Por que somos mais corajosos nas férias, segundo psicólogos

Em Londres, eu disse não. Em Dubai, disse não de novo. Nas duas vezes, o salto de bungee jumping se apresentou de forma bem organizada, devidamente regulamentada e totalmente segura, e eu recusei com pouca ou nenhuma hesitação. A Zâmbia, por outro lado, me recebeu de forma diferente. Em um dia quente e sem vento sobre o rio Zambeze, diante de uma plataforma precária e com poucos indícios de cumprir padrões internacionais de segurança, eu me vi pronta para pular. Não de forma metafórica — mas genuína, plena e verdadeiramente pronta. Eu teria feito isso também, se não fosse pelas pessoas que estavam comigo insistindo para que eu não o fizesse — e isso diz algo.
O que muda em nós quando viajamos? Por que, de repente, dizemos sim a coisas que rejeitaríamos instintivamente nas cidades que chamamos de lar? Não é apenas o cenário que muda; somos nós. Conversamos com estranhos, provamos comidas cujos nomes não conseguimos pronunciar, caminhamos por selvas, dançamos em festas nas coberturas e, às vezes, nos preparamos para nos lançar de pontes com uma corda frágil amarrada aos tornozelos.
Há uma explicação psicológica real por trás dessa mudança de comportamento. Desde o afrouxamento dos papéis sociais até os efeitos neurológicos da novidade, várias teorias explicam por que viajar nos encoraja de formas que a vida cotidiana muitas vezes não consegue. O que pode parecer um súbito impulso de imprudência é, na maioria das vezes, um momento profundo e temporário de libertação — em que nosso cérebro, nosso ambiente e nossa percepção de nós mesmos conspiram para nos tornar mais corajosos.
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Viajar transforma nossa percepção de quem somos
A coragem longe de casa começa com um sutil afrouxamento da identidade. O “autoconceito em funcionamento” – a ideia de que quem somos é algo fluido e moldado pelo contexto – é respaldado por pesquisas: um estudo de 2019 de Verplanken, publicado na Frontiers in Psychology, associa a ruptura de hábitos a uma mudança na identidade, sugerindo que viajar pode desestabilizar os ciclos comportamentais que reforçam nossa noção habitual de nós mesmos. Em resumo, o contexto importa, e cenários desconhecidos dão origem a versões desconhecidas de nós.
Em casa, nossa percepção de nós mesmos é sutilmente reforçada pelos papéis que desempenhamos: funcionário, irmão, parceiro, introvertido. Esses rótulos estabilizam nosso comportamento. Eles escrevem, silenciosamente, o roteiro do que fazemos e, mais importante, do que não fazemos. Mas viajar abala essa estrutura. Quando estamos desligados das pessoas e lugares que refletem quem normalmente somos, a pergunta deixa de ser “Isso é algo que eu normalmente faria?” e passa a ser “Isso é algo que eu quero fazer neste momento?”. E, muitas vezes, a resposta nos surpreende.
Temos menos medo de julgamento
O risco raramente está apenas no perigo. Muitas vezes, está em como acreditamos que seremos percebidos. Em casa, nossas decisões são filtradas pela lente da familiaridade: o que vão pensar se eu fracassar, se eu desistir, se eu sair da linha? Esse medo, conhecido na psicologia como “apreensão avaliativa”, é um dos principais inibidores do comportamento espontâneo. É por isso que as pessoas hesitam em falar em reuniões, experimentar um novo esporte ou aparecer sozinhas em um evento.
Um grupo de paraquedistas em queda livre
Graiki
Viajar muda essa dinâmica. A anonimidade, segundo pesquisas psicológicas, há muito tempo está associada à redução da inibição social. Um estudo marcante de 1999, conduzido por Joinson, constatou que as pessoas revelam mais sobre si e agem com mais liberdade em ambientes anônimos — uma dinâmica frequentemente observada no ambiente online, mas que também se repete na vida real quando nos deslocamos por lugares desconhecidos. Se ninguém ao seu redor conhece seus padrões habituais, há menos pressão para se conformar a eles.
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Em ambientes temporários, as consequências sociais são suavizadas pela distância e pela efemeridade. Um deslize não vai segui-lo até em casa, e uma decisão ousada não traz um custo reputacional de longo prazo. Sem o olhar imaginário de pessoas que nos conhecem, agimos com mais liberdade — não de forma imprudente, mas sem o peso da constante autoavaliação.
