Recebi a notícia, no início deste mês, que um dos nomes mais importantes no campo da arquitetura e da preservação cultural havia falecido. Carlos Alberto Cerqueira Lemos nos deixou aos 100 anos, com um legado que transcende projetos e publicações. Arquiteto, professor, artista e historiador, Carlos Lemos foi uma figura rara: não apenas moldou parte significativa da paisagem paulistana, como também lutou ativamente para preservá-la.
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Formado em 1950 pelo Mackenzie, Carlos Lemos foi convidado, apenas dois anos depois, a dirigir o escritório de Oscar Niemeyer em São Paulo. Afirmo com convicção que, neste espaço, foi protagonista nos bastidores de algumas das obras mais emblemáticas da capital paulista, como o edifício Copan, o Eiffel, o Montreal e o Galeria Califórnia.
Para mim, Carlos Lemos não era apenas o arquiteto que organizava o canteiro e os desenhos técnicos, era também quem assegurava a execução dos projetos de Oscar Niemeyer e quem terminou sendo coautor desses edifícios, dando a feição atual do centro da cidade de São Paulo. Olhar para o Copan é, para mim, olhar para São Paulo e para um capítulo da história da arquitetura paulistana, algo que é indissociável de Carlos Lemos.
O Copan se destaca como emblemático projeto arquitetônico da cidade de São Paulo e da América Latina. Carlos Lemos teve uma participação importante no projeto
Flickr/Gabriel Fernandes/Creative Commons
Alguns anos após a graduação, ele ingressou na Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAU-USP), onde lecionou por décadas e formou gerações de arquitetos. Sei, por relatos de amigos e colegas, que sua abordagem em sala de aula sempre foi transdisciplinar, costurando arquitetura com história, antropologia, artes visuais e patrimônio. Um amigo querido me disse que ele era um professor rigoroso, mas afetuoso, apaixonado pela cidade e por suas formas.
Por pouco não fui seu aluno, mas lembro de sua figura circulando pelo casarão da FAU-USP, localizado na Rua Maranhão, no bairro de Higienópolis, onde funciona o programa de pós-graduação da instituição. Nunca chegamos a conversar pessoalmente, mas ele teve a gentileza de responder os inúmeros e-mails endereçados por mim.
Eu estava interessado nos pormenores de sua relação com Oscar Niemeyer ainda nos anos 1950. Tenho incorporado essas informações na minha tese de doutorado.
Localizado no centro de São Paulo, o Edifício e Galeria Califórnia (à direita) também teve participação do arquiteto Carlos Lemos
Flickr/Fernado Stankuns/Creative Commons
Devo afirmar ainda que, mais do que construir e lecionar, Carlos Lemos dedicou boa parte da vida a proteger o que já existia. Atuou como diretor técnico do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) e foi conselheiro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp).
Foi um dos primeiros a compreender o valor da cidade construída, não apenas de monumentos, mas de habitações populares, vilas operárias, ruas e calçadas. Seu ativismo preservacionista era embasado por uma extensa produção teórica.
Publicou Dicionário da Arquitetura Brasileira, em coautoria com Eduardo Corona, uma obra que reúne de verbetes e que, ainda hoje, é referência obrigatória. Também é autor de títulos como O que é Arquitetura, Casa Paulista e Cozinhas, etc., nos quais explora a arquitetura e a materialidade da vida cotidiana.
O livro O que é Arquitetura foi, inclusive, o primeiro livro de arquitetura que li, ainda estudante do colégio. O material emprestado por um professor de língua portuguesa me convenceu a seguir o caminho da arquitetura.
Os livros “Casa Paulista” e “Dicionário da Arquitetura Brasileira” foram duas importantes obras do arquiteto Carlos Lemos
Edusp/Divulgação; Edart/Divulgação | Montagem: Casa e Jardim
Nos últimos anos de vida, Carlos Lemos seguiu sendo uma referência ativa. Em 2022, comemorei a notícia de que rele receberia o título de professor emérito da FAU-USP. Reconhecimento tardio, mas merecido, por uma dedicação que ultrapassou as fronteiras da arquitetura para se tornar compromisso com a cidade.
Sei que Carlos Lemos nunca buscou os holofotes, mas sua presença era notada pela coerência entre pensamento e prática. Sua obra não está apenas nos edifícios que ajudou a erguer, mas também na consciência crítica que semeou entre os arquitetos brasileiros.
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Formado em 1950 pelo Mackenzie, Carlos Lemos foi convidado, apenas dois anos depois, a dirigir o escritório de Oscar Niemeyer em São Paulo. Afirmo com convicção que, neste espaço, foi protagonista nos bastidores de algumas das obras mais emblemáticas da capital paulista, como o edifício Copan, o Eiffel, o Montreal e o Galeria Califórnia.
Para mim, Carlos Lemos não era apenas o arquiteto que organizava o canteiro e os desenhos técnicos, era também quem assegurava a execução dos projetos de Oscar Niemeyer e quem terminou sendo coautor desses edifícios, dando a feição atual do centro da cidade de São Paulo. Olhar para o Copan é, para mim, olhar para São Paulo e para um capítulo da história da arquitetura paulistana, algo que é indissociável de Carlos Lemos.
O Copan se destaca como emblemático projeto arquitetônico da cidade de São Paulo e da América Latina. Carlos Lemos teve uma participação importante no projeto
Flickr/Gabriel Fernandes/Creative Commons
Alguns anos após a graduação, ele ingressou na Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAU-USP), onde lecionou por décadas e formou gerações de arquitetos. Sei, por relatos de amigos e colegas, que sua abordagem em sala de aula sempre foi transdisciplinar, costurando arquitetura com história, antropologia, artes visuais e patrimônio. Um amigo querido me disse que ele era um professor rigoroso, mas afetuoso, apaixonado pela cidade e por suas formas.
Por pouco não fui seu aluno, mas lembro de sua figura circulando pelo casarão da FAU-USP, localizado na Rua Maranhão, no bairro de Higienópolis, onde funciona o programa de pós-graduação da instituição. Nunca chegamos a conversar pessoalmente, mas ele teve a gentileza de responder os inúmeros e-mails endereçados por mim.
Eu estava interessado nos pormenores de sua relação com Oscar Niemeyer ainda nos anos 1950. Tenho incorporado essas informações na minha tese de doutorado.
Localizado no centro de São Paulo, o Edifício e Galeria Califórnia (à direita) também teve participação do arquiteto Carlos Lemos
Flickr/Fernado Stankuns/Creative Commons
Devo afirmar ainda que, mais do que construir e lecionar, Carlos Lemos dedicou boa parte da vida a proteger o que já existia. Atuou como diretor técnico do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) e foi conselheiro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp).
Foi um dos primeiros a compreender o valor da cidade construída, não apenas de monumentos, mas de habitações populares, vilas operárias, ruas e calçadas. Seu ativismo preservacionista era embasado por uma extensa produção teórica.
Publicou Dicionário da Arquitetura Brasileira, em coautoria com Eduardo Corona, uma obra que reúne de verbetes e que, ainda hoje, é referência obrigatória. Também é autor de títulos como O que é Arquitetura, Casa Paulista e Cozinhas, etc., nos quais explora a arquitetura e a materialidade da vida cotidiana.
O livro O que é Arquitetura foi, inclusive, o primeiro livro de arquitetura que li, ainda estudante do colégio. O material emprestado por um professor de língua portuguesa me convenceu a seguir o caminho da arquitetura.
Os livros “Casa Paulista” e “Dicionário da Arquitetura Brasileira” foram duas importantes obras do arquiteto Carlos Lemos
Edusp/Divulgação; Edart/Divulgação | Montagem: Casa e Jardim
Nos últimos anos de vida, Carlos Lemos seguiu sendo uma referência ativa. Em 2022, comemorei a notícia de que rele receberia o título de professor emérito da FAU-USP. Reconhecimento tardio, mas merecido, por uma dedicação que ultrapassou as fronteiras da arquitetura para se tornar compromisso com a cidade.
Sei que Carlos Lemos nunca buscou os holofotes, mas sua presença era notada pela coerência entre pensamento e prática. Sua obra não está apenas nos edifícios que ajudou a erguer, mas também na consciência crítica que semeou entre os arquitetos brasileiros.
Em um país que, frequentemente, apaga sua própria história urbana, Carlos Lemos foi uma espécie de contra-ofensiva. Foi um defensor da permanência, da memória e do cuidado.
Acho bom afirmar que, com sua partida, perde-se não apenas um arquiteto, mas uma parte da memória viva de São Paulo. No entanto, sua obra permanece: nos prédios, nos livros, nas salas de aula, nos centros históricos e, sobretudo, na atitude de não deixar a cidade ser esquecida.