Junto com Gonzalo Arteaga, Juan Cerda, Víctor Oddó e Diego Torres, Alejandro Aravena lidera o estúdio chileno ELEMENTAL. Conversamos com o vencedor do Prêmio Pritzker durante a Bienal de Arquitetura de Veneza, onde ele revelou recentemente uma colaboração inovadora com a Holcim Com sede em Santiago, Chile, o ELEMENTAL vem há mais de duas décadas demonstrando que a arquitetura pode ser tanto uma ferramenta de transformação social quanto uma plataforma de exploração criativa. Fundado em 2001 e liderado pelo vencedor do Prêmio Pritzker de 2016, Alejandro Aravena, ao lado de Gonzalo Arteaga, Juan Cerda, Víctor Oddó e Diego Torres, o escritório aborda com igual rigor projetos de habitação social, espaço público, design urbano e objetos. Sua abordagem transversal e livre de preconceitos tem lhes permitido atuar em contextos extremos e formular novas perguntas onde outros veem apenas limites.
Conversamos com Aravena durante a Bienal de Arquitetura de Veneza 2025, onde ele acaba de apresentar um projeto inovador em parceria com a Holcim, referência global em soluções de construção sustentáveis. Trata-se de uma tecnologia de biocarvão, capaz de transformar edifícios em verdadeiros sumidouros de carbono.
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Vai construir ou reformar? Seleção Archa + Casa Vogue ajuda você a encontrar o melhor arquiteto para o seu projeto
O que você acha sobre o dilema de construir ou não construir?
A.A.: É uma visão condescendente. Muito do primeiro mundo. Esse tipo de questionamento é arrogante, pois ignora que há milhões de pessoas sem acesso a condições básicas. É fácil dizer “construir polui” a partir de um escritório, com boa iluminação, aquecimento e um computador seguro. Mas esse não é o mundo real. Quando se vive a realidade das ruas, entende-se que, muitas vezes, as forças puxam em direções opostas. E que o bom design pode fazê-las convergir. Projetar uma embaixada, por exemplo, exige que ela seja segura, mas também que seja uma boa vizinha. As contradições não devem ser eliminadas, mas resolvidas de forma inteligente. Acho que precisamos de uma discussão mais adulta, porque, na idade adulta, ao contrário da infância, aprende-se a conviver melhor com a complexidade, entendendo que existe um bem maior. Estamos sofrendo de uma overdose de teclado e de um déficit de rua.
Você é otimista? Acredita que essas ideias estão ganhando espaço?
A.A.: Sim e não. Se alguém for otimista demais, acomoda-se. Se for pessimista demais, tudo perde o sentido. Prefiro me manter nessa tensão fértil, entre o ceticismo rigoroso e o entusiasmo realista. O difícil não é vencer a resistência, isso se conquista com exemplos. O difícil é mudar a cultura. Hoje, o valor está associado à posse, não ao pertencimento. Em inglês, até se diz “the haves and the have-nots” (“os que têm e os que não têm”). Mas o ideal seria que o valor não estivesse em ter coisas, e sim em pertencer a uma comunidade. Na exposição de Veneza, mostramos um trecho de Bardo, filme de Iñárritu. Falamos sobre pessoas que não têm nada a perder. Isso é muito perigoso. E para mudar isso, não basta arquitetura. É preciso cinema, música, esporte… cultura popular que construa uma nova epopeia. Precisamos de novas narrativas. E, mesmo que não consigamos, pelo menos não podemos parar de tentar.
A arte de construir com biocarbono
Reprodução AD Espanha
Você diz que a universidade prepara os arquitetos para um mundo ideal, mas não para o mundo real. Como essa formação deveria melhorar?
A.A.: Penso em dois caminhos. O primeiro aprendi por contraste. Quando fundamos o ELEMENTAL, um dos sócios era Andrés Iacobelli, engenheiro de transportes. Nos conhecemos em Harvard, ele estudava políticas públicas na Kennedy School— e, quando trouxemos o projeto para o Chile (ainda com um pé lá e outro na Universidade Católica), ele virou professor na Escola de Arquitetura. De fora, o olhar dele era revelador: ele se espantava com o fato de que nas disciplinas artísticas se tende a ver a restrição como um obstáculo à criatividade. Mas é justamente o contrário: são as restrições que obrigam a ser criativo. No mundo real, as restrições são permanentes. O que você quer fazer sempre depende do que pode e do que deve ser feito. Se você se forma dentro desse marco, não só melhora como arquiteto, mas estabelece uma conexão direta com a realidade. O segundo problema é que, muitas vezes, a academia adapta a pergunta para obter uma resposta esteticamente mais atraente. Mas, na vida real, você não pode modificar a pergunta. Quanto mais complexo o problema, mais você precisa aprender a conviver com o “suficientemente bom”. Seus objetivos não são absolutos, são relativos.
Melhor algo do que nada.
