Bebês reborn: a origem, os seus usos e impactos na decoração do lar

Os bonecos hiper-realistas foram criados ainda durante a Segunda Guerra Mundial e têm uma forte narrativa associada ao estabelecimento de vínculos e afetos Os bebês reborn têm viralizado em vídeos na internet e nas redes sociais. Os bonecos hiper-realistas, que imitam um recém-nascido – com cabelos implantados, olhos de vidro e pele macia – fazem parte de um mercado crescente e atingem também o universo da decoração.
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Com preços variáveis e versões mais detalhadas, os bonecos podem chegar a custar até R$ 9 mil. Segundo apuração feita pela Forbes, lojas especializadas nesse produto no Brasil tiveram um faturamento mensal de até R$ 40 mil. Algumas lojas de varejo e departamento criaram, inclusive, seções exclusivas nos seus sites dedicadas à decoração de ambientes para esses bebês.
Os conteúdos relacionados aos bonecos também têm sido permeados por comentários e polêmicas. Recentemente, a influenciadora Carol Sweet publicou um vídeo simulando o “parto” de um bebê reborn, que ultrapassou 3,6 milhões de visualizações. A postagem dividiu opiniões, mas trouxe à tona o debate e algumas curiosidades sobre a origem e os usos dos reborns.
Onde surgiu o bebê reborn
Embora o tema esteja em alta, a origem desses bonecos é mais antiga do que se imagina. A produção de bebês hiper-realistas começou durante a Segunda Guerra Mundial. “Nesse período de escassez, as mães começaram a restaurar as bonecas antigas para presentear os filhos como um gesto de reconstrução de esperança naquele momento tão difícil”, explica a psicóloga Daniella Bittar.
Com o passar do tempo, os bebês reborn foram ficando cada vez mais realistas
Pedro Luiz Dixon de Carvalho/Wikimedia Commons
O nome deriva do termo reborn, em inglês, que significa recém-nascido. Inicialmente, a técnica de fazer esses bonecos era artesanal. Com a chegada nos Estados Unidos, na década de 1990, a produção foi se aperfeiçoando e recebeu influências da estética hiper-realista.
Atualmente, a produção é feita por pessoas artesãs, que se autodenominam Cegonhas Reborn. Os produtos são vendidos em lojas especializadas e também em portais on-line.
Feitos com materiais como silicone e vinil, os bebês reborn têm recebido aspectos físicos, como olhos e bocas que se movimentam, peso real e cores semelhantes à pele humana. “É um simulacro muito potente do bebê humano, suscitando, inclusive, confusões muito reais”, afirma Clotilde Perez, semioticista, professora e diretora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).
Objetos infantis migram para o universo adulto
Os bebês reborn não são os primeiros itens pensados inicialmente para o público infantil que migram para o gosto adulto. Segundo a ABRIN, Feira Brasileira de Brinquedos, 76% dos brasileiros entre 18 e 65 anos se consideram consumidores do segmento, número acima da média global (67%).
Além dos bebês reborn, itens como o Labubu, criatura colecionável criada pelo artista Kasing Lung, refletem essa tendência
Flickr/MaRiJuBaby/Creative Commons; GettyImages | Montagem: Casa e Jardim
Os dados apontam para uma tendência comportamental internacional chamada kidult. Junção dos termos, em inglês, kid (criança) e adult (adulto), a tendência compreende o consumo e a adoção de produtos e comportamentos associados ao universo infantil, como os bebês reborn. “Esse consumo dá indícios uma sociedade pós-contemporânea, marcada por pessoas que lidam com a desconexão, necessidades emocionais não atendidas e se sentem mais sozinhas”, afirma Daniella.
Sobretudo, após a pandemia de Covid-19, as relações humanas fragilizadas, associada a um individualismo sistêmico, dão lugar a busca do conforto sob novas formas. “O afeto por animais, plantas e objetos diversos, manejáveis e controláveis, cresce. No caminho de um afeto seguro, a onda dos bebês reborn ganha significação como um lugar sem risco e com total controle”, explica a semioticista.
