O Terminal Rodoviário da Luz foi inaugurado em 1961, em um momento em que São Paulo buscava organizar e centralizar o transporte. Localizado na Praça Júlio Prestes, próximo à estação homônima e à estação da Luz, no centro da cidade, o terminal integrava trens e ônibus, conectando a capital ao interior. Revestido de pastilhas, tinha um visual único, porém, com o passar do tempo e sua prematura demolição, o projeto é pouco lembrado na história da arquitetura paulistana e brasileira.
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A infraestrutura era ampla. A imprensa da época noticiava que o terminal era capaz de atender 10 mil passageiros por dia e de abrigar 2.800 veículos. Sua inauguração aconteceu durante o aniversário da capital paulista de 1961, durante a gestão do prefeito Adhemar de Barros.
Porém, a vida da rodoviária foi extremamente curta. “Começou a ser desativada em 1977, com a abertura do Terminal Jabaquara e esse processo finalizou em 1982, com a abertura do Terminal Tietê”, relata Marcos José Carrilho, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).
A infraestrutura do terminal poderia comportar 10 mil passageiros por dia e abrigar 2.800 veículos. Fotografia de 1981
Acervo da Biblioteca da FAU-USP/Creative Commons
De quem é o projeto do terminal?
A autoria do Terminal Rodoviário da Luz é envolvida por uma história curiosa. Em entrevistas, o arquiteto Carlos Lemos – sócio de Oscar Niemeyer em São Paulo e coautor do edifício Copan –, a quem normalmente o projeto é atribuído, afirmava que o desenho, na verdade, foi proposto pelo seu amigo Carlos Caldeira Filho, empresário e político.
A ideia teria sido ocasional. Diante de uma irritação após embarcar em um ônibus com direção a Santos em uma calçada de rua nos anos 1950, Carlos pensou em criar um terminal. E o empreendimento privado seria uma oportunidade econômica para os seus negócios.
Havia um fluxo intenso de pessoas na rodoviária, tanto pelo sistema de transportes quanto pelos serviços e comércios que surgiram posteriormente
Acervo da Biblioteca da FAU-USP/Creative Commons
“Teria sido o próprio Caldeira, após pesquisa sistemática de terminais em outras cidades e países, o autor do anteprojeto, transformado em projeto técnico pelo engenheiro Raul Eckman Simões”, conta Abilio Guerra, também professor da FAU-UPM.
O empresário também incluiu o embelezamento do local, com a previsão de uma fonte e uma cúpula, a qual foi encomendada ao arquiteto Carlos Lemos.
Pastilhas de acrílico, tecnologia e arquitetura diferenciada
O Terminal Rodoviário da Luz era um edifício funcionalista, de estrutura mista de concreto armado na sua base e metal na sua cobertura.
“Havia uma distância grande entre as colunas, o suficiente para abrigar o fluxo de ônibus e do grande público, permitindo a presença de mezaninos e balcões e articulando muito bem áreas livres não bilhetadas e áreas de embarque bilhetadas”, destaca Abilio.
As áreas internas do terminal eram amplas e com vãos livres adequados a circulação demandada pela rodoviária
Acervo da Biblioteca da FAU-USP/Creative Commons
A estética destoava do padrão da época, caracterizado pela sua cúpula, a fachada de acrílico colorido e suas estruturas metálicas. “Esses elementos conferiam ao terminal uma aparência high-tech e pop, consoante à arquitetura internacional do período”, afirma Diogo Augusto Mondini Pereira, arquiteto e urbanista, e pesquisador da FAU da Universidade de São Paulo (USP).
Peças abauladas de acrílico em diversas cores foram usadas no fechamento da cúpula e nos beirais periféricos visíveis. Carlos Lemos destacava que a dificuldade foi compatibilizar as geometrias da base circular da cúpula e da estrutura espacial de modulação quadrada.
A estrutura arquitetônica do terminal misturava elementos metálicos, vidros e pastilhas, garantindo um design diferenciado e a entrada de luz natural
Acervo da Biblioteca da FAU-USP/Creative Commons
Na cúpula, o material permitia a entrada de luz natural de modo filtrado no interior da construção. Já nos beirais, além da filtragem, traziam identidade urbana ao terminal. “A estrutura espacial, novidade na época, era extremamente adequada à versatilidade e liberdade espacial exigida pelo programa de uso, e antecipava em uma década a estrutura espacial do Pavilhão do Anhembi”, complementa Abilio.
