Morre Pietro Derossi: o arquiteto radical que reinventou a ideia de habitar

Pietro Derossi, arquiteto, urbanista e designer italiano, morreu neste domingo (7), aos 92 anos, deixando um legado que se confunde com a história do design radical e da arquitetura experimental do século XX. Sua trajetória foi marcada pela recusa em aceitar a disciplina como algo estanque, pela convicção de que projetar significava intervir nos modos de vida e pela crença de que habitar é um gesto político.
Nascido em Turim em 1933, Derossi formou-se arquiteto em 1960 e logo se destacou como figura inquieta em um cenário em ebulição. No pós-guerra, a Itália vivia uma transformação social e cultural, e a arquitetura buscava respostas para novas demandas urbanas e domésticas. Foi nesse contexto que ele consolidou seu olhar crítico, disposto a tensionar fronteiras e a propor alternativas para além das normas estabelecidas.
Sua notoriedade internacional viria nos anos 1970, quando, ao lado de Giorgio Ceretti e Riccardo Rosso, apresentou o sofá Pratone. A peça, lançada em 1971, tinha aparência de imensos talos de grama verde em poliuretano e se tornou símbolo da radicalidade daquele período. Não era apenas um móvel, mas uma provocação: uma escultura lúdica que convidava o corpo a experimentar o espaço de forma coletiva, desmontando qualquer ideia convencional de conforto ou funcionalidade.
O sofá Pratone foi uma das criações mais célebres de Pietro Derossi
Divulgação
O Pratone se inscreveu como uma das obras mais emblemáticas do movimento de design radical italiano, ao lado de nomes como Archizoom e Superstudio. Mas Derossi não se contentava em ser apenas lembrado por uma peça icônica. Para ele, o design era apenas uma das frentes de um pensamento maior, que unia crítica social, arquitetura e urbanismo em uma busca incessante por novas formas de habitar.
Dois de seus projetos arquitetônicos mais marcantes expressam esse desejo. A Casa Manuale d’Abitazione (1968) é um manifesto construído: a ideia de que uma residência poderia ser repensada em todos os seus aspectos, oferecendo alternativas de moradia que fugissem das convenções burguesas. Já a Casa del Popolo, em Turim, foi concebida como espaço para encontros culturais, políticos e comunitários. Ali, arquitetura e sociedade se fundiam em uma experiência comum, ampliando o papel do arquiteto para além do edifício.
Ville Derossi, em Torino, projetada em 1968
Divulgação
Derossi acreditava que a arquitetura tinha obrigação de ser crítica. Em seus textos e conferências, defendia que projetar não era apenas desenhar formas, mas interrogar estruturas econômicas, sociais e culturais. Por isso, suas obras nunca se restringiram à estética: eram sempre atravessadas pela política, pelo desejo de transformar a vida cotidiana em algo menos previsível e mais emancipador.
Banco Puffo, produzido para a Gufram em 1968
Divulgação
Ao longo de sua carreira, conciliou prática e ensino. Foi professor de Composição Arquitetônica no Politécnico de Turim, onde formou gerações de arquitetos. Seu método, no entanto, fugia ao didatismo tradicional: preferia o debate, a provocação e a construção coletiva do conhecimento. Muitos de seus alunos lembram dele como um intelectual que não oferecia respostas prontas, mas que instigava perguntas necessárias.
A radicalidade de Derossi não estava apenas nos objetos que desenhou ou nos edifícios que projetou, mas também em sua atitude diante do mundo. Ao rejeitar hierarquias entre design, arte e arquitetura, abriu espaço para uma prática mais fluida e interdisciplinar. Seus trabalhos dialogam com a cultura pop, com a política, com a experimentação artística, e continuam a inspirar profissionais em busca de liberdade criativa.
Hoje, peças como o Pratone fazem parte do acervo de museus e coleções internacionais, reafirmando a relevância do movimento que ajudou a consolidar. Mas, para além do valor de objeto de culto, elas carregam a força de uma ideia: a de que o design pode ser ao mesmo tempo utopia e crítica, prazer e desconforto, arte e função.
A morte de Pietro Derossi encerra uma trajetória de mais de seis décadas dedicadas a pensar a arquitetura como projeto de vida e de sociedade. Sua ausência deixa o mundo órfão de uma das vozes mais críticas e inventivas do século XX, mas sua obra permanece como convite permanente a questionar, imaginar e reinventar o ato de habitar.
Revistas Newsletter

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima