Inaugurado em 1957, o Cine Paissandu já foi das maiores e mais imponentes salas de projeção da cidade de São Paulo, com capacidade para 2.150 pessoas, e hoje, em estado de abandono, abriga um estacionamento.
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“Ele foi construído no contexto da chamada Cinelândia Paulistana, momento em que São Paulo buscava afirmar-se como metrópole moderna, entre os anos 1930 e 1950”, conta Guilherme Michelin, professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Fachada do Cine Paissandu, no centro de São Paulo, antigo cinema da capital que hoje é estacionamento
Manoela Cezar/Divulgação
A Cinelândia Paulista era um complexo de cinemas, teatros, museus, restaurantes e bibliotecas, que consolidava o centro da capital paulista como território cultural.
“Mais do que uma sala de projeção, o edifício foi concebido como um gesto urbano de modernidade, traduzindo a ambição de São Paulo de se afirmar cosmopolita e sofisticada”, fala a arquiteta Mariana Schmidt, do escritório MNMA studio.
Arquitetura inovadora do Cine Paissandu
Com projeto elaborado pelo escritório Severo e Villares S.A., o prédio combinava áreas de escritórios na frente e a sala de cinema ao fundo do lote. Estruturado em concreto armado, o Cine Paissandu tinha cerca de 3 mil m² e impressionava pela sofisticação e pelos detalhes.
“Sua arquitetura buscava representar o espírito de modernidade, com fachada marcada por átrio e pilares, e integração com a calçada”, fala Guilherme.
Foto antiga mostra como era a fachada do Cine Paissandu em 1967, quando ainda estava em operação
Facebook/Memória Paulista/Reprodução
O hall monumental de entrada abrigava um afresco de 15 metros, representando danças populares brasileiras, como bumba meu boi, candomblé e fandango.
“A sala de espera, de 900 m², oferecia um ambiente incomum para a época: ar-condicionado, iluminação suave, poltronas estofadas, música em alta qualidade e atmosfera acolhedora”, diz Mariana.
A antiga sala de projeção lembra uma época em que o Cine Paissandu era um dos principais da capital paulista
Manoela Cezar/Divulgação
Neste espaço, um mosaico de 12 metros narrava a lenda de Nau Catarineta — poema que narra as desventuras de uma tripulação em alto mar.
Duas escadarias de mármore conduziam ao centro da plateia, enquanto elevadores e acessos adicionais levavam aos dois balcões superiores, decorados com mosaicos alusivos à congada e ao frevo.
O Cine Paissandu funcionou até o final dos anos 1980, quando os cinemas de rua perderam protagonismo
Manoela Cezar/Divulgação
A sala de exibição contava com painéis do artista Jean Bosquet com cavalos estilizados em galope e era totalmente revestida de material acústico.
“Um detalhe técnico inovador transformava a experiência: a cabine de projeção foi embutida nas vigas que sustentavam o primeiro balcão, eliminando o feixe de luz baixo que, em outros cinemas, incomodava os espectadores”, acrescenta a arquiteta.
Declínio e abandono do Cine Paissandu
Em 1973, o Cine Paissandu se dividiu em duas salas menores em uma tentativa de adaptação aos novos tempos. “Posteriormente, ele passou a exibir filmes pornográficos como estratégia de sobrevivência”, afirma Guilherme.
A monumental sala de projeção do Cine Paissandu tinha capacidade para 2.150 pessoas; hoje, abriga veículos
Manoela Cezar/Divulgação
O estabelecimento permaneceu em funcionamento até o final dos anos 1980, quando os cinemas de rua começaram a perder protagonismo para os multiplex em shopping centers. Vinte anos depois, já em 1993, ele passou a ter uso misto, como cinema e bingo.
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“A experiência foi efêmera e, com a proibição dos jogos, o prédio mergulhou em abandono. Acabou convertido em estacionamento, descaracterizando por completo sua essência arquitetônica e cultural”, lamenta Mariana.
Projetores e maquinários antigos ainda podem ser encontrados nas salas abandonadas do Cine Paissandu
Manoela Cezar/Divulgação
O abandono definitivo ocorreu no início dos anos 2000, motivado pela decadência do centro paulistano, perda de público, altos custos de manutenção e falta de políticas públicas de revitalização. “A implantação de cinemas em shoppings, com salas menores e mais modernas, auxiliou esta situação de abandono dos cinemas de rua”, destaca o professor do Mackenzie.
Reabertura do Cine Paissandu
O Cine Paissandu faz parte do edifício José Paulino Nogueira, originalmente de propriedade da Companhia Paulista de Seguros. “O prédio em si não foi abandonado, foi o cinema que teve suas atividades encerradas e, depois disso, permaneceu fechado durante muitos anos”, conta a artista multidisciplinar Manoela Cezar.
Transformado em estacionamento, o Cine Paissandu ainda guarda parte de sua arquitetura original
Manoela Cezar/Divulgação
Ela escolheu o antigo cinema para exibir as videoinstalações Caverna Fantasma e Paissandu Drive In, em mostra realizada de 16 a 31 agosto de 2025. As obras visavam diálogo com as duas salas que compõem o antigo cinema: uma delas hoje convertida em estacionamento, e a outra, fechada nas últimas duas décadas, foi reaberta ao público especialmente para o evento.
“Os trabalhos que apresento comentam essa lógica de ocupação do espaço urbano pelos carros, o abandono de equipamentos culturais e o que permanece como vestígio e memória”, comenta Manoela.
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Paissandu Drive In reúne imagens de estradas projetadas ininterruptamente no lugar original da tela na sala de projeção. O público pode assistir à obra de dentro do carro ou a pé.
Já Caverna Fantasma funciona como uma expedição arqueológica guiada por uma luz que vagueia pelo espaço, levando o visitante por áreas abandonadas e inacessíveis ao público do Cine Paissandu, como corredores técnicos, salas de máquinas, escadas e a segunda sala de projeção.
Tombamento do Cine Paissandu
Hoje, segundo Manoela, o edifício e o cinema pertecem a uma família dona de uma grande rede de varejo. Tombado em 1992 pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP), junto ao Vale do Anhangabaú, o local ficou impedido de passar por grandes intervenções.
O cinema funcionou até o início dos anos 2000, quando suas portas foram fechadas definitivamente
Manoela Cezar/Divulgação
“Conversando com um funcionário antigo do edifício, ele me contou que houve tentativas de transformar o cinema em igreja, em boate, em cinema pornô, mas nada foi para frente. Seriam necessárias reformas, impedidas pelo tombamento. Na impossibilidade de assumir uma nova função, o edifício acabou em um limbo”, ela relata.
Ainda segundo a artista, que estudou a história do Cine Paissandu a fundo por seis meses para montar as instalações, ele chegou a ser ocupado por sem-tetos, enquanto estava completamente abandonado.
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“Para acabar com a ocupação, veio a ideia do estacionamento. A empresa que ocupa o cinema é de parentes dos donos, e eles costumam alugar o espaço para festas e eventos, mas não possuem planos de restaurar a sala que ficou fechada”, conta Manoela.
Imagem antiga mostra o Largo do Paissandu com a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e o edifício José Paulino Nogueira (à esquerda), onde fica o Cine Paissandu
Werner Haberkorn/Get Archive Net/Public Domain
Para Guilherme, a transformação em estacionamento é uma consequência direta da busca por uso rentável em meio ao abandono, à degradação do centro da capital paulista e à ausência de políticas públicas de incentivo.
“O amplo espaço livre e a demanda por vagas no centro tornaram essa solução prática e lucrativa para os administradores. Esse fenômeno não foi isolado: diversos outros cinemas históricos de São Paulo foram transformados em estacionamentos, como saída imediatista diante da falta de alternativas sustentáveis”, ele aponta.
O Largo do Paissandu, no centro de São Paulo, é onde fica o edifício José Paulino Nogueira (à esquerda), o mesmo do Cine Paissandu
Luiz Coelho/Wikimedia Commons
Na avaliação de Mariana, o desaparecimento ou a descaracterização desses lugares simboliza uma perda de vitalidade da cidade, que, ao privilegiar o automóvel e a lógica do consumo privado, fragilizou a dimensão pública da cultura.
“A história do Cine Paissandu não é apenas a memória de um cinema, mas de um modo de vida. Cinemas de rua, teatros, cafés e galerias foram locais que costuraram a experiência do centro de São Paulo como espaço democrático. Sua glória, abandono e tombamento são um lembrete de que o futuro depende da capacidade de reconhecer, nos espaços coletivos, o verdadeiro alicerce de uma cidade viva”, ela comenta.
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“Ele foi construído no contexto da chamada Cinelândia Paulistana, momento em que São Paulo buscava afirmar-se como metrópole moderna, entre os anos 1930 e 1950”, conta Guilherme Michelin, professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Fachada do Cine Paissandu, no centro de São Paulo, antigo cinema da capital que hoje é estacionamento
Manoela Cezar/Divulgação
A Cinelândia Paulista era um complexo de cinemas, teatros, museus, restaurantes e bibliotecas, que consolidava o centro da capital paulista como território cultural.
“Mais do que uma sala de projeção, o edifício foi concebido como um gesto urbano de modernidade, traduzindo a ambição de São Paulo de se afirmar cosmopolita e sofisticada”, fala a arquiteta Mariana Schmidt, do escritório MNMA studio.
Arquitetura inovadora do Cine Paissandu
Com projeto elaborado pelo escritório Severo e Villares S.A., o prédio combinava áreas de escritórios na frente e a sala de cinema ao fundo do lote. Estruturado em concreto armado, o Cine Paissandu tinha cerca de 3 mil m² e impressionava pela sofisticação e pelos detalhes.
“Sua arquitetura buscava representar o espírito de modernidade, com fachada marcada por átrio e pilares, e integração com a calçada”, fala Guilherme.
Foto antiga mostra como era a fachada do Cine Paissandu em 1967, quando ainda estava em operação
Facebook/Memória Paulista/Reprodução
O hall monumental de entrada abrigava um afresco de 15 metros, representando danças populares brasileiras, como bumba meu boi, candomblé e fandango.
“A sala de espera, de 900 m², oferecia um ambiente incomum para a época: ar-condicionado, iluminação suave, poltronas estofadas, música em alta qualidade e atmosfera acolhedora”, diz Mariana.
A antiga sala de projeção lembra uma época em que o Cine Paissandu era um dos principais da capital paulista
Manoela Cezar/Divulgação
Neste espaço, um mosaico de 12 metros narrava a lenda de Nau Catarineta — poema que narra as desventuras de uma tripulação em alto mar.
Duas escadarias de mármore conduziam ao centro da plateia, enquanto elevadores e acessos adicionais levavam aos dois balcões superiores, decorados com mosaicos alusivos à congada e ao frevo.
O Cine Paissandu funcionou até o final dos anos 1980, quando os cinemas de rua perderam protagonismo
Manoela Cezar/Divulgação
A sala de exibição contava com painéis do artista Jean Bosquet com cavalos estilizados em galope e era totalmente revestida de material acústico.
“Um detalhe técnico inovador transformava a experiência: a cabine de projeção foi embutida nas vigas que sustentavam o primeiro balcão, eliminando o feixe de luz baixo que, em outros cinemas, incomodava os espectadores”, acrescenta a arquiteta.
Declínio e abandono do Cine Paissandu
Em 1973, o Cine Paissandu se dividiu em duas salas menores em uma tentativa de adaptação aos novos tempos. “Posteriormente, ele passou a exibir filmes pornográficos como estratégia de sobrevivência”, afirma Guilherme.
A monumental sala de projeção do Cine Paissandu tinha capacidade para 2.150 pessoas; hoje, abriga veículos
Manoela Cezar/Divulgação
O estabelecimento permaneceu em funcionamento até o final dos anos 1980, quando os cinemas de rua começaram a perder protagonismo para os multiplex em shopping centers. Vinte anos depois, já em 1993, ele passou a ter uso misto, como cinema e bingo.
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“A experiência foi efêmera e, com a proibição dos jogos, o prédio mergulhou em abandono. Acabou convertido em estacionamento, descaracterizando por completo sua essência arquitetônica e cultural”, lamenta Mariana.
Projetores e maquinários antigos ainda podem ser encontrados nas salas abandonadas do Cine Paissandu
Manoela Cezar/Divulgação
O abandono definitivo ocorreu no início dos anos 2000, motivado pela decadência do centro paulistano, perda de público, altos custos de manutenção e falta de políticas públicas de revitalização. “A implantação de cinemas em shoppings, com salas menores e mais modernas, auxiliou esta situação de abandono dos cinemas de rua”, destaca o professor do Mackenzie.
Reabertura do Cine Paissandu
O Cine Paissandu faz parte do edifício José Paulino Nogueira, originalmente de propriedade da Companhia Paulista de Seguros. “O prédio em si não foi abandonado, foi o cinema que teve suas atividades encerradas e, depois disso, permaneceu fechado durante muitos anos”, conta a artista multidisciplinar Manoela Cezar.
Transformado em estacionamento, o Cine Paissandu ainda guarda parte de sua arquitetura original
Manoela Cezar/Divulgação
Ela escolheu o antigo cinema para exibir as videoinstalações Caverna Fantasma e Paissandu Drive In, em mostra realizada de 16 a 31 agosto de 2025. As obras visavam diálogo com as duas salas que compõem o antigo cinema: uma delas hoje convertida em estacionamento, e a outra, fechada nas últimas duas décadas, foi reaberta ao público especialmente para o evento.
“Os trabalhos que apresento comentam essa lógica de ocupação do espaço urbano pelos carros, o abandono de equipamentos culturais e o que permanece como vestígio e memória”, comenta Manoela.
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Paissandu Drive In reúne imagens de estradas projetadas ininterruptamente no lugar original da tela na sala de projeção. O público pode assistir à obra de dentro do carro ou a pé.
Já Caverna Fantasma funciona como uma expedição arqueológica guiada por uma luz que vagueia pelo espaço, levando o visitante por áreas abandonadas e inacessíveis ao público do Cine Paissandu, como corredores técnicos, salas de máquinas, escadas e a segunda sala de projeção.
Tombamento do Cine Paissandu
Hoje, segundo Manoela, o edifício e o cinema pertecem a uma família dona de uma grande rede de varejo. Tombado em 1992 pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP), junto ao Vale do Anhangabaú, o local ficou impedido de passar por grandes intervenções.
O cinema funcionou até o início dos anos 2000, quando suas portas foram fechadas definitivamente
Manoela Cezar/Divulgação
“Conversando com um funcionário antigo do edifício, ele me contou que houve tentativas de transformar o cinema em igreja, em boate, em cinema pornô, mas nada foi para frente. Seriam necessárias reformas, impedidas pelo tombamento. Na impossibilidade de assumir uma nova função, o edifício acabou em um limbo”, ela relata.
Ainda segundo a artista, que estudou a história do Cine Paissandu a fundo por seis meses para montar as instalações, ele chegou a ser ocupado por sem-tetos, enquanto estava completamente abandonado.
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“Para acabar com a ocupação, veio a ideia do estacionamento. A empresa que ocupa o cinema é de parentes dos donos, e eles costumam alugar o espaço para festas e eventos, mas não possuem planos de restaurar a sala que ficou fechada”, conta Manoela.
Imagem antiga mostra o Largo do Paissandu com a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e o edifício José Paulino Nogueira (à esquerda), onde fica o Cine Paissandu
Werner Haberkorn/Get Archive Net/Public Domain
Para Guilherme, a transformação em estacionamento é uma consequência direta da busca por uso rentável em meio ao abandono, à degradação do centro da capital paulista e à ausência de políticas públicas de incentivo.
“O amplo espaço livre e a demanda por vagas no centro tornaram essa solução prática e lucrativa para os administradores. Esse fenômeno não foi isolado: diversos outros cinemas históricos de São Paulo foram transformados em estacionamentos, como saída imediatista diante da falta de alternativas sustentáveis”, ele aponta.
O Largo do Paissandu, no centro de São Paulo, é onde fica o edifício José Paulino Nogueira (à esquerda), o mesmo do Cine Paissandu
Luiz Coelho/Wikimedia Commons
Na avaliação de Mariana, o desaparecimento ou a descaracterização desses lugares simboliza uma perda de vitalidade da cidade, que, ao privilegiar o automóvel e a lógica do consumo privado, fragilizou a dimensão pública da cultura.
“A história do Cine Paissandu não é apenas a memória de um cinema, mas de um modo de vida. Cinemas de rua, teatros, cafés e galerias foram locais que costuraram a experiência do centro de São Paulo como espaço democrático. Sua glória, abandono e tombamento são um lembrete de que o futuro depende da capacidade de reconhecer, nos espaços coletivos, o verdadeiro alicerce de uma cidade viva”, ela comenta.