos. Originalmente, o revestimento era feito a partir de pedaços reaproveitados, no entanto, a indústria passou a quebrar peças inteiras propositalmente para a comercialização.
No projeto do escritório Go Up Arquitetura, a varada é demarcada pelo piso de caquinhos feito com pedaços de revestimentos rosados
Robson Figueiredo/Divulgação
“Embora o uso de mosaicos seja uma prática antiga em diversas culturas, o piso de caquinhos, como conhecido no Brasil, é uma solução vernacular brasileira, de caráter nitidamente utilitário, tendo surgido mais por necessidade do que por intenção artística”, pontua Guilherme Michelin, professor e pesquisador na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie.
Ainda é comum encontrar residências que preservam o piso de caquinhos, mas a difícil manutenção e preservação fez com que o item fosse substituído por outros materiais, apesar de permanecer na memória afetiva dos paulistanos. Atualmente, existem alternativas, como cerâmicas vitrificadas, azulejos e ladrilhos hidráulicos em cacos, embora em menor escala.
Como criar e instalar piso de caquinhos
Para reproduzir o revestimento, é possível adquirir diferentes peças quebradas e montar a sua própria composição, nas cores e padrões desejados. Ademais, a irregularidade dos pedacinhos garante a criação de formatos únicos, em uma singularidade que reforça a identidade de cada lar.
“Tecnicamente, a instalação é realizada de forma similar à de pisos cerâmicos tradicionais, com preparação de contrapiso, nivelamento e aplicação de argamassa de assentamento. A diferença está na escolha dos fragmentos a serem instalados e na etapa de distribuição e montagem dos ‘mosaicos’”, coloca o professor Guilherme.
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Ele ainda indica optar por caquinhos com espessura semelhante e bordas regulares, o que facilita o encaixe, além de prestar bastante atenção com o nivelamento.
“Cada piso de caquinhos é único, feito peça por peça. Isso confere uma identidade artesanal e uma sensação de movimento ao espaço. São uma memória viva da história de São Paulo”, acrescenta o arquiteto Júlio.
Dicas de manutenção e restauração do piso de caquinhos
Vale destacar que o item exige cuidados para garantir sua durabilidade, como o uso de água e sabão neutro para a limpeza, além de panos e vassouras com cerdas macias, a fim de evitar riscos no revestimento.
Outros processos de conservação incluem evitar o uso de produtos ácidos ou abrasivos. Além disso, é possível aplicar selantes ou resinas conforme o desgaste, ajudando a proteger de impactos fortes e variação de umidade constante.
Neste projeto do escritório Paraviva Arquitetura, as arquitetas fizeram uma releitura dos tradicionais caquinhos presentes em quintais antigos, usando o porcelanato Lombarda Viva Argento, da Portobello
Studio Tertúlia/Divulgação
Sobre o processo de restauração, Guilherme comenta: “É possível, mas precisa ser feita de forma cuidadosa. Antes de mais nada, é necessário fazer um levantamento de condições do todo o conjunto, visualizando os danos e manifestações patológicas, e entender o que está causando a situação encontrada”.
“Normalmente, se realiza a remoção e a substituição de cacos soltos ou quebrados, rejuntamento de falhas, limpeza especializada com produtos não abrasivos e aplicação de material protetor para realce e proteção”, ele finaliza.

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