Os bebês reborn trazem consigo um discurso de conforto proporcionado por esses objetos em meio a um contexto social no qual as pessoas estão inseridas em rotinas cada vez mais individuais e marcada pela ausência de vínculos
Flickr/MaRiJuBaby/Creative Commons
Os impactos na decoração e na concepção do lar
A neurociência aplicada à arquitetura, entende que o ambiente não é neutro. “Ele influencia profundamente como nos sentimos, reagimos e nos relacionamos com a vida”, destaca Priscilla Bencke, arquiteta e urbanista, co-fundadora da NEUROARQ Academy, Academia Brasileira de Neurociência e Arquitetura, que atua oferecendo formações e capacitações sobre neuroarquitetura.
Nessa concepção, os elementos presentes nos espaços, como objetos, móveis ou cores, podem despertar memórias e emoções. “Em meio à velocidade da vida cotidiana e à superficialidade de muitas conexões, os ambientes, assim como os objetos que os compõem, passam a ser locais possíveis de resgate emocional”, afirma Gabi Sartori, arquiteta e urbanista, também co-fundadora da NEUROARQ Academy.
Criadores de conteúdo nas redes sociais têm divulgado imagens que mostram decoração de quartos e ambientes específicos para bebês reborns
Pinterest/Carol Jones/Reprodução; Pinterest/Granny Nae/Reprodução | Montagem: Casa e Jardim
O movimento de incorporar os bebês reborn nos espaços e pensar a decoração dos ambientes considerando esses bonecos dialoga com a forma de conceber os espaços contemporâneos. “Há esse desejo de expressar a própria identidade por meio do espaço, considerando também os vínculos simbólicos com determinados objetos”, complementa Priscilla.
Essa também é uma resposta de mercado. “Atento aos movimentos das pessoas demandantes, o mercado entrega produtos e serviços que acolhem, em uma narrativa, os desejos narcísicos em busca de compensações simbólicas, através da esmerada oferta de cuidado e bem-estar. É um terreno fértil para a criatividade capitalista das empresas”, ressalta Clotilde.
Com isso, atrelado aos bonecos, é construída uma cultural material de consumo, que incentiva a comercialização de, por exemplo, roupas, brinquedos, mobiliário, carrinhos, cadeirinhas e berços.
Bebês reborn podem ser usados para fins terapêuticos
Os bebês reborn, assim como outros tipos de bonecos, também podem ser apropriados para fins terapêuticos. “Esses bonecos se tornam um projeto de apego, trazendo um componente biológico significativo de ‘confortação’ em um cuidado ritualístico com aquele objeto”, explica Daniella.
Bonecos, não exclusivamente os bebês reborn, já são usados por profissionais especializados, como médicos perinatais, psicólogos e psiquiatras. Em casos de doenças como demência, Alzheimer ou durante o processo de luto ou preparo emocional para a maternidade, eles funcionam como um suporte e elemento de conforto.
Os bebês reborn marcados pelo hiper-realismo podem ser usados com fins terapêuticos e funcionar como um objeto de conforto
Flickr/MaRiJuBaby/Creative Commons
“Em casos de luto perinatal de mães que perderam os bebês, especialmente em situações em que não foi possível realizar um ritual de despedida, esses itens podem favorecer e facilitar uma elaboração simbólica da perda”, exemplifica Daniella.
O crucial é que se faça uma distinção entre o uso terapêutico saudável e o desenvolvimento de relações patológicas. A utilização se torna patológica quando a pessoa desenvolve um apego excessivo por esse objeto e substitui relações humanas de fato por vínculos com o boneco.
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É essencial também evitar o sensacionalismo e generalizações. A inexistência de estudos sólidos e científicos sobre o tema demandam cautela e parcimônia. “Como fenômeno de nosso tempo, precisa ser entendido em sua complexidade, o que acaba não acontecendo dados os fáceis e estimulados julgamentos morais, principalmente, nas redes sociais”, finaliza Clotilde.

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