Maracanã 75 anos: história, arquitetura e o projeto rejeitado de Niemeyer

Entre ambições modernistas e pragmatismo político, o estádio mais emblemático do Brasil carrega, em suas curvas, a memória do projeto de Oscar Niemeyer que jamais saiu do papel Em 2025, o Maracanã — ou Estádio Jornalista Mário Filho — completa 75 anos desde o início de sua construção. Monumental, controverso e constantemente reinventado, o estádio ocupa um lugar de destaque não apenas na memória esportiva do país, mas também na história da arquitetura moderna brasileira. O que nem todos se lembram é que, antes de se tornar o colosso de concreto que conhecemos, o Maracanã poderia ter sido uma obra assinada por Oscar Niemeyer, com o virtuosismo estrutural e a leveza formal que marcaram sua trajetória.
Foi em 1947 que a prefeitura do então Distrito Federal, o Rio de Janeiro, lançou um concurso para definir o projeto arquitetônico do estádio que sediaria a Copa do Mundo de 1950. Niemeyer, já consagrado por obras como o conjunto da Pampulha e vinculado ao então prefeito Ângelo Mendes de Moraes, apresentou uma proposta radical, inspirada nas experiências internacionais de coberturas suspensas, e que antecipava soluções adotadas décadas depois em estádios europeus.
Partida entre as seleções do Brasil e da Espanha na Copa do Mundo de 1950
Bettmann / Getty Images
Seu projeto previa um estádio circular, com cobertura tensionada por cabos de aço — uma estrutura leve e aerodinâmica que dispensava pilares internos, garantindo visibilidade plena ao público. A cobertura pairaria sobre as arquibancadas como um anel flutuante, contrastando com o maciço das estruturas convencionais. Era uma proposta audaciosa, moderna, funcional e elegante, em harmonia com os princípios da arquitetura moderna brasileira que emergia naquele momento.
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A maquete do projeto de Oscar Niemeyer para o Estádio do Maracanã
Reprodução/Casa Zalszupin
A proposta de Niemeyer foi rejeitada por razões técnicas e políticas. Havia, sobretudo, a pressão para que as obras começassem imediatamente, respeitando o cronograma rígido imposto pela FIFA. O plano de Niemeyer, além de disruptivo, exigiria tempo e testes estruturais que não se encaixavam na urgência imposta. O custo estimado também era significativamente mais alto do que o orçamento público permitia
Os traços de Niemeyer para o Estádio do Maracanã
Reprodução
Além disso, havia disputas políticas veladas. A Comissão de Construção do estádio optou por um projeto mais “seguro” e convencional, coordenado por uma equipe de engenheiros e arquitetos liderada por Pedro Paulo Bastos, Rafael Galvão e Orlando Azevedo. Era uma solução baseada em modelos europeus clássicos, com forte apelo monumental e capacidade para mais de 150 mil pessoas, ancorada em volumetrias robustas e marquises em concreto armado.
Vista geral do Estádio do Maracanã durante a partida entre Flamengo e Fluminense em 5 de abril de 2009, no Rio de Janeiro
Reinaldo Coddou H./Getty Images
Décadas depois, em projetos como o sambódromo da Marquês de Sapucaí ou o Auditório Ibirapuera, Niemeyer resgataria elementos formais semelhantes àqueles pensados para o estádio. E, apesar da exclusão de sua proposta, traços do modernismo brasileiro permaneceram no projeto executado. A forma oval, a ausência de colunas obstrutivas e a marquise contínua do anel superior dialogam, mesmo que de forma não intencional, com a estética de Niemeyer. O Maracanã tornou-se, afinal, um monumento da paisagem carioca, abraçado por montanhas e aberto para o céu, em sintonia com o espírito da arquitetura moderna tropical.
O Estádio Municipal do Maracanã, no Rio de Janeiro, foi adaptado como sede da Copa do Mundo de Futebol da FIFA em 2014 e reformado
JOKER / Hady Khandani/ullstein bild via Getty Images
Ao longo das décadas, no entanto, o estádio sofreu mudanças significativas. As reformas para os Jogos Pan-Americanos de 2007, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 alteraram sua estrutura interna e sua fachada, substituindo elementos originais por soluções mais genéricas, padronizadas à imagem do futebol globalizado. A “geral”, espaço simbólico de convivência popular, foi extinta. A cobertura foi refeita com novas tecnologias, mas sem preservar o desenho original do anel superior. A cada reforma, um pouco da história — e da identidade arquitetônica do Maracanã — era apagada.
O estádio, que nasceu como símbolo de modernidade e pertencimento coletivo, hoje é também reflexo das contradições do Brasil contemporâneo: entre o populismo e a elitização, entre a memória e o espetáculo, entre o que foi construído e o que poderia ter sido. O projeto de Oscar Niemeyer, ainda que nunca tenha sido erguido, permanece como uma espécie de fantasma poético pairando sobre o campo. Uma lembrança do país que ousava sonhar mais alto.
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