O Ibirapuera de Niemeyer: um exemplo de arquitetura moderna abraçado pela população

Estive no início deste mês no evento de abertura da 36° Bienal de São Paulo, que sempre acontece no pavilhão Ciccillo Matarazzo. Para além da mostra, tive a oportunidade de olhar mais uma vez para o parque mais importante da cidade. Sempre que caminho pelo Ibirapuera, tenho a mesma sensação de estar atravessando não apenas um espaço urbano, mas uma ideia de Brasil. Um país moderno, ousado, que sonhava alto nos anos 1950. O Ibirapuera é mais do que um parque. É uma espécie de manifesto concreto da arquitetura moderna brasileira — e muito disso se deve a Oscar Niemeyer.
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É curioso pensar que um espaço que hoje parece tão orgânico, quase natural à cidade, foi, na verdade, um projeto bastante radical à sua época. Em 1951, quando o então prefeito Armando de Arruda Pereira encomendou um parque para comemorar os 400 anos de São Paulo, o plano era ambicioso: criar um espaço que fosse, ao mesmo tempo, parque, centro cultural e símbolo da modernização da cidade.
Niemeyer já era um nome conhecido à época, e foi ele quem concebeu o conjunto arquitetônico. Mas é importante lembrar que ele não estava sozinho e contou com a colaboração de outros profissionais, como Zenon Lotufo, Eduardo Kneese de Mello e Hélio Cavalcanti. O resultado, ainda que bastante diferente dos planos originais de Niemeyer, foi uma obra verdadeiramente coletiva, com a estética inconfundível do arquiteto guiando os principais edifícios.
O pavilhão da Oca, no Parque Ibirapuera, sedia a 14ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo de 18 de setembro até 19 de outubro de 2025
Carlos Alkmin/Wikimedia Commons
Quando olho para os edifícios brancos e sinuosos do parque — o Pavilhão da Bienal, o Auditório (inaugurado apenas nos anos 2000, mas presente no conjunto desde os primeiros planos de Niemeyer), o Museu de Arte Moderna, a Oca — vejo muito de sua obsessão por formas livres e esculturais. Niemeyer detestava a rigidez. Dizia “não é o ângulo reto que me atrai”, e isso se nota em cada curva do Ibirapuera. Ele apostava numa arquitetura que fosse democrática, sensorial, quase poética. Uma arquitetura que não apenas servisse, mas que emocionasse.
Há algo quase coreografado na relação entre os prédios e o espaço ao redor. Os edifícios não foram simplesmente “colocados” no parque — eles interagem com a paisagem. Os pilotis, por exemplo, levantam as construções do chão, criando vãos livres que promovem circulação e convidam à convivência. Mais do que uma solução estética ou funcional, essa era uma declaração ideológica: liberar o solo para as pessoas. Aproximar a arquitetura e a cidade.
O arquiteto Oscar Niemeyer buscou tornar os prédios parte da paisagem do Ibirapuera, integrando o parque e a cidade
Rodrigo Soldon/Flickr/Creative Commons
O projeto original previa muito mais do que o que se vê hoje. Algumas estruturas nunca saíram do papel, e outras foram alteradas ou demolidas com o tempo. O Pavilhão da Bienal, por exemplo, era parte de uma ideia maior de centro de exposições. A Oca, aquela enorme semiesfera branca, seria inicialmente um museu da aeronáutica — e não faltam histórias sobre como Niemeyer insistiu que ela fosse quase completamente limpa por dentro, sem colunas, um espaço livre e aberto à imaginação.
Com o passar das décadas, o parque foi se transformando. Novas funções surgiram, novos usos se consolidaram. Hoje, o Ibirapuera abriga shows, feiras, exposições, encontros políticos, aulas de ioga, piqueniques de domingo… E talvez o mais bonito seja isso: o parque não ficou congelado no tempo. Ele vive. Respira. E se reinventa, sem perder de vista aquele espírito modernista original.
Costumo dizer que o Ibirapuera é um dos poucos lugares onde a arquitetura moderna brasileira foi plenamente abraçada pela população. Há quem vá ao parque sem saber nada sobre Niemeyer, e isso não importa. A experiência está ali, sensível: nos jardins, no lago, nas marquises, no vão livre, nas sombras geométricas que se desenham ao longo do dia. A arquitetura ali não se impõe; ela convida. Não exige conhecimento técnico — exige apenas o desejo de estar ali.
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E é por isso que o parque continua sendo tão relevante. Em tempos de cidades cada vez mais hostis, cercadas, fragmentadas, o Ibirapuera permanece como um raro exemplo de espaço público generoso. Um lugar onde se pode caminhar, pensar, descansar ou simplesmente existir. Um espaço que lembra, todos os dias, que a boa arquitetura não é só para ser vista — é para ser vivida.
Niemeyer costumava dizer que a função da arquitetura era emocionar. E eu, que sou arquiteto, mas também um flâneur apaixonado por São Paulo, me emociono toda vez que caminho sob os pilotis da Bienal ou ouço um concerto no Auditório. É como se o parque ainda sussurrasse, discretamente, aquele velho sonho modernista: de que a beleza pode — e deve — ser compartilhada.

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