Ikebana: conheça a arte milenar japonesa de criar arranjos florais

Já ouviu falar em ikebana? Uma noiva compartilhou recentemente, nas redes sociais, a decoração inusitada de seu casamento, inspirada na técnica milenar japonesa. No entanto, o resultado foi surpreendente e diferente do que ela esperava, viralizando no TikTok. Essa repercussão resultou em um aumento repentino de buscas relacionadas a essa arte no Google Trends.
Leia mais
Por coincidência, no início de 2025, foi instituído o Dia Nacional da Ikebana no Brasil. Celebrado em 23 de setembro, ele visa promover a cultura japonesa, fortalecer laços com o Japão e inspirar novas gerações na arte dos arranjos florais.
Na arte japonesa ikebana, o espaço vazio permite que as linhas, formas e texturas dos elementos naturais se destaquem, criando um arranjo visualmente equilibrado e sereno
Flickr/Frans de Wit/Creative Commons
“A ikebana também é chamada de ‘kadō’, ou seja, o caminho das flores. É um caminho que tem início, mas não tem final; você vai aprendendo à medida que percorre. Significa dar vida às flores, proporcionando uma vida nova e artística ao material vivo”, explica Cristina Sototuka, presidente da Associação de Ikebana do Brasil.
Origem e evolução da Ikebana
A ikebana teve origem no Japão, entre os séculos VI e VIII, e nasceu das práticas budistas de oferecer flores em altares em homenagem aos deuses e à natureza. Ela começou como um ritual religioso, depois passou a ser praticada pela aristocracia, pelos senhores feudais e até pelos samurais, que utilizavam a ikebana como uma forma de meditação.
A ikebana começou como oferenda floral nos templos budistas, mas evoluiu para uma arte com normas, estilos e filosofia próprios, buscando o equilíbrio e a harmonia com a natureza
Grifinória/Wikimedia Commons
Graças ao monge budista Senkei Ikenobō, que fundou a escola Ikenobō, ela evoluiu para uma prática artística. “Ao deixar a Índia e chegar ao Japão, o budismo trouxe essa tradição com ele. Desde então, os monges passaram a fazer essas oferendas. No entanto, foi a partir século 15 que a ikebana foi reconhecida como uma técnica aprimorada, acompanhada de algumas regras. Ela tem aproximadamente 550 anos desde a sua sistematização”, relata Cristina.
Leia mais
“Outra influência veio do xintoísmo, a religião indígena do Japão, que considera todos os seres vivos iguais e reverencia a sacralidade da natureza. Isso explica como a ikebana abraça a natureza, enfatizando que a humanidade deve aderir aos costumes da natureza em vez de impor sua vontade sobre ela”, acrescenta Marcia Hirata Ortega, diretora da Ikebana Sogetsu São Paulo Branch.
A filosofia da ikebana é semelhante ao wabi-sabi, que valoriza a simplicidade, a transitoriedade e o uso de elementos naturais como folhas, flores, botões, galhos, raízes, troncos, entre outros.
Estilos de Ikebana
A ikebana não se resume a um estilo único, mas sim a um universo de escolas que utilizam técnicas e materiais distintos para criar arranjos florais singulares. “As três escolas mais antigas e influentes são a Ikenobō, Ohara e Sogetsu. Os estilos variam desde os complexos e tradicionais até os modernos e informais, como Rikka, Shōka, Moribana e Nageire, que se diferenciam pelo tipo de vaso e pela forma de arranjo”, conta Marcia.
O estilo ikenobo é o mais antigo e elaborado, pois ele enfatiza a criação de um arranjo que se assemelha a uma paisagem ou cena da natureza
Flickr/Jean-Pierre Dalbéra/Creative Commons
Segundo Cristina, o estilo original e mais antigo Ikenobō, já está na 46ª geração de mestres. “Depois dele, principalmente no período Pós-Guerra, apareceram centenas de escolas como a Ohara, a terceira maior do Japão. Ela se notabilizou por fazer arranjos em recipientes rasos, que mostravam muito bem a água e eram traduções da natureza”, diz a profissional.
Leia mais
Com o passar do tempo, surgiram as escolas modernas Sogetsu e Sanguetsu, que adotam novas filosofias e abordagens artísticas. “A Sogetsu completará um século de existência em 2027. O fundador se propôs a fazer um ikebana mais artístico e criativo. Cada ikebanista, além de aprender as regras básicas, é estimulado a exercer sua criatividade e colocá-la no arranjo”, complementa Cristina.
O arranjo Sogetsu é o estilo moderno que se caracteriza pela liberdade criativa, incentivando o uso de materiais não convencionais e a exploração de formas variadas para refletir o estilo pessoal do praticante, sem a rigidez de estilos mais tradicionais
Flickr/ekenitr/Creative Commons
Já a Sanguetsu é um estilo que se diferencia dos demais, pelo princípio de não modificar os tamanhos e formatos das folhas e galhos utilizados. “Ela busca vivificar o arranjo floral de maneira mais natural possível. É um estilo artístico que tem como objetivo alegrar a vida, elevar o nível do sentimento e do espírito humano, além de harmonizar o ambiente”, esclarece Marcia.
Técnicas e materiais utilizados para criar o arranjo
O aprendizado das técnicas básicas de ikebana pode levar alguns meses, permitindo que iniciantes criem arranjos simples. Porém, dominar a arte e aprimorar a sensibilidade aos materiais, pode exigir um período consideravelmente mais longo. “Existem algumas técnicas, mas a principal é cortar o caule da sua flor submerso em água, para que ela flua e faça esse arranjo durar mais”, revela Cristina.
Os materiais básicos para ikebana são um vaso, um ‘kenzan’ (suporte de metal), água, flores, ramos, folhas e ferramentas de poda, como tesouras e alicates
Henrique Kellner/Wikimedia Commons
Para Marcia, a escolha dos materiais depende da pessoa que cria, pois expressam o sentimento e arte de cada indivíduo. “Deve-se usar, de preferência, materiais frescos ou secos de boa qualidade e evitar ambientes muito ensolarados e com vento. Além disso, a arte inclui a escolha dos vasos, das cores e do ambiente onde o trabalho será colocado”, analisa Marcia.
Leia mais
“Basicamente, utilizamos um suporte para flores chamado kenzan, que parece uma almofada de preguinhos, pesado e feito de metal. Esse suporte faz com que os galhos e flores fiquem em pé, na posição desejada. Utilizamos também tesouras e recipientes como vasos de cerâmica, vidro, ferro, acrílico, entre outros tipos de material”, detalha Cristina.
‘Kenzan’ é um dispositivo japonês que consiste em uma base pesada (geralmente de chumbo) com agulhas de latão que mantêm as hastes das flores no lugar, permitindo a criação de arranjos orgânicos e desconstruídos em recipientes
Henrysz/Wikimedia Commons
Cristina enfatiza que a ikebana é um tipo de meditação que requer concentração e silêncio durante a prática. “É uma conversa entre você, o seu estado de espírito e o que você quer transmitir com aquele material que está na sua frente. Então, ele dá foco, direciona a sua energia para criação e ainda embeleza o ambiente onde ele vai ser colocado”, ela ressalta.
Sintonizando a escolha das flores com as estações
O Japão possui uma conexão profunda e intrínseca com as estações do ano, que afeta diretamente a gastronomia, a moda, os festivais, e não poderia ser diferente com as artes. “No Brasil, temos materiais disponíveis o ano todo, e não sentimos muito a sazonalidade como em outros países. Atualmente, com o advento das estufas e ambientes climatizados, os materiais ficaram mais constantes”, reflete Marcia.
Antúrios são frequentemente usados em ikebanas por agregarem elegância e sofisticação, devido ao formato de coração e brilho de suas folhas. Sua durabilidade também os torna ideais para arranjos que buscam tanto beleza quanto longevidade
Flickr/Choo Yut Shing/Creative Commons
“Embora as flores sejam diferentes das encontradas no Japão, a arte da ikebana no Brasil se conecta através da utilização de flores e folhagens sazonais. A flor da estação é a mais bonita, a mais durável e a que melhor representa o tempo. Então, procuramos utilizar sempre utilizá-la para garantir maior durabilidade”, considera Cristina.
Além das flores, legumes e frutas também são elementos da natureza que podem ser adicionados aos arranjos, conforme a disponibilidade.
Leia mais
Onde aprender ikebana
É possível aprender a técnica ikebana em cursos, workshops e eventos oferecidos por associações culturais, plataformas online e instituições de cultura japonesa. Essas opções permitem o estudo da filosofia, das técnicas e dos estilos clássicos do arranjo floral.
“As técnicas são ensinadas no início do curso por meio de livros e suportes, além da prática contínua dos conceitos básicos, como aprender a fixar os materiais, usar o kenzan e criar arranjos tridimensionais e harmoniosos”, finaliza a diretora da Ikebana Sogetsu São Paulo Branch.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima