Cnidoscolus quercifolius: conheça a árvore favela que deu nome às comunidades de baixa renda

O nome favela, que pode designar assentamentos urbanos informais e comunidades de baixa renda pelo Brasil, teve origem em uma planta rústica e altamente resistente às secas prolongadas, que nasce de forma endêmica na região da caatinga.
A Cnidoscolus quercifolius (ou Cnidoscolus phyllacanthus) ficou conhecida popularmente como favela ou faveleira por conta da sua semente em forma de fava. Ela é comum nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Piauí, Bahia e no norte de Minas Gerais.
E foi do sertão baiano que ela exportou o seu nome para o Rio de Janeiro e, posteriormente, para o resto do Brasil e do mundo. Segundo artigo da Agência Brasil, em 1897, de volta ao Rio de Janeiro, os combatentes da Guerra de Canudos, na Bahia, não receberam a ajuda governamental esperada e, sem recursos, começaram a improvisar habitações na encosta do atual Morro da Providência.
A “Cnidoscolus quercifolius” ficou conhecida como favela ou faveleira por conta da semente em forma de fava
Josimar Medeiros/Divulgação
À época, o povoamento ficou conhecido como Morro da Favela, pela semelhança com o morro de mesmo nome existente na cidade de Canudos — de onde os soldados atacaram os sertanejos liderados pelo peregrino Antônio Conselheiro, considerados uma ameaça à recém-criada república brasileira —, e que levava o nome da planta comum no sertão baiano.
“Cansados de esperar, resolveram subir o morro. Já haviam barracos ali — lembre-se do Cortiço Cabeça de Porco [demolido durante a reurbanização da cidade]. E os soldados não paravam de falar que aquilo parecia o Morro da Favela. Nesse sentido, foi de tanto o termo ser cunhado pelos soldados enganados que o nome foi se perpetuando na cabeça de todos. Assim, no Morro da Providência, nascia a primeira favela do Brasil”, conta a Rede Gerando Falcões, ONG voltada ao desenvolvimento social das favelas.
A faveleira nasce de forma endêmica na região da caatinga, no Nordeste e norte de Minas Gerais
Everton 1inaja/Wikimedia Commons
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Espécie-chave da caatinga
Apesar de seu nome ser tão conhecido, a planta favela ainda é pouco estudada e divulgada no país. Em 2006, o professor de geografia Josimar Medeiros resolveu analisar a planta para o seu doutorado do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Prodema/UFRN).
“Ela é importante para o desenvolvimento regional pela resistência à seca, pelo potencial para produção de óleo e como forrageiro [utilizado na alimentação animal], na forma de casca, folhas, raízes e sementes. As sementes são muito consumidas por humanos in natura e na forma de fubá”, explica Josimar.
A tese, defendida em 2017, apontou a faveleira como um espécie-chave da caatinga, ligada à sobrevivência e ao sustento dos sertanejos. “Durante as secas, ela permanece viva, alimenta a fauna e proporciona o crescimento de outras espécies debaixo da sua copa”, destaca Josimar em artigo da UFRN.
As sementes da faveleira são ricas em proteínas e podem ser consumidas na forma de óleo e farinha
João Medeiros/Wikimedia Commons
“Para suportar a estiagem, a faveleira é dotada de xilopódio, um tubérculo lenhoso que armazena água e nutrientes. Mudas com um ano de idade sobrevivem mesmo plantadas em campo com a terra seca. Logo, a janela de plantio na caatinga se estende por todo ano”, conta o pesquisador.
Em seu trabalho, Josimar realizou entrevistas com 57 pessoas entre 30 a 100 anos, moradores de diferentes comunidades nas quais a planta está presente no Rio Grande do Norte, e constatou as muitas aplicações da espécie.
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“O grupo apresentou utilidades da faveleira tanto para a alimentação de animais quanto humana, além de ser explorada na medicina popular e ter a madeira aproveitada para a confecção de objetos. De alto valor nutritivo, a semente é a única parte consumida por homens e mulheres, que da matéria-prima produzem a tradicional fubá, biscoitos, bolos e cocadas. Da mesma semente, ainda é possível extrair leite e óleo, potenciais fontes de renda para a população local”, revela o artigo.
As sementes da faveleira são ricas em proteínas e podem ser consumidas na forma de óleo de cozinha, e de farinha para pães e bolos. Segundo o Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), em Juazeiro (BA), “a semente fornece um óleo comestível nutritivo e saboroso que contém 46% de proteínas, enquanto o óleo de oliva contém apenas 14%”.
“Já na medicina alternativa, o látex presente em todas as partes da planta pode ser usado contra dermatoses e na cauterização de verrugas devido à sua ação coagulante; e a cataplasma obtida da casca possui ação cicatrizante e anti-inflamatória”, cita artigo do Núcleo de Ecologia e Monitoramento Ambiental (NEMA) da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF).
A faveleira possui espinhos urticantes em suas folhas, que ajudam a planta a se defender de predadores
João Medeiros/Wikimedia Commons
Com até 8 m de altura, a faveleira é considerada uma árvore de pequeno porte, que se desenvolve em solos rasos e pedregosos. Outra característica marcante e que demanda atenção são os espinhos urticantes em suas folhas, que ajudam a planta a se defender de predadores, mas podem causar dor e irritação em contato com a pele.
Uso no paisagismo
A faveleira é uma planta extremamente resiliente e com poucas demandas de manutenção. “É uma planta acostumada a sobreviver a quase tudo. Entretanto, é uma espécie da caatinga, que vive em um solo bem seco, com pouco húmus e rico em minerais”, comenta o paisagista regenerativo João Queiroz, da Petrichor.
A faleveira é uma planta extremamente resiliente, acostumada a sobreviver a longas estiagens
Josimar Medeiros/Divulgação
Apesar de não ser comum o seu uso doméstico ou em paisagismo, Josimar acredita que possa existir um potencial para a espécie. “Acredito que, na forma de bonsai, a faveleira poderá ser cultivada em vasos também”, diz.
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Para quem for tentar se arriscar no plantio em casa, João dá algumas dicas: a planta necessita de bastante sol, uma média de 6 horas de luz solar direta por dia, baixa umidade e solo drenado.
“Use uma mistura de areia com terra vermelha em um vaso de terracota. Ela deve ser tratada como uma suculenta, com pouca frequência de rega, mas com grande volume de água e drenagem rápida. Cultivando ela em casa, o seu maior problema serão fungos, mas borrifar sulfato de cobre todo mês pode ajudar”, orienta o paisagista.
A favela floresce em janeiro e fevereiro, e os seus frutos ficam maduros de maio a julho. “É uma planta com uma estrutura belíssima e folhas maravilhosas. Eu usaria como uma planta de destaque, sozinha, ou em uma cerca-viva contínua”, instrui João.

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