Qual foi o primeiro curso de design de interiores do Brasil? Conheça a história

A história do design de interiores ganhou impulso no Brasil com a transferência da família real portuguesa ao país, em 1807, que trouxe consigo uma preocupação maior com a decoração dos espaços internos. Com a Corte, desembarcaram por aqui uma série de artistas, artesãos e profissionais ao longo do século 19, que trabalhavam na ornamentação das residências reais e das famílias abastadas.
Leia mais
Por décadas, a profissão no Brasil esteve atrelada a um trabalho mais informal, não existindo um profissional que fosse, de fato, “especialista” em interiores na totalidade. Arquitetos, marceneiros, desenhistas de móveis, artistas e pintores atuavam para idealizar os cômodos das casas.
O termo “design de interiores”, como a profissão é denominada hoje, começou a ser usado apenas na década de 1980. “A sua adoção foi um processo gradativo. Antes dele, os praticantes desta profissão eram chamados de decoradores e arquitetos de interiores”, diz Danielle Nastari, docente do Instituto Europeo do Design (IED), em São Paulo.
O termo designer de interiores ganhou força no Brasil apenas na década de 1990
Freepik/Creative Commons
Na década de 1990, houve um reconhecimento mais forte da profissão, quando o Ministério da Educação e Cultura (MEC) estabeleceu o curso de Nível Técnico em Design de Interiores.
“Até os anos 1990, só existiam no país cursos livres de decoração de interiores. Os profissionais que cursavam apenas decoravam os ambientes, não mexendo, por exemplo, na troca de piso ou bancadas”, conta o arquiteto Geraldo Alves Pereira Júnior, professor do curso de Design de Interiores do Centro Universitário Ateneu, em artigo da instituição.
O 1º curso de design de interiores do Brasil
O primeiro curso de design de interiores do Brasil foi o do Instituto de Arte e Decoração (Iadê), fundado em São Paulo, em 1959, pelo cenógrafo italiano e professor de história da arte Itálo Bianchi e pelo professor e decorador português Álvaro Landerset Simões.
“Europeus, ambos identificaram São Paulo como um local propício para o instituto, por ser o maior polo industrial do país, sem qualquer escola de design, tanto de nível médio como superior. A escola tinha sede na Rua Martinho Prado, uma transversal próxima da Rua Augusta e da Rua Martins Fontes, que concentravam os mais importantes profissionais e lojas de decoração da cidade”, afirma Danielle.
A primeira escola de decoração do Brasil surgiu em São Paulo, em 1959, e se chamava Iadê
Freepik/Creative Commons
No final da década de 1950 a capital paulista vivia um intenso período de industrialização, o que oferecia muitas oportunidades para os decoradores. “Ítalo Bianchi sentia que muita gente ainda não entendia a decoração como a organização do espaço, como arquitetura de interiores. Ele pensou em uma escola que desse ao aluno não apenas uma formação técnica, mas também um embasamento cultural”, revela uma pesquisa feita pelo designer e historiador Auresnede Pires Stephan e pelo designer e artista visual Marcos da Costa Braga.
O curso do Iadê foi criado nos moldes do que foi a Bauhaus, na Alemanha, considerada a primeira escola de design do mundo. “A escola pretendia criar novos paradigmas na sociedade, ao integrar o estudo do desenho industrial (design), da arquitetura e das artes à indústria e ao mercado”, contam os pesquisadores sobre o curso brasileiro.
Leia mais
Essa ideia, alinhada à vanguarda artística e cultural mundial da época, não estava em consonância com a visão do governo militar brasileiro.
“O Iadê sofreu mudanças, e muitos objetivos acabaram não se concretizando. Entre eles estava a intenção dos seus fundadores de criar um curso de nível superior denominado arquitetura de interiores. No entanto, o Ministério da Educação e Cultura não o aprovou, por considerar que seria um curso de nível superior conflitante com os cursos de arquitetura”, detalha o estudo de Auresnede e Marcos.
Pode atuar como designer de interiores quem tiver concluído curso técnico ou superior na área reconhecido pelo MEC
Freepik/Creative Commons
Essa não aprovação foi um dos fatores da continuidade do Curso Livre de Decoração. “Sempre existiu um questionamento por parte das escolas de nível superior de arquitetura e seus órgãos de classe sobre a efetiva necessidade de uma formação acadêmica específica de decoração, uma vez que os cursos de arquitetura já contemplavam essas atribuições, e o embate ocorria também no que diz respeito às atribuições do profissional formado pelo Iadê”, escreveram os historiadores na pesquisa.
Segundo folheto de apresentação do Curso de Livre de Decoração do Iadê, editado em 1968, ele tinha duração de três anos e as disciplinas incluíam história da arte, decoração, desenho, introdução à arquitetura e estudos das culturas e estilos existentes. O objetivo do extenso currículo era ampliar o repertório dos alunos, trazendo uma abordagem bastante prática e comercial para a profissão, algo até então inexistente no território nacional.
Leia mais
Citada na pesquisa, Maria Isabel Souza Franco, ex-aluna e professora do Iadê, conta que, antes da criação da instituição, existiam apenas “cursos de curta duração, criados para dar aos alunos algumas noções de estilos históricos e rudimentos técnicos de decoração, geralmente baseados em conceitos que permeavam o século 19 e princípios clássicos do início do século 20”.
A proposta do Iadê era diferente, estruturada a partir da Bauhaus. Segundo Auresnede e Marcos, “a interação com a prática não se restringia ao espaço da escola. Todo o mercado de decoração, que se expandiu na década de 1950, era visitado pelos alunos, que se deslocavam da escola para as lojas e ateliês. Professores e alunos tinham acesso a espaços como Donatelli e Formatex, a fim de participar de aulas sobre tecidos de maneira bem mais concreta do que numa sala de aula”.
A profissão de designer de interiores no Brasil só foi regulamentada em 12 de dezembro de 2016
Freepik/Creative Commons
Já os showrooms que despontavam nos anos de 1950 e 1960 na capital paulista, como Oca, Hobjeto, Mobília Contemporânea, L’Atelier e Branco & Preto, eram o destino de muitos dos profissionais formados na nova instituição.
“O projeto de arquitetura de interiores para o Iadê, desde sua implantação em 1959, considerava o desenvolvimento de produtos (móveis e objetos), o ambiente e a identidade visual como um projeto sistêmico integrado, utilizando conceitos de racionalização e os princípios da ergonomia”, descreve a pesquisa dos especialistas.
Longa caminhada
O primeiro curso de nível superior de design de interiores no Brasil foi oferecido apenas na década de 1980, pelo Centro Belas Artes de São Paulo. Na mesma época houve a fundação da Associação Brasileira de Desenhistas de Interiores e Decoradores (ABDID), que, nos anos 1990, atualizou o nome para Associação Brasileira de Designers de Interiores (ABD).
“Nas décadas seguintes houve a abertura de diversos cursos de design de interiores de nível superior, em uma quantidade muito maior na modalidade tecnólogo em relação ao bacharelado”, aponta Danielle.
Leia mais
Apesar da longa história no Brasil, o exercício da profissão de designer de interiores só foi regulamentada em 12 de dezembro de 2016, por meio da sanção da Lei No. 13.369, que reconheceu a atividade e estabeleceu diretrizes de atuação para os profissionais da categoria.
Hoje, podem atuar como designer de interiores os profissionais que tiverem concluído algum curso técnico ou superior na área que seja reconhecido pelo MEC, ou profissionais que já atuassem na área, com experiência comprovada, antes da regulamentação da profissão em 2016. Para trabalhar legalmente não é necessário registro em conselho de classe, como acontece com os arquitetos.
“O ensino formal é importante pois fornece ao aluno bases teóricas e práticas para o desenvolvimento de projetos de maneira mais rápida, técnica e fundamentada. Além disso, oferece ampliação significativa do repertório cultural, orientando em como aplicar, de maneira apropriada, referências de épocas e estilos variados em projetos variados”, avalia Danielle.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima