Quem foi Otávio Teixeira Mendes, o paisagista por trás do Parque Ibirapuera

O engenheiro agrônomo e paisagista deixou um legado, ainda pouco divulgado, de atuação em prol da conservação, preservação e introdução pioneira de espécies nativas da Mata Atlântica O Parque Ibirapuera é um dos importantes marcos da paisagem da cidade de São Paulo (SP). Por muito tempo, imaginava-se que o projeto de seu paisagismo era de autoria de nomes brasileiros conhecidos da arquitetura e do urbanismo como o Roberto Burle Marx e o Oscar Niemeyer. Porém, foi Otávio Augusto Teixeira Mendes quem elaborou a solução paisagística implementada.
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Teixeira Mendes foi arquiteto, paisagista e engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP). Nascido em Piracicaba, em 21 de junho de 1907, ele foi o segundo de 14 filhos e cresceu em um ambiente letrado e focado na agronomia.
“A associação de ex-alunos indica que com o sobrenome Teixeira Mendes, são 31 ou 38 formados em engenharia agronômica, mas, o biógrafo da família, já fala em 81 formados na área. É algo que está quase no nosso DNA”, conta e brinca com carinho, Fernando Teixeira Mendes, sobrinho de Otávio Augusto.
Família Teixeira Mendes reunida em Piracicaba, em 1963, na ocasião do aniversário de 80 anos de Leonina Marques, mãe de Otávio Augusto
Família Teixeira Mendes/Acervo Pessoal
A infância e a paixão pela música
Após os estudos básicos, Otávio se dedicou ao piano e à música. “Augusto herdaria de sua mãe e avó materna o gosto pela música, tomando aulas de piano com a prestigiada professora Antonieta Rudge e com Fabiano Rodrigues Lozano, tanto que, anos mais tarde, ele seria um dos membros fundadores da Sociedade de Cultura Artística de Piracicaba”, comenta Guilherme Corrêa, historiador e também parente de Otávio.
Em 1926, o paisagista fez uma apresentação marcante para a trajetória pessoal dele e também da família. Foi nesse momento que Otávio se assumiu homossexual, em uma época na qual o preconceito era ainda mais latente.
Trechos de jornais da época reunidos pela família que destacavam a atuação de Otávio na música como pianista
Família Teixeira Mendes/Acervo Pessoal | Montagem: Casa e Jardim
O seu memorável piano de cauda, que também influenciaria seus futuros trabalhos, é comprado ainda em 1928. Otávio encomendou a peça diretamente da Alemanha. “Meu tio pediu para que o piano fosse feito sob medida e a distância das oitavas fosse adequada às mãos de uma amiga que estimava muito, a pianista franco-brasileira, Magdalena Tagliaferro, em um momento no qual estava mais debilitada”, conta Fernando.
Formação profissional e atuação no serviço público
Aos 28 anos, Otávio ingressou na Universidade e finalizou o curso de Engenharia Agronômica, em 1939, mudando os rumos de seguir o caminho da música. Um ano depois, a sua atuação no serviço público começa e o engenheiro atuou como Agrônomo Chefe do Horto Florestal de Araraquara.
Em 1942, Otávio Augusto migra para São Paulo e ingressa no Serviço Florestal do Estado de São Paulo para assumir a recém-criada chefia da Divisão de Parques, Jardins e Arborização. Quatro anos depois, ele ascende ao posto de Diretor de Serviço Florestal do Estado. Na instituição, ele cria sete novos distritos florestais ou hortos, como os das cidades de Avaré e Campos de Jordão.
Otávio, de chapéu, no Horto Florestal de São Paulo em 1971. O engenheiro estava coordenando o replantio de mudas
Família Teixeira Mendes/Acervo Pessoal
“Otávio estava muito preocupado em preservar, por meio dessas unidades, o pouco de vegetação nativa que ainda existia no estado, além de incentivar as políticas para conservação, que são de manejo e silvicultura para introduzir ou melhorar espécies para uso comercial”, afirma Cássia Mariano, arquiteta pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP e professora adjunta de Paisagismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Por divergências políticas e pessoais, Otávio é exonerado pelo governador Adhemar de Barros. Por um decreto do governante, a Reserva Florestal do Pontal do Paranapanema, que era uma importante área preservada da Mata Atlântica, deixa efetivamente de existir anos depois.
O imóvel onde, hoje, é a Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, no bairro do Morumbi, em São Paulo, foi projetado por Oswaldo Bratke entre os anos de 1952 e 1953. O paisagismo é de Otávio Teixeira Mendes
Flickr/Fernando Stankuns/Creative Commons
Nesse momento, o engenheiro segue para uma pós-graduação na Universidade de Colúmbia e, quando retorna, começa a projetar importantes parques, como o localizado na atual Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, o Parque Anchieta, Parque do Carmo e o Parque do Ibirapuera.
Esses projetos, para além da sua tipologia, carregam consigo algumas marcas comuns do trabalho de Otávio. “Os parques trazem a preocupação com a preservação da vegetação nativa, mas também a introdução, de forma muito pioneira, de espécies como sibipirunas, pau-brasil, pau-ferros, angicos e cabriúva, que não faziam parte do repertório de grande parte dos jardins e espaços verdes da cidade”, destaca Cássia.
No sentido horário, Otávio orientando trabalhadores durante construção de um lago. Na segunda foto, registro do Horto Florestal de Avaré, projeto de sua autoria, de 1946. Na terceira foto, Otávio no Horto Florestal de São Paulo, orientando transporte de muda. Na quarta foto, Horto Florestal de Batatais, que é um projeto paisagístico de Otávio, também de 1946
Fundação Maria Luisa e Oscar Americano/Reprodução | Montagem: Casa e Jardim
O engenheiro entendia que o reconhecimento da importância da preservação e conservação pela população aconteceria a partir do conhecimento e contato com as espécies a serem preservadas. Para Otávio, como dito em depoimentos recuperados: “O paisagismo é para ser vivido. A conservação da natureza e a sua preservação é uma das atribuições de um Estado Digno”.
O projeto do Parque Ibirapuera
O parque nasceu em meio às comemorações do 4º Centenário de São Paulo. Para as celebrações, em 1954, foi criada uma Comissão, responsável para definir como o aniversário da cidade seria comemorado.
O grupo determinou que a região, onde hoje o Parque Ibirapuera está situado, seria a Sede dos Festejos. “A intenção era expressar no espaço a arte e técnica como símbolo do progresso da cidade”, comenta a professora.
Projeto do Parque Ibirapuera durante a sua implementação
Fundação Maria Luisa e Oscar Americano/Reprodução
Os profissionais Hélio Ulhoa Cavalcanti, Eduardo Knesse, Zenon Lotufo e Oscar Niemeyer foram designados para desenvolver o conjunto arquitetônico do espaço. Para o paisagismo, são comissionados dois projetos: um de Otávio Teixeira e outro de Burle Marx.
A atuação de ambos se dava em paralelo e propunham a valorização da flora nativa. Enquanto Otávio se centrava em São Paulo, o arquiteto, paisagista e artista plástico, Burle Marx, estava no Rio de Janeiro.
Especificamente para o Ibirapuera, Burle Marx havia proposto um projeto com 14 jardins temáticos e correspondentes aos ecossistemas brasileiros, em torno e por meio de caminhos suspensos às construções arquitetônicas. Já Otávio propunha a integração da vegetação nativa, lagos artificiais e amplos espaços abertos, criando uma transição harmônica entre natureza e cidade.
Com autoria de Otavio Augusto Teixeira Mendes, a exibição do projeto do Parque Ibirapuera acontece de forma inédita na Fundação Maria Luisa e Oscar Americano
Fundação Maria Luisa e Oscar Americano/Divulgação
Por unanimidade, o projeto de Otávio foi o vencedor. Curiosamente, não há registros de outros projetos de Niemeyer em que Burle Marx tenha participado depois desse momento.
A música, para além de uma paixão na vida de Otávio, também gerou efeitos no seu trabalho projetual e paisagístico, inclusive do Ibirapuera. “Ao introduzir a vegetação nativa da Mata Atlântica, Otávio pensava em preservar por meio do uso de princípios artísticos, que podem ter sido derivados da própria estrutura musical”, argumenta a professora.
Os espaços pensados pelo paisagista tocam os sujeitos, para gerar um acolhimento e bem-estar, assim como a música. “Esse pioneiro resgate de brasilidade do trabalho de Otávio trabalha com elementos que dialogam com o universo musical, como a harmonia, a justaposição e de alternância entre luz e sombra, sempre confortáveis para quem circula no ambiente”, destaca Cássia.
Existe grandes semelhanças nos projetos de Otávio. Na esquerda, projeto paisagístico do Parque Ibirapuera. Na direita, projeto paisagístico do que hoje é a Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, ambos em São Paulo
Fundação Maria Luisa e Oscar Americano/Reprodução | Montagem: Casa e Jardim
Apagamento e recuperação de um legado
Otávio foi pioneiro e teve uma atuação importante na introdução e preservação de espécies da Mata Atlântica, um bioma que, em 2025, é vestigial. Segundo dados do IBGE e da SOS Mata Atlântica, restam apenas 24% do que existia originalmente, sendo que apenas 12,4% são florestas maduras e bem preservadas.
Apesar disso, o legado do paisagista e engenheiro foi, por muito tempo, apagado. Em 1968, Otávio solicita o seu desligamento do Serviço Florestal e a sua aposentadoria. Nos anos finais de sua vida, o paisagista lidou com debates sobre a autoria e manutenção do Parque do Ibirapuera.
Em 1973, ele se posiciona de forma contrária ao gradeamento do Parque. O paisagista também não é escolhido nem consultado para o projeto de remodelação do local, que fica a cargo de Burle Marx.
“A vida do Otávio foi marcada por muitos embates, sobretudo, no Serviço Florestal. Esse pode ser um dos fatores que pode ter contribuído para colocá-lo, propositalmente, nesse lugar de invisibilidade, mesmo dentro da área do paisagismo e da arquitetura”, destaca Cássia.
Texto escrito por Maria Celestina Teixeira Mendes Torres, apelidada Marinha, uma das irmãs de Otávio. Ela era historiadora e escreveu uma série de livros sobre os bairros de São Paulo, e foi a última irmã dele a falecer, aos 102 anos. O texto fala sobre a questão da autoria do projeto paisagístico do Ibirapuera e o reconhecimento de Otávio
Família Teixeira Mendes/Acervo Pessoal
Iniciativas como a mostra “Otávio Augusto Teixeira Mendes – Patrimônio do Paisagismo Brasileiro”, sediada na Fundação Maria Luisa e Oscar Americano (FMLOA), em São Paulo, auxiliam na recuperação dessa memória.
A exposição nasce visando o resgate histórico e também exibir, com ineditismo, os desenhos paisagísticos originais do Parque Ibirapuera, na capital paulista, e do Parque Estadual da Cantareira, no estado de São Paulo.
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“Foi interessante ver essa recuperação do trabalho coordenado pela Cássia, porque, para nós, era um tema comum e tratado por diferentes pessoas da família, que atuaram na área e no serviço público”, comenta Fernando.
“A sua história ainda não havia sido esmiuçada e o esmero dos detalhes que permearam a montagem reviveram com orgulho entre os familiares, ainda mais por estar sediada na Fundação, que também é um projeto de Otávio”, finaliza Guilherme.

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