Como um país marcado pela presença de um deserto árido em tons de bege pode ajudar a pensar o verde e o paisagismo? Foi a partir dessa reflexão que o arquiteto paisagista irlandês, Gareth Doherty, produziu o livro Paradoxos do verde – Paisagens de uma cidade-estado, cuja versão em português foi publicada pela Editora Olhares em 2025. A obra parte de uma análise multidisciplinar sobre o significado do verde no Bahrein, país insular do Golfo Pérsico, para pensar os paradigmas do paisagismo e suas potencialidades em outros lugares do mundo.
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A ideia do livro nasceu da primeira viagem do autor ao Bahrein, em 2004. “Cheguei durante uma tempestade de areia, e tudo estava bege, até o ar! Fiquei fascinado pelo impulso de criar espaços verdes nesse deserto árido e bege”, relembra Gareth Doherty.
O autor Gareth Doherty chegou ao país do Oriente Médio durante uma tempestade de areia, o que lhe chamou a atenção pela dinâmica das cores e a ideia de paisagem no país. Imagem da NASA, cortesia de Jeff Schmaltz, equipe MODIS Rapid Response
Cedida por Editora Olhares/Cortesia de Jeff Schmaltz/Reprodução
Além do deserto, o país é extremamente pequeno e marcado por um clima quente e seco. Um dos aspectos que também chamou a atenção do arquiteto paisagista foi que, no árabe, língua local, não havia uma palavra equivalente ao termo “paisagem”. “Sentia frustração com a história e a teoria da arquitetura paisagística porque elas se concentram no mundo ocidental, e queria conhecer conceitos de paisagem que existem fora desse cânone formal”, conta Gareth.
Imagem de 2016, captada por satélite, mostra a parte norte do Bahrein, onde é possível perceber núcleos de cinturões verdes no canto superior direito
Cedida por Editora Olhares/Google Earth/Reprodução
A pouca bibliografia disponível levou o arquiteto a desenvolver uma abordagem etnográfica, baseada em caminhadas, encontros e observações no local. Para Gareth, compreender a paisagem também significa considerar as pessoas que a habitam, uma formação mútua entre lugar e população.
O paradoxo do verde e suas significações
Um dos temas centrais do livro é a problematização do verde e a compreensão da cor como um paradoxo. Embora frequentemente celebrada nas cidades como contraponto ao cinza urbano, a presença do verde nem sempre traz benefícios ambientais, especialmente em regiões áridas como o Bahrein.
As vilas do cinturão verde do país tem verdes pontuais que contrastam com a paisagem árida com tons de bege predominantes. Registro de 2008 feito por Gareth Doherty
Cedida por Editora Olhares/Gareth Doherty/Reprodução
“Os palmeirais de tâmaras, outrora frequentados pelas elites, hoje quase desapareceram, mas permanecem na memória afetiva da população. Esses espaços icônicos moldaram tanto as paisagens quanto a percepção dos bahreinitas sobre suas ilhas ao longo de séculos”, pontua o arquiteto paisagista.
Jardim do xeque Ibrahim (político local), próximo ao Forte Português no Bahrein, com muito verde e tamareiras. Fotografia de 1963, pertencente ao acervo Torkil Funder do Museu Moesgard
Cedida por Editora Olhares/Museu Moesgard/Reprodução
Gareth destaca que cor e objeto se definem mutuamente: refletir sobre o verde é refletir sobre a criação de espaços e lugares. No Bahrein, a cor carrega múltiplos valores culturais e humanos e convive em tensão dialética com outras cores significativas.
Um exemplo é a relação entre verde e vermelho: “O verde, associado ao islã e aos xiitas, contrasta com o vermelho, cor nacional do Bahrein, tornando essas cores altamente politizadas e, de certa forma, opostas entre si”, diz.
Os pomares de tamareiras foram sendo substituídos por vilas com telhados pintados de verde. Fotografia de 2006
Cedida por Editora Olhares/M. Hussaini/Reprodução
O contraste entre verde e bege também chama atenção. “Devido às dificuldades em criar e manter o verde no deserto, e consequentemente de sua relativa escassez, o verde acaba se tornando algo elusivo e altamente desejado”, observa Gareth.
A interação do verde
A pesquisa do arquiteto paisagista evidencia que as cores na paisagem são complexas e carregadas de significados social, cultural e ambiental. O verde se relaciona com tons de azul, como a água e a vegetação interligadas em ambientes áridos.
