Boldo-do-chile: entenda por que o boldo verdadeiro não é cultivado no Brasil

O uso do termo “boldo” pode gerar muita confusão, uma vez que ele se refere a diversas plantas distintas que compartilham propriedades medicinais semelhantes, para tratar problemas digestivos e hepáticos. No entanto, o boldo-do-chile (Peumus boldus) é considerado o “boldo verdadeiro”, pois foi o primeiro a ser estudado por suas propriedades terapêuticas, reconhecidas na medicina tradicional.
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Como indica seu nome popular, a planta é nativa e endêmica da região central e andina do Chile, e não é cultivado naturalmente no Brasil. Seu uso começou nas comunidades indígenas, especificamente, entre os povos Machupe, que o utilizaram por séculos para aliviar dores reumáticas e luxações, entre outras condições.
Além disso, a planta também é vista como um elemento espiritual de proteção, equilíbrio e purificação em cerimônias. Por volta de 1869, a espécie já era conhecida e amplamente utilizada na Europa e nas Américas por suas propriedades benéficas à saúde e ao bem-estar.
Características da planta
As folhas do boldo-do-chile são coriáceas, variando de cor verde-acinzentado ao verde-escuro, com formato mais alongado e bordas lisas, podendo apresentar uma leve curvatura para dentro
Krzysztof Ziarnek, Kenraiz/Wikimedia Commons
Diferente de outras espécies de boldo, o boldo-do-chile é uma árvore ou arbusto lenhoso, de crescimento mais lento e perene, que pode atingir entre 6 e 15 m de altura. Suas folhas são coriáceas e suculentas, com forte aroma resinoso semelhante ao da cânfora, e possuem um sabor amargo e picante.
“Tem folhas opostas, coriáceas (textura de couro), elípticas, de 3 a 7 cm, verde-acinzentadas com pontos translúcidos de glândulas de óleo essencial. Suas flores são pequenas, branco-amareladas, reunidas em inflorescências; e os frutos são drupáceos roxo-escuros quando maduros”, descreve Fernanda Cangerana, bióloga e coordenadora do Curso Superior de Tecnologia em Paisagismo e Jardinagem da FATEC, em São Paulo.
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Por que o boldo-do-chile não é cultivado naturalmente no Brasil?
O boldo-do-chile cresce em matas abertas e encostas secas acima de 500 metros, e as condições naturais no Brasil são desfavoráveis para seu cultivo
Yastay/Wikimedia Commons
Frequentemente, ele é confundido com outras espécies de boldo mais comuns no Brasil, como o boldo-da-terra (Plectranthus barbatus), devido à sua rusticidade e facilidade de cultivo. O fato é que o boldo-do-chile é uma planta originária das paisagens montanhosas chilenas, que cresce em matas abertas e encostas secas, em altitudes acima de 500 m, não se adaptando ao clima brasileiro.
“É uma espécie que evoluiu em um clima mediterrâneo típico da zona central do Chile, bem diferente da maior parte do território brasileiro. O clima mediterrâneo é caracterizado por verões quentes e secos com baixa umidade e pouca chuva; invernos frios e úmidos, e uma amplitude térmica bem marcada ao longo do ano. Além disso, a espécie chilena está adaptada a solos pedregosos ou arenosos, bem drenados, com pH levemente ácido a neutro”, esclarece a bióloga.
A combinação de altitude, clima, solo e quantidade de luz solar no Chile é o que permite o florescimento da espécie, e essas condições são difíceis de replicar em regiões do Brasil
Flickr/John Beetham/Creative Commons
Fernanda explica que, em termos gerais, o Brasil apresenta alta umidade do ar, especialmente nas regiões Sudeste, Norte e Centro-Oeste. Essa condição propicia o surgimento de doenças fúngicas e o apodrecimento das raízes do boldo-do-chile. “Não temos uma estação do ano seca definida o que prejudica o período de dormência da planta. Nossas temperaturas elevadas dificultam a indução de flores e sementes”, ela complementa.
A região sul, nos planaltos de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, oferece condições um pouco mais próximas das condições originais do boldo-do-chile. “Ainda assim, o ciclo de seca e frio não é definido, e para o sucesso do cultivo, seria necessária uma intervenção com irrigação controlada, solo arenoso e proteção contra chuvas excessivas”, reflete.
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Por que o sabor amargo?
O amargor característico das folhas do boldo-do-chile é devido aos seus compostos, como a boldina, também responsáveis pelas suas propriedades terapêuticas
Penarc/Wikimedia Commons
Seu sabor amargo é inconfundível. O boldo-do-chile deve essa característica à presença de lactonas, fitoquímicos amargos encontrados nas suas folhas. “A boldina, principal alcalóide do boldo, é a responsável pelo sabor amargo. Mas a isoboldina, a glaucina e a norboldina também contribuem para esse sabor”, conta Fernanda Constant, nutricionista e especialista em Biorressonância e Chás.
Ela explica que a boldina estimula receptores na língua ligados à defesa natural contra toxinas. “Nesse caso o amargo é benéfico. Ela atua no fígado estimulando a produção de bile e promovendo a digestão de gorduras. É um tônico digestivo excelente para o metabolismo. O amargor é um indicativo de sua potência como erva medicinal”, ela complementa.
O boldo-do-chile como potência medicinal
Devido à sua popularidade e efeitos farmacológicos comprovados, a planta foi listada no Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira, o que garante a qualidade e o seu uso seguro como medicamento, promovendo sua disponibilidade em produtos no mercado nacional. O boldo-do-chile é uma das espécies mais conhecidas e utilizadas na fitoterapia brasileira.
Os principais benefícios do boldo-do-chile, conforme evidenciado por pesquisas farmacológicas e farmacopeias oficiais, incluem suporte à função hepática, efeito digestivo, ação antioxidante e potencial diurético para casos leves de retenção
Yastay/Wikimedia Commons
Ele tem efeito hepatoprotetor, ajuda na digestão ao estimular a produção de bile (efeitos colagogos e coleréticos), e apresenta características anti-inflamatórias e antioxidantes. Compostos como a boldina e os flavonoides, que protegem o fígado e ajudam na digestão de gorduras, são responsáveis por essas propriedades. O boldo-do-chile também exerce a função de um diurético e laxante suave.
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“É uma planta rica em vitaminas do complexo B, especialmente ácido fólico e biotina, e minerais como cálcio, magnésio e potássio. Os compostos bioativos presentes são preciosidades que atuam diretamente nas células, como a boldina, os flavonoides, o ácido rosmarínico, o eucaliptol e a cumarina”, informa a nutricionista.
Onde encontrar o boldo-do-chile e formas de uso
Devido à sua dificuldade em se desenvolver de forma natural no Brasil, o boldo-do-chile pode ser encontrado em formato de folhas secas e produtos derivados, como chás, cápsulas e tinturas, em farmácias de manipulação, lojas de produtos naturais ou em plataformas online.
“No Brasil, o boldo-do-chile é quase sempre importado na forma seca e processada. Ele não é cultivado comercialmente em larga escala, por isso, é encontrado principalmente em formas industrializadas ou desidratadas”, comenta a bióloga.
No mercado nacional, o boldo-do-chile é uma planta importada, que pode ser encontrada comercialmente na forma de folhas secas
Pontifícia Universidade Católica do Chile/Wikimedia Commons
A infusão, na forma de chá, é o método mais comum e tradicional de consumir a planta. Em relação às cápsulas, a nutricionista atenta para a qualidade da matéria-prima. “São feitas a partir do extrato concentrado da planta. A alta concentração pode causar irritações gástricas e até gastrite em pessoas que estão com as mucosas mais sensíveis”, pondera.
Já as tinturas vegetais costumam ser maceradas em álcool de cereais, o que pode ser prejudicial ao fígado mesmo em pequenas quantidades. “A vantagem se baseia na praticidade, pois normalmente apenas se pinga algumas gotas na água para ingerir”, diz a especialista em chás.
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Como fazer infusão de boldo-do-chile
A quantidade sugerida é de duas xícaras de chá de boldo ao dia, sem ultrapassar quatro semanas consecutivas. O consumo deve ser voltado para o alívio temporário de problemas digestivos, e não como tratamento contínuo
Freepik/Creative Commons
Conforme a nutricionista, a infusão é a maneira mais segura e eficaz de consumir o boldo-do-chile. Para melhor aproveitamento de seus benefícios, o chá deve ser preparado sempre por infusão, e nunca por decocção.
“Na infusão, a água absorve as propriedades da planta deixando-a perfeita para o organismo humano e para a plena absorção das células. Para fazer demanda um pouco mais de paciência, porém, é a melhor forma de se chegar ao poder de cura através das plantas medicinais”, afirma a nutricionista.
Para 1 xícara de 240ml de água, use 2 g de folhas secas desidratadas. Para 1 jarra de 1 litro de água, use de 4 a 5 g.
Modo de preparo
Ferva a água filtrada.
Coloque a água quente sobre as folhas secas em uma xícara.
Tampe a xícara e deixe em infusão por 15 a 20 minutos (tempo necessário para a água absorver as propriedades adequadamente).
Coe e beba morno, de preferência sem adoçar.
O chá deve ser ingerido em até 24 horas, mantendo-o em temperatura ambiente e devidamente coberto em um recipiente de vidro. “Não reaqueça no micro-ondas. Se quiser tomar morno, aqueça em banho-maria”, adverte.
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Contraindicações
Crianças, gestantes, lactantes, pessoas com doenças hepáticas, cálculos biliares, obstrução das vias biliares, câncer na vesícula ou pâncreas, além de pessoas com distúrbios renais, não devem consumir o boldo-do-chile. Pessoas alérgicas a seus componentes ou em uso de anticoagulantes também devem evitar seu consumo. O ideal é buscar orientação médica antes de ingerir.
Benefícios do boldo-do-chile
A especialista em chás destaca os principais benefícios do boldo-do-chile para a saúde e o bem-estar:
Saúde digestiva: auxilia na indigestão, devido à sua ação na estimulação da produção de bile; e no alívio de gases, azia, inchaço abdominal e cólicas na síndrome do intestino irritável, atuando como um relaxante e anti-inflamatório no trato gastrointestinal.
Saúde hepática: ajuda na desintoxicação do fígado.
Saúde mental: age como redutor de estresse e ansiedade.
Saúde respiratória: ajuda no tratamento de doenças respiratórias como bronquite e asma.
Saúde muscular: auxilia no alívio de dores musculares e tensões, devido às suas propriedades anti-inflamatórias e relaxantes.
Saúde renal: pode contribuir para a saúde do sistema urinário e renal, atuando como um diurético natural.
Controle da diabetes: atua na regulação do açúcar no sangue.
Fortalece a imunidade: ajuda no fortalecimento do sistema imunológico.
Prevenção de doenças cancerígenas: auxilia na prevenção de câncer devido ao seu potencial anticancerígeno.

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