Como uma casa mal projetada pode afetar sua saúde mental

Recentemente, numa tarde de sábado, sentei-me em uma cadeira dobrável em frente ao novo apartamento de uma amiga em Park Slope, Brooklyn. Desde a pandemia, ela vem fazendo algumas apresentações ao ar livre, primeiro em frente à casa de arenito marrom que dividia com o ex-marido e, agora, em frente à residência que divide com o novo parceiro. Nesse dia, ela cantou a música “Yellow Chair” (“Cadeira Amarela”), uma história sobre jogar fora uma cadeira horrível que o ex adorava (e jogar ele fora também). Ela a substitui por um móvel que considera bobo demais, ensolarado demais, para suportar. E então percebe que o clima combina com ela. A canção me lembra que, após um importante término meu, pintei meu (agora, apenas meu) quarto de um cinza profundo, parecido com um casulo, e, no meio do confinamento de 2020, pintei-o novamente de um branco brilhante, limpo. Mudei minha cama para outra parede — quem diria que o simples ato de reorientar um móvel poderia ajudar a redefinir minha atitude? A cada mudança, eu me sentia um pouco melhor, assim como minha amiga com a cadeira dela. Mas, por quê?
Será que esses pequenos ajustes poderiam realmente provocar mudanças em nossas perspectivas cotidianas? “Nunca pensamos em uma aranha sem sua teia, mas, de alguma forma, pensamos que os humanos existem sem todas essas outras coisas ao nosso redor”, diz Suchi Reddy, fundadora da Reddymade. Em sua essência, as disciplinas de arquitetura e design abordam a relação entre a ordem de um espaço e nossa experiência nele e com ele. A ideia de que esses ambientes têm um impacto significativo no bem-estar físico e mental das pessoas se tornou a tese da neuroestética, um campo emergente da neurociência do qual Reddy é pesquisadora. Os espaços podem, ou não, proporcionar prazeres sensoriais, ela diz. “Isso é algo emocional que, em seguida, alimenta um efeito neurológico mais profundo, e isso é absolutamente influenciado pelo espaço.”
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Vamos esclarecer: não se trata de um argumento a favor de uma vida materialista, mas sim de como interagimos e somos influenciados pelos ambientes que escolhemos. “Eu adoto uma abordagem da psicologia comportamental para pensar sobre o espaço”, diz a Dra. Bev Walpole, psicóloga clínica e fundadora da Haven Wellness by Design. “Trata-se do que os indivíduos que vão ocupar um espaço precisam. É sobre como desconstruir as expectativas desse espaço e o que as pessoas planejam fazer com ele.”
Ou seja, nossas relações com nossas casas são moldadas tanto por nossos desejos, traumas, histórias e esperanças quanto por nossas relações uns com os outros. “Sua casa é parte integral de sua saúde mental”, afirma Maura Trumble, sócia da CCY Architects. “Isso vem da Hierarquia de Necessidades de Maslow — a ideia de que a sensação de segurança e conforto é um dos instintos mais básicos que temos como humanos.” Como muitas espécies animais, os seres humanos desenvolveram o conceito de lar como refúgio, não apenas um lugar para atender às nossas necessidades físicas, mas também às emocionais, como privacidade e liberdade do perigo. Essas necessidades não desapareceram — mas elas estão em primeiro plano quando pensamos nos detalhes de uma planta e na disposição dos móveis?
“Sua casa é essencial para sua saúde mental”, diz Maura Trumble, da CCY Architects . “Ela vem da Hierarquia das Necessidades de Maslow — a ideia de que a sensação de segurança e conforto é um dos instintos mais básicos que temos como humanos”
Pixabay
“De uma perspectiva funcional”, diz Adam Rolston, sócio fundador da Inc Architecture & Design, “não há dúvida de que a disposição dos móveis e a organização dos espaços têm efeitos emocionais e psicológicos profundos.” Esses arranjos podem ter praticamente qualquer escala: uma sala de estar ampla e iluminada com vista para paisagens onduladas, por exemplo, pode soar invejável. Mas, na prática, pode fazer você se sentir estéril e sozinho. Um aconchegante conjunto de sofás e mesas de centro pode criar bastante espaço para receber visitas, mas, na prática, oferece somente lugares para bater o joelho e lembretes de que você quase não recebe ninguém. A cor de uma parede pode lembrá-lo da infância, para o bem ou para o mal (assim como a posição da cama pode lembrá-lo da pessoa com quem você costumava compartilhá-la). A questão é que, assim como na saúde mental, em geral, quase tudo é subjetivo — e o objetivo ao posicionar um cômodo deve ser identificar como ele faz você se sentir e o que você pode fazer a respeito. “Comece pelo que não está funcionando”, aconselha Walpole. “Quais são aqueles pontos que causam agitação e fazem você perceber que o espaço não está tão bom?”
Considere isso um exercício de atenção plena aplicada ao design: identifique as áreas da sua casa que causam desconforto e depois revise-as. “Certos layouts podem, sem querer, aumentar o estresse ou o desconforto”, diz Rolston. Ele cita o conceito de planta excessivamente aberta e sua tendência de “resultar em aumento de ruído e poluição visual” em um espaço de grande escala. Para pessoas propensas à solidão, por exemplo, esses cômodos ecoantes e vistas panorâmicas podem não trazer conforto. “Casas que não possuem nenhum canto tranquilo ou refúgio podem deixar os moradores se sentindo expostos e inseguros. Eu chamo isso de efeito aeroporto”, ele diz. Trumble concorda: “Você pode pensar que precisa aproveitar a grande vista, mas pode ser útil reduzir a escala do espaço… Esteja atento à suavidade dos móveis, à sobreposição de tapetes e considere tratamentos acústicos no teto.”
Projetos de mobiliário também podem ser provocadores. “Você pode não querer uma sala de estar com dois grandes sofás colocados a metros de distância um do outro, o que parece impressionante, mas pode fazer você se sentir exposto”, diz a designer londrina Nicola Harding. “Já com os assentos bem mais próximos, todos se inclinam para dentro.” Ela também recomenda considerar um layout mais flexível para reduzir a ansiedade potencial: “Se algo não tiver um lugar óbvio, então nada poderá estar obviamente fora do lugar.”
O processo de criação de espaços intencionais e autênticos pode parecer avassalador, mas a prática tem precedentes. O campo do marketing cunhou o estudo da “arquitetura da escolha”, afirmando que os comportamentos são desencadeados por estímulos; portanto, a organização dos objetos em um espaço afeta como interagimos com eles — à vista, à mente, por assim dizer. Certamente você está familiarizado com uma de suas aplicações mais conhecidas: a filosofia do “Arrume Sua Cama”, formalizada pelo almirante William H. McRaven, que defende a ideia de que o esforço regular para manter a ordem no ambiente visual pode criar ordem, paz ou uma sensação de realização na mente.
Considere a filosofia “Arrume sua cama” — a ideia amplamente aceita de que fazer um esforço regular para manter a ordem em seu ambiente visual pode criar ordem, paz ou uma sensação de realização em sua mente
Adrienne Andersen/Pexels
Walpole observa que não são necessariamente os lençóis e cobertores esticados que importam. É a “ativação comportamental”, ela diz, “a construção do impulso das pequenas coisas.” Embora a inércia seja frequentemente associada à depressão, a boa notícia é que a realização desse potencial de impulso pode liberar dopamina no cérebro, uma espécie de recompensa que pode reforçar o comportamento. Será que essa teoria vai além do quarto? E será que apenas nossos arredores podem ativar um comportamento desejado? Reddy diz que sim: “O hall de entrada e esses momentos de transição são enormemente subestimados… mas são pequenas transições lindas de microssegundos”, ela afirma. “Eles permitem que seu corpo se reinicie.” Em seu próprio apartamento, ela usa a entrada como uma galeria de arte em constante mudança. A chance de contemplar um pouco de beleza, ainda que rapidamente, “reinicia imediatamente todo o meu sistema nervoso, do modo de luta ou fuga para o de descanso e digestão”, diz ela.
Essa filosofia pode se unir a práticas tradicionais como o Feng Shui, que sustenta que a desordem, ou organizações desagradáveis de móveis e estruturas arquitetônicas, pode bloquear o fluxo de energia positiva. Novamente, Walpole enfatiza o aspecto pessoal. “Se você é estimulado visualmente, a bagunça pode te desestabilizar”, diz. Para outras pessoas, um tipo de caos criativo é estimulante de forma positiva. De qualquer maneira, “comunicar necessidades dentro de casa” é o mais importante.
É claro que nada disso substitui buscar ajuda para a depressão. Hoje em dia, no entanto, até mesmo a terapia muitas vezes acontece em casa. A era digital tornou mais fácil acessar a terapia cognitivo-comportamental remotamente, um tratamento que foi cada vez mais adotado durante a pandemia. (Em 2023, o aumento no número de consultórios de terapeutas vazios em Manhattan devido ao crescimento das consultas virtuais virou notícia.) Então crie espaço para isso. “Você quer estar em um lugar realmente confortável, e provavelmente bastante pequeno”, diz Harding, “para se sentir acolhido e não exposto.”
O design é uma forma de imaginar uma nova vida e, depois, criar o espaço para ela. “Não existe uma disposição prescrita de móveis que vá resultar em uma experiência consciente ou de equilíbrio”, lembra Joshua Aidlin, sócio fundador da Aidlin Darling Design. “Essa é a beleza da arquitetura.” Mas há esperança de que uma atualização em sua casa possa gerar uma mudança em sua mentalidade — mesmo que seja simplesmente mover a cama e adicionar uma cadeira amarela ensolarada. “A forma como você muda seu espaço pode mudar como você se comporta”, diz Walpole. “Isso pode alterar como você se sente, e como você se sente muda seus pensamentos.” Harding concorda: “Se você facilitar a vida da maneira que deseja”, ela diz, “as chances de viver a vida que deseja são muito maiores.”
*Matéria originalmente publicada na Architectural Digest Estados Unidos
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