As cores funcionam de maneira interativa, o que influencia a percepção e a experiência dos espaços. Na imagem, texturas e tonalidades do Bahrain Financial Harbour
Cedida por Editora Olhares/Gareth Doherty/Reprodução
“O azul pode ser a moldura através da qual se vê o verde”, diz Gareth. Essa interdependência cromática influencia a percepção e a experiência do espaço, demonstrando que a paisagem não é apenas visual, mas também política e cultural.
Paralelos entre o Bahrein e o Brasil
Embora o estudo se concentre no Bahrein, ele abre espaço para reflexões em outros contextos, como o brasileiro. “Brasília, por exemplo, é como o Bahrein durante oito meses do ano, mas ao contrário dele, tem uma estação chuvosa também, o que faz com que, por cerca de quatro meses, Brasília seja também muito verde”, aponta o arquiteto paisagista.
Atualmente, Gareth coordena o projeto “Como tornar as cidades brasileiras mais verdes”, no Critical Landscapes Design Lab, que busca ampliar o verde urbano de forma ambiental e cromática. A pesquisa indica uma relação clara entre a renda e o acesso à vegetação: quanto maior a renda, maior o acesso; quanto menor, mais escasso o verde.
É perceptível a mudança da vegetação e do tom de verde entre a estação de seca e de chuva em Brasília
Luiz Eugenio Teixeira Leite/Wikimedia Commons; Flickr/Pillar Pedreira via Agência Senado/Creative Commons | Montagem: Casa e Jardim
“O laboratório está desenvolvendo ferramentas para introduzir outras cores nas cidades, reduzindo a dependência de áreas verdes que exigem irrigação e manutenção intensiva, e aplicando a ideia de que a resposta ao paradoxo não está apenas no verde, mas em todas as cores do arco-íris, que convergem para formar o branco”, explica o arquiteto paisagista.
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Uma nova forma de olhar a paisagem
Diante do paradigma do verde, qual é a solução? Para Gareth, um dos caminhos não é eliminar o verde, mas sim usá-lo de forma cuidadosa e estratégica, complementando-o com outras cores. “Ao usar a cor de maneira mais estratégica no ambiente construído, podemos utilizar de forma mais eficiente os espaços verdes em nossas cidades”, finaliza.
Paradoxos do verde foi traduzido para o português e editado pela Editora Olhares em 2025
Editora Olhares/Divulgação
A publicação está à venda no site da Editora Olhares, por R$ 99.
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A ideia do livro nasceu da primeira viagem do autor ao Bahrein, em 2004. “Cheguei durante uma tempestade de areia, e tudo estava bege, até o ar! Fiquei fascinado pelo impulso de criar espaços verdes nesse deserto árido e bege”, relembra Gareth Doherty.
O autor Gareth Doherty chegou ao país do Oriente Médio durante uma tempestade de areia, o que lhe chamou a atenção pela dinâmica das cores e a ideia de paisagem no país. Imagem da NASA, cortesia de Jeff Schmaltz, equipe MODIS Rapid Response
Cedida por Editora Olhares/Cortesia de Jeff Schmaltz/Reprodução
Além do deserto, o país é extremamente pequeno e marcado por um clima quente e seco. Um dos aspectos que também chamou a atenção do arquiteto paisagista foi que, no árabe, língua local, não havia uma palavra equivalente ao termo “paisagem”. “Sentia frustração com a história e a teoria da arquitetura paisagística porque elas se concentram no mundo ocidental, e queria conhecer conceitos de paisagem que existem fora desse cânone formal”, conta Gareth.
Imagem de 2016, captada por satélite, mostra a parte norte do Bahrein, onde é possível perceber núcleos de cinturões verdes no canto superior direito
Cedida por Editora Olhares/Google Earth/Reprodução
A pouca bibliografia disponível levou o arquiteto a desenvolver uma abordagem etnográfica, baseada em caminhadas, encontros e observações no local. Para Gareth, compreender a paisagem também significa considerar as pessoas que a habitam, uma formação mútua entre lugar e população.
O paradoxo do verde e suas significações
Um dos temas centrais do livro é a problematização do verde e a compreensão da cor como um paradoxo. Embora frequentemente celebrada nas cidades como contraponto ao cinza urbano, a presença do verde nem sempre traz benefícios ambientais, especialmente em regiões áridas como o Bahrein.
As vilas do cinturão verde do país tem verdes pontuais que contrastam com a paisagem árida com tons de bege predominantes. Registro de 2008 feito por Gareth Doherty
Cedida por Editora Olhares/Gareth Doherty/Reprodução
“Os palmeirais de tâmaras, outrora frequentados pelas elites, hoje quase desapareceram, mas permanecem na memória afetiva da população. Esses espaços icônicos moldaram tanto as paisagens quanto a percepção dos bahreinitas sobre suas ilhas ao longo de séculos”, pontua o arquiteto paisagista.
Jardim do xeque Ibrahim (político local), próximo ao Forte Português no Bahrein, com muito verde e tamareiras. Fotografia de 1963, pertencente ao acervo Torkil Funder do Museu Moesgard
Cedida por Editora Olhares/Museu Moesgard/Reprodução
Gareth destaca que cor e objeto se definem mutuamente: refletir sobre o verde é refletir sobre a criação de espaços e lugares. No Bahrein, a cor carrega múltiplos valores culturais e humanos e convive em tensão dialética com outras cores significativas.
Um exemplo é a relação entre verde e vermelho: “O verde, associado ao islã e aos xiitas, contrasta com o vermelho, cor nacional do Bahrein, tornando essas cores altamente politizadas e, de certa forma, opostas entre si”, diz.
Os pomares de tamareiras foram sendo substituídos por vilas com telhados pintados de verde. Fotografia de 2006
Cedida por Editora Olhares/M. Hussaini/Reprodução
O contraste entre verde e bege também chama atenção. “Devido às dificuldades em criar e manter o verde no deserto, e consequentemente de sua relativa escassez, o verde acaba se tornando algo elusivo e altamente desejado”, observa Gareth.
A interação do verde
A pesquisa do arquiteto paisagista evidencia que as cores na paisagem são complexas e carregadas de significados social, cultural e ambiental. O verde se relaciona com tons de azul, como a água e a vegetação interligadas em ambientes áridos.
As cores funcionam de maneira interativa, o que influencia a percepção e a experiência dos espaços. Na imagem, texturas e tonalidades do Bahrain Financial Harbour
Cedida por Editora Olhares/Gareth Doherty/Reprodução
“O azul pode ser a moldura através da qual se vê o verde”, diz Gareth. Essa interdependência cromática influencia a percepção e a experiência do espaço, demonstrando que a paisagem não é apenas visual, mas também política e cultural.
Paralelos entre o Bahrein e o Brasil
Embora o estudo se concentre no Bahrein, ele abre espaço para reflexões em outros contextos, como o brasileiro. “Brasília, por exemplo, é como o Bahrein durante oito meses do ano, mas ao contrário dele, tem uma estação chuvosa também, o que faz com que, por cerca de quatro meses, Brasília seja também muito verde”, aponta o arquiteto paisagista.
Atualmente, Gareth coordena o projeto “Como tornar as cidades brasileiras mais verdes”, no Critical Landscapes Design Lab, que busca ampliar o verde urbano de forma ambiental e cromática. A pesquisa indica uma relação clara entre a renda e o acesso à vegetação: quanto maior a renda, maior o acesso; quanto menor, mais escasso o verde.
É perceptível a mudança da vegetação e do tom de verde entre a estação de seca e de chuva em Brasília
Luiz Eugenio Teixeira Leite/Wikimedia Commons; Flickr/Pillar Pedreira via Agência Senado/Creative Commons | Montagem: Casa e Jardim
“O laboratório está desenvolvendo ferramentas para introduzir outras cores nas cidades, reduzindo a dependência de áreas verdes que exigem irrigação e manutenção intensiva, e aplicando a ideia de que a resposta ao paradoxo não está apenas no verde, mas em todas as cores do arco-íris, que convergem para formar o branco”, explica o arquiteto paisagista.
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Uma nova forma de olhar a paisagem
Diante do paradigma do verde, qual é a solução? Para Gareth, um dos caminhos não é eliminar o verde, mas sim usá-lo de forma cuidadosa e estratégica, complementando-o com outras cores. “Ao usar a cor de maneira mais estratégica no ambiente construído, podemos utilizar de forma mais eficiente os espaços verdes em nossas cidades”, finaliza.
Paradoxos do verde foi traduzido para o português e editado pela Editora Olhares em 2025
Editora Olhares/Divulgação
A publicação está à venda no site da Editora Olhares, por R$ 99.