A novidade ativa o sistema de recompensa do cérebro
Existe uma razão bioquímica para o fato de viajar nos fazer sentir mais vivos. Ambientes novos estimulam as vias dopaminérgicas do cérebro — o mesmo sistema responsável pelo prazer, pela motivação e pelo comportamento de busca por recompensas. E isso não é uma metáfora: estudos com ressonância magnética mostraram que, quando nos deparamos com novos estímulos, o hipocampo (ligado à memória e à navegação espacial) e o estriado ventral (associado à recompensa) se ativam simultaneamente, formando o chamado circuito hipocampal–estriatal.
Um estudo de 2007, publicado na NeuroImage 38(1), demonstrou que estímulos novos geram uma ativação significativamente mais intensa nas regiões do cérebro relacionadas à recompensa, especialmente quando combinados com a antecipação de exploração ou aprendizado. Trabalhos mais recentes, de 2019, também confirmaram que a novidade fortalece o circuito hipocampal–estriatal — uma via fundamental para a curiosidade e a recompensa.
O simples ato de estar em um lugar novo prepara o cérebro para o engajamento. Ao chegar a uma nova cidade, seu cérebro é inundado por dopamina apenas por caminhar por ruas desconhecidas. Essa recompensa química o torna mais curioso, mais aberto e mais disposto a agir. Fica mais fácil — até tentador — dar um salto, tanto no sentido literal quanto no figurado. O risco parece menos arriscado quando o cérebro está preparado para buscar recompensas. E viajar, com seu fluxo constante de novidades, é um poderoso gatilho de dopamina.
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Atribuímos a coragem ao lugar, não a nós mesmos
Quando agimos de forma diferente durante uma viagem, muitas vezes não vemos isso como uma mudança em quem somos — vemos como algo que o lugar nos fez fazer. Essa tendência é conhecida na psicologia como “atribuição situacional” — o impulso de explicar nossas ações apontando para circunstâncias externas em vez de traços internos. Ela permite uma elasticidade comportamental sem ameaçar nossa percepção de identidade.
De acordo com pesquisas reunidas no Handbook of Self and Identity, de Oyserman, pistas contextuais moldam fortemente o comportamento ao ativar diferentes versões do eu. Isso significa que a cidade, o idioma e até o clima podem, de forma sutil, mudar como nos vemos e o que nos permitimos fazer. Não era eu, dizemos, era eu em Ibiza.
Essa atribuição cria uma espécie de isolamento emocional. Se a experiência dá certo, vira história, algo atrelado a um tempo e a um lugar. Se não dá, ainda existe distância. A coragem, o impulso, o deslize — tudo pertence ao momento, não à identidade. Isso torna mais seguro agir. Damos a nós mesmos permissão para ser expansivos, experimentais, até ousados, porque, silenciosamente, concordamos que nada disso precisa nos acompanhar de volta para casa.
Estamos atendendo a uma necessidade psicológica de crescimento
Muito do que parece coragem nas férias pode ser atribuído a um impulso psicológico mais profundo: a motivação para crescer. Segundo a “teoria da autoexpansão”, desenvolvida pelos psicólogos Arthur e Elaine Aron, os indivíduos são, fundamentalmente, movidos a ampliar seu potencial por meio da incorporação de novas experiências, perspectivas e identidades.
Um estudo de 2012, conduzido por Tadmor, Galinsky e Maddux, constatou que indivíduos que viveram no exterior e se envolveram profundamente com culturas estrangeiras demonstraram uma complexidade integrativa significativamente maior — a capacidade de sustentar e conciliar múltiplas perspectivas. Não foi apenas a exposição à diferença que gerou crescimento, mas sim a imersão e a adaptação.
A coragem nas férias, portanto, não é apenas desvio, é direção. Aponta para algo intrínseco: o desejo de expandir os limites de quem somos e testar do que somos capazes quando o suporte familiar desaparece. Cada decisão pouco característica se torna um microajuste em nossa paisagem interna. Passamos a confiar mais em nós mesmos em movimento. Lentamente, de forma quase imperceptível, os limites do que acreditamos poder fazer começam a se expandir — e tudo isso se transforma em um mecanismo pelo qual nos tornamos versões mais capazes e mais completas de nós mesmos.
*Matéria originalmente publicada na Condé Nast Traveller
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