Teatro Amazonas: a história por trás da arquitetura do cartão postal de Manaus

Localizado no centro histórico de Manaus, o Teatro Amazonas é um dos principais símbolos da capital amazonense. Construído durante a belle epóque da borracha, no século 19, foi inaugurado em 31 de dezembro de 1896, em meio a um período de grande prosperidade econômica. Até hoje, permanece como um dos mais importantes espaços culturais da cidade, abrigando uma intensa e diversa produção artística.
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“O Teatro Amazonas simboliza essa ambição, de mostrar que Manaus podia competir culturalmente com qualquer metrópole internacional”, afirma Otoni Gonçalves, jornalista, historiador e artista visual.
O Teatro Amazonas foi construído com predominância de elementos neoclássicos, mas a incorporação de outros estilos o define como uma obra de caráter eclético
Pexels/Ivo Brasil/Creative Commons
Marco histórico no ciclo da borracha
A proposta de construir o Teatro Amazonas surgiu em 1881, quando o deputado Antônio José Fernandes Júnior apresentou o projeto à Assembleia Provisória Provincial. Com a aprovação da Lei nº 546, o investimento foi autorizado e o projeto arquitetônico ficou a cargo do Gabinete de Arquitetura e Engenharia de Lisboa, em Portugal.
Em 1884, foi firmado publicamente o compromisso político e social de transformar Manaus em um polo cultural, e os primeiros passos para a construção do então chamado Theatro Provincial começaram a ser dados.
Além do Teatro Amazonas, o centro histórico de Manaus abriga diversos marcos culturais e arquitetônicos importantes, como o Palácio da Justiça (amarelo, ao fundo), a Praça São Sebastião e a Galeria Amazônica
José Zamith/Wikimedia Commons
Durante esse período, a região de Manaus ainda recebia poucos investimentos, o que dificultava o avanço das obras. Além disso, a construção foi interrompida diversas vezes, em razão de disputas políticas e da grandiosidade do projeto arquitetônico.
A retomada acontece a partir de 1892, na gestão do governador Eduardo Gonçalves Ribeiro, já durante a República Brasileira, o que garante mais autonomia. “É o ciclo da borracha que começa a trazer retornos financeiros para a região. Nesse contexto acontecem as principais obras do período provincial”, explica Otoni.
Praça São Sebastião, coração histórico de Manaus, com o Teatro Amazonas ao fundo e o Monumento à Abertura dos Portos
Pedro Angelini/Wikimedia Commons
O governo de Eduardo deu início a um ambicioso projeto de embelezamento urbano, tendo o teatro como uma de suas obras mais emblemáticas. “Acontece uma série de intervenções que buscavam transformar Manaus em uma cidade cosmopolita, moderna, branca e ‘civilizada’, visando atrair mão de obra e investidores — que, até então, se concentravam em Belém do Pará”, completa o historiador.
Embora outras construções da mesma época, como o Palácio do Governador, tenham sido erguidas com propósitos semelhantes, foi o Teatro Amazonas que se consolidou como o grande símbolo da modernização. A partir dele, a região do centro histórico — especialmente o Largo São Sebastião — passou por um processo de revitalização, reforçando o ideal de progresso e sofisticação na capital amazonense.
O trabalho de decoração do Teatro Amazonas prolongou-se por vários anos após sua inauguração oficial
Karine Hermes/Wikimedia Commons
O Teatro Amazonas foi finalmente inaugurado em 31 de dezembro de 1896, com uma apresentação da ópera italiana La Gioconda. No ano seguinte, recebeu sua primeira temporada lírica, consolidando-se como um centro cultural de prestígio. “A escolha das óperas também fazia parte da concepção do espaço e de sua função na sociedade da época”, coloca Otoni.
Um projeto arquitetônico ousado
O Teatro Amazonas se destaca por sua arquitetura eclética, que mistura influências europeias com elementos da cultura local. Um dos maiores símbolos do edifício é sua cúpula, composta por 36 mil telhas vitrificadas nas cores verde e amarelo, em referência à bandeira brasileira.
A cúpula é um elemento marcante da arquitetura do Teatro Amazonas, embora tenha sido bastante criticada no passado por seu excesso de elementos e pelas cores vibrantes
Ivaneil89/Wikimedia Commons
Os detalhes da estrutura remetem à fauna amazônica, reforçando a identidade regional. A cúpula foi adquirida na Casa Koch Frères, em Paris, França, e recebeu pintura ornamental assinada pelo artista Lourenço Machado.
Inicialmente, essa parte foi alvo de críticas na imprensa da época. “Em determinado momento, houve a ideia de demolição da cúpula, mas, hoje, é um dos símbolos mais icônicos, charmosos e fazem parte da sua identidade”, relata Leonilda Arantes, turismóloga e fundadora da Upiara Turismo MAO.
A cúpula é formada por escamas de cerâmica esmaltada e telhas vitrificadas importadas da Alsácia, região histórica localizada no nordeste da França
Flickr/Antonio Campoy/Creative Commons
O Salão Nobre preserva seu mobiliário original e valoriza técnicas clássicas de acabamento, como a marchetaria do piso, composta por 12 mil peças de madeira de carvalho, mogno, bordo e nogueira. A imponência do ambiente é acentuada por lustres de Murano, mármores franceses e italianos, além de colunas com estuques que remetem aos troncos das árvores amazônicas, criando uma atmosfera de sofisticação e identidade regional.
“Costumo dizer que não precisa ter espetáculo, basta entrar e olhar para o que está em torno do palco e da plateia. Desde criança frequento o teatro e tenho um encantamento muito grande quando estou lá”, conta o historiador.
Teto do Teatro Amazonas, inspirado nos pés da Torre Eiffel, com pinturas e arquitetura europeias trazidas durante o ciclo da borracha, no final do século 19
Alexinaldo Granela Borja/Wikimedia Commons
O teto do Salão Nobre, com a tela Glorificação das Belas Artes na Amazônia, do artista italiano Domenico De Angelis, transporta o visitante para uma Amazônia idealizada. “O Salão Nobre é o único lugar do teatro que recebeu esse tipo de material para o transformar em um ambiente extremamente luxuoso. Era um ponto de encontro em que somente a elite se encontrava”, explica Leonilda.
No Salão de Espetáculos, com capacidade para 701 pessoas, a decoração ficou a encargo do artista pernambucano Crispim do Amaral, que trouxe referências da Torre Eiffel e europeias.
O salão de Espetáculos do Teatro Amazonas tem mais de 700 lugares e destaca-se por sua qualidade acústica
gabriel_srsmith/Wikimedia Commons
As colunas da plateia exibem máscaras que homenageiam compositores, como Gioachino Rossini, Wolfgang Amadeus Mozart e Giuseppe Verdi. “Cada detalhe buscava reforçar o caráter internacional da casa, em uma mistura com o que se entendia pela identidade amazônica”, acrescenta Otoni.
As diferentes reformas do Teatro
O Teatro passou por quatro importantes reformas ao longo de sua história: em 1929, 1960, 1974 e 1990. No primeiro processo de restauro, os artistas locais Olimpio de Menezes e Branco e Silva se destacaram como os principais responsáveis pelas intervenções. Esse momento foi marcado pela busca de uma nova estética, com inspiração nacional e tropical.
O ano de 1974 marcou uma ampla restauração do Teatro Amazonas, visando resgatar seu estilo arquitetônico original. No entanto, o processo enfrentou grandes desafios, visto que poucos documentos de iconografia originais haviam sido preservados, dificultando a fidelidade histórica das intervenções.
A reforma de 1974 foi uma das mais significativas do Teatro Amazonas pela tentativa de recuperar estruturas e elementos originais
Agência Brasil/Marcelo Camargo/Wikimedia Commons
A última grande transformação, realizada em 1990, correspondeu à restauração completa do teatro, que apresentava sérios problemas de conservação. Um dos nomes importantes para a manutenção do Teatro foi o ex-diretor da instituição, Josétito Dutra Lindoso. “Ele mantinha contato constante com os artistas, buscava levá-los ao teatro, promovia festivais e diversas atividades culturais. Era como se o teatro fosse nosso”, destaca Otoni.
Em 2004, a praça central de Manaus e seu entorno passaram por revitalização. A iniciativa teve papel fundamental na reaproximação da população com o espaço urbano, além de impulsionar a programação cultural local.
Patrimônio e memória viva de Manaus
O espaço mantém uma programação cultural diversificada ao longo do ano, com apresentações de óperas, concertos, espetáculos de dança, festivais de cinema e jazz, além de eventos regionais de grande relevância, como o Festival de Parintins.
Uma das atividades recorrentes no Teatro Amazonas são as apresentações da Orquestra Amazonas Filarmônica
leandromottas/Wikimedia Commons
As visitas guiadas, realizadas de terça a domingo, conduzem os visitantes por diversos ambientes do Teatro Amazonas, como os camarotes, frisas, o Salão Nobre e corredores que abrigam uma maquete do edifício e exposições sobre a cúpula. O passeio é finalizado no Café La Gioconda, cujo nome homenageia a primeira ópera apresentada ali.
“Por se tratar de um patrimônio histórico, todas as atividades e intervenções são acompanhadas pelo IPHAN, pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado do Amazonas, e contam com o suporte técnico do Ateliê de Conservação e Restauro de Obras de Arte e Papel”, ressalta a turismóloga.
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“O Teatro Amazonas é um bem material e imaterial, faz parte da identidade de um povo e da memória coletiva”, diz Otoni. Tombado pelo IPHAN e reconhecido em todas as esferas governamentais, o teatro encontra-se atualmente em processo de candidatura junto à Unesco para ser declarado Patrimônio Mundial da Humanidade.
Mais do que marco arquitetônico, o projeto é um símbolo afetivo para os manauaras. “Para nós, é a nossa segunda casa. Representa pertencimento e identidade, pois acolhe nossa arte, cultura, ancestralidade e musicalidade. É um espaço que aproxima turistas e moradores da história da cidade e da Amazônia”, orgulha-se Leonilda.

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