A.A.: Exatamente. Na arquitetura, muitas vezes, aprendemos por meio do que chamo de “certezas inefáveis”: você sabe que algo está certo, mas não consegue explicar com palavras. É uma lógica mais próxima da aprendizagem entre mestre e aprendiz. Como na música: você não consegue explicar por que algo está afinado, mas reconhece quando ouve. O problema é que a arquitetura está presa ao modelo de Bolonha, que prioriza a publicação de artigos. Mas nossa disciplina enfrenta o problema da folha em branco. Uma coisa é criticar ou teorizar; outra bem diferente é propor. E isso exige um salto no vazio. Essa vertigem, essa adrenalina, é algo que outras disciplinas mais científicas não têm. E aí, creio, é onde a formação ainda tem uma dívida pendente.
Você defende a reversão do paradigma do desenvolvimento: que boas cidades são causa e não a consequência da riqueza.
A.A.: Ouvi isso de Joan Clos, ex-prefeito de Barcelona — médico, por sinal. Ele disse isso na ONU, diante de centenas de prefeitos: “Vocês podem esperar que o Ministério das Finanças faça tudo certo e então fiquem ricos, ou podem mudar o paradigma”. Foi um choque para mim. Era algo tão simples quanto preciso.
A Bienal de Arquitetura de Veneza decidiu: o que o concreto era no século XX, o biocarvão será no século XXI. Isso é confirmado pela mais recente inovação da Holcim
Federico Vespignani/Reprodução AD Espanha
Como isso se aplica ao trabalho do arquiteto?
A.A.: Clos explicou muito bem: para que uma cidade impulsione o desenvolvimento, três condições devem ser cumpridas. Primeiro, o Estado de Direito. Quando não há segurança sobre a propriedade, ninguém investe. Segundo, financiamento de múltiplas fontes. Só Estado e mercado não bastam. É preciso incluir os cidadãos, não apenas como beneficiários, mas como agentes ativos de financiamento. E o terceiro é o design. Não como ornamento, mas como ferramenta. Um exemplo é o plano Nolli, que diferencia o construído do vazio. Nas favelas, a proporção entre espaço público e privado é de 1 para 10. Em Manhattan, é de 1 para 1. Essa diferença não é apenas visual: ela determina se uma cidade gera ou degrada valor. E isso, curiosamente, não exige dinheiro. Exige design e visão.
Isso te leva a pensar que o arquiteto também deve ocupar um papel urbanístico?
A.A.: Para mim, não há divisão. Alguém precisa definir a forma da cidade. Qual a largura de uma calçada? A cada quanto tempo há uma praça? Qual é a relação entre cheio e vazio? O desenho urbano é tão importante quanto o arquitetônico. Na verdade, deveríamos pensar mais no que não construir do que no que construir. Fala-se muito de densidade, mas o que importa é a intensidade: como convivem no mesmo metro quadrado moradia, comércio e serviços. As favelas, apesar dos seus problemas, conseguem isso porque não estão sujeitas ao zoneamento tradicional. Nelas, a cidade dos 15 minutos já existe em 5 minutos! Uma cidade deve ser uma concentração de oportunidades. E isso, mais uma vez, exige design.
*Matéria originalmente publicada na Architectural Digest Espanha.
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O que você acha sobre o dilema de construir ou não construir?
A.A.: É uma visão condescendente. Muito do primeiro mundo. Esse tipo de questionamento é arrogante, pois ignora que há milhões de pessoas sem acesso a condições básicas. É fácil dizer “construir polui” a partir de um escritório, com boa iluminação, aquecimento e um computador seguro. Mas esse não é o mundo real. Quando se vive a realidade das ruas, entende-se que, muitas vezes, as forças puxam em direções opostas. E que o bom design pode fazê-las convergir. Projetar uma embaixada, por exemplo, exige que ela seja segura, mas também que seja uma boa vizinha. As contradições não devem ser eliminadas, mas resolvidas de forma inteligente. Acho que precisamos de uma discussão mais adulta, porque, na idade adulta, ao contrário da infância, aprende-se a conviver melhor com a complexidade, entendendo que existe um bem maior. Estamos sofrendo de uma overdose de teclado e de um déficit de rua.
Você é otimista? Acredita que essas ideias estão ganhando espaço?
A.A.: Sim e não. Se alguém for otimista demais, acomoda-se. Se for pessimista demais, tudo perde o sentido. Prefiro me manter nessa tensão fértil, entre o ceticismo rigoroso e o entusiasmo realista. O difícil não é vencer a resistência, isso se conquista com exemplos. O difícil é mudar a cultura. Hoje, o valor está associado à posse, não ao pertencimento. Em inglês, até se diz “the haves and the have-nots” (“os que têm e os que não têm”). Mas o ideal seria que o valor não estivesse em ter coisas, e sim em pertencer a uma comunidade. Na exposição de Veneza, mostramos um trecho de Bardo, filme de Iñárritu. Falamos sobre pessoas que não têm nada a perder. Isso é muito perigoso. E para mudar isso, não basta arquitetura. É preciso cinema, música, esporte… cultura popular que construa uma nova epopeia. Precisamos de novas narrativas. E, mesmo que não consigamos, pelo menos não podemos parar de tentar.
A arte de construir com biocarbono
Reprodução AD Espanha
Você diz que a universidade prepara os arquitetos para um mundo ideal, mas não para o mundo real. Como essa formação deveria melhorar?
A.A.: Penso em dois caminhos. O primeiro aprendi por contraste. Quando fundamos o ELEMENTAL, um dos sócios era Andrés Iacobelli, engenheiro de transportes. Nos conhecemos em Harvard, ele estudava políticas públicas na Kennedy School— e, quando trouxemos o projeto para o Chile (ainda com um pé lá e outro na Universidade Católica), ele virou professor na Escola de Arquitetura. De fora, o olhar dele era revelador: ele se espantava com o fato de que nas disciplinas artísticas se tende a ver a restrição como um obstáculo à criatividade. Mas é justamente o contrário: são as restrições que obrigam a ser criativo. No mundo real, as restrições são permanentes. O que você quer fazer sempre depende do que pode e do que deve ser feito. Se você se forma dentro desse marco, não só melhora como arquiteto, mas estabelece uma conexão direta com a realidade. O segundo problema é que, muitas vezes, a academia adapta a pergunta para obter uma resposta esteticamente mais atraente. Mas, na vida real, você não pode modificar a pergunta. Quanto mais complexo o problema, mais você precisa aprender a conviver com o “suficientemente bom”. Seus objetivos não são absolutos, são relativos.
Melhor algo do que nada.
A.A.: Exatamente. Na arquitetura, muitas vezes, aprendemos por meio do que chamo de “certezas inefáveis”: você sabe que algo está certo, mas não consegue explicar com palavras. É uma lógica mais próxima da aprendizagem entre mestre e aprendiz. Como na música: você não consegue explicar por que algo está afinado, mas reconhece quando ouve. O problema é que a arquitetura está presa ao modelo de Bolonha, que prioriza a publicação de artigos. Mas nossa disciplina enfrenta o problema da folha em branco. Uma coisa é criticar ou teorizar; outra bem diferente é propor. E isso exige um salto no vazio. Essa vertigem, essa adrenalina, é algo que outras disciplinas mais científicas não têm. E aí, creio, é onde a formação ainda tem uma dívida pendente.
Você defende a reversão do paradigma do desenvolvimento: que boas cidades são causa e não a consequência da riqueza.
A.A.: Ouvi isso de Joan Clos, ex-prefeito de Barcelona — médico, por sinal. Ele disse isso na ONU, diante de centenas de prefeitos: “Vocês podem esperar que o Ministério das Finanças faça tudo certo e então fiquem ricos, ou podem mudar o paradigma”. Foi um choque para mim. Era algo tão simples quanto preciso.
A Bienal de Arquitetura de Veneza decidiu: o que o concreto era no século XX, o biocarvão será no século XXI. Isso é confirmado pela mais recente inovação da Holcim
Federico Vespignani/Reprodução AD Espanha
Como isso se aplica ao trabalho do arquiteto?
A.A.: Clos explicou muito bem: para que uma cidade impulsione o desenvolvimento, três condições devem ser cumpridas. Primeiro, o Estado de Direito. Quando não há segurança sobre a propriedade, ninguém investe. Segundo, financiamento de múltiplas fontes. Só Estado e mercado não bastam. É preciso incluir os cidadãos, não apenas como beneficiários, mas como agentes ativos de financiamento. E o terceiro é o design. Não como ornamento, mas como ferramenta. Um exemplo é o plano Nolli, que diferencia o construído do vazio. Nas favelas, a proporção entre espaço público e privado é de 1 para 10. Em Manhattan, é de 1 para 1. Essa diferença não é apenas visual: ela determina se uma cidade gera ou degrada valor. E isso, curiosamente, não exige dinheiro. Exige design e visão.
Isso te leva a pensar que o arquiteto também deve ocupar um papel urbanístico?
A.A.: Para mim, não há divisão. Alguém precisa definir a forma da cidade. Qual a largura de uma calçada? A cada quanto tempo há uma praça? Qual é a relação entre cheio e vazio? O desenho urbano é tão importante quanto o arquitetônico. Na verdade, deveríamos pensar mais no que não construir do que no que construir. Fala-se muito de densidade, mas o que importa é a intensidade: como convivem no mesmo metro quadrado moradia, comércio e serviços. As favelas, apesar dos seus problemas, conseguem isso porque não estão sujeitas ao zoneamento tradicional. Nelas, a cidade dos 15 minutos já existe em 5 minutos! Uma cidade deve ser uma concentração de oportunidades. E isso, mais uma vez, exige design.
*Matéria originalmente publicada na Architectural Digest Espanha.
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