Na imagem, um registro de 1981 da bilheteria da antiga estação rodoviária de São Paulo na região da Luz, a qual contava com mezanino e áreas de circulação
Acervo da Biblioteca da FAU-USP/Creative Commons
O terminal ficou marcado também pela incorporação de tecnologias inéditas. A televisão em cores, por exemplo, era uma alternativa de distração para quem precisava esperar por horas pelo embarque. Em dias de jogo de futebol, as áreas não bilhetadas recebiam grandes aglomerações populares.
“Eu assisti a dois jogos da Copa do Mundo de 1974 e lembro que o espaço virou um imenso formigueiro humano, com pessoas perdendo suas viagens por esquecimento ou excesso de empolgação”, relembra Marcos com nostalgia.
O contexto urbano da Luz e a conexão com o terminal
A instalação do terminal, à época, foi pensada para facilitar a integração entre a capital e o interior, além de favorecer a mobilidade urbana. No entanto, a escolha do local gerou forte controvérsia. A grande imprensa e diversos especialistas apontaram que o intenso fluxo de passageiros provocado pela rodoviária sobrecarregou uma área que já apresentava limitações estruturais para comportar tamanha demanda.
Por isso, o projeto enfrentou críticas recorrentes quanto à sua localização. A presença do terminal provocou um impacto significativo no centro paulistano e sua construção foi alvo de debates acalorados. “A rodoviária da Luz era dificilmente observada de uma maneira elogiosa, enquanto outras rodoviárias, como a da cidade de Jaú, no interior de São Paulo, eram bem recebidas”, destaca Diogo.
O Terminal Rodoviário da Luz ficava localizado ao lado da Praça Júlio Prestes e gerava um intenso tráfego na região
Acervo da Biblioteca da FAU-USP/Creative Commons; Domínio público | Montagem: Casa e Jardim
A principal dificuldade da ocupação da região da Luz, na visão de Marcos, era o escoamento do fluxo que ali começava circular. “O terminal deixava de considerar a diretriz do Plano Prestes Maia que previa a sua localização junto à Ponte das Bandeiras. Embora pudesse contar a seu favor a rede viária do bairro, a região não foi projetada para suportar a concentração de tráfego que ocorreria”, explica o professor.
Em consequência disso, foram retomados estudos para alargamento de grandes avenidas, cujas obras se estenderam por um bom tempo. Para lidar com a questão de forma mais imediata, em vez de integrada, a Praça Júlio Prestes foi incorporada a esse grande anel viário que se estabelecia e as faixas da Avenida Duque de Caxias foram ampliadas.
O terminal distinguia-se na paisagem do centro da cidade pela sua arquitetura e cores diferenciadas
Acervo da Biblioteca da FAU-USP/Creative Commons
Apesar dos desafios, era inegável que o terminal proporcionou novas atividades e intensificou a circulação de pessoas. “Com as atividades de comércio e serviços, aparecem novas demandas de recepção e acomodação de contingentes de visitantes, situação que contribuiu fortemente para alterar a composição dos frequentadores do bairro e transformar o uso das edificações em pequenos estabelecimentos comerciais, hotéis, pensões e sublocações de imóveis”, diz Marcos.
Desativação e novos usos do Terminal Rodoviário da Luz
Depois da desativação de 1982, o antigo Terminal Rodoviário da Luz foi convertido em shopping popular, o Fashion Center Luz. Inaugurada em 1988, a área comercial funcionou até 2007, mas teve pouca adesão na região e começou a se degradar com o tempo.
Naquele mesmo ano, o edifício que abrigava o terminal foi desapropriado pelo governo do Estado. A proposta era abrigar o Teatro da Dança de São Paulo, depois rebatizado para Complexo Cultural da Luz, um projeto contratado ao escritório suíço Herzog & De Meuron.
A área ocupada pelo antigo terminal tinha planos de se tornar um centro cultural, o que nunca se concretizou. Na foto, o salão de espera da antiga estação rodoviária de São Paulo em 1981
Acervo da Biblioteca da FAU-USP/Creative Commons
“A ideia geral era boa, pois previa a requalificação da região com a implantação de mais um equipamento cultural de grande relevância na frente da Sala São Paulo”, comenta Abilio.
No entanto, a proposta foi amplamente criticada por ter sido encomendada a um escritório internacional sem a realização de concurso ou licitação, além do alto custo envolvido e das dúvidas quanto aos benefícios. Com isso, o projeto não foi levado adiante, e a administração estadual decidiu destinar a área à construção de um conjunto habitacional.
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Diante de um relativo esquecimento, recuperar essa história pode ser uma das formas de retomar o olhar para a região central de São Paulo. “O terminal tinha essa ideia de centralidade, que era muito interessante, com restaurantes, lojas e comércio, criando um vínculo com a cidade que, por exemplo, os terminais novos, como Jabaquara e Tietê, não têm”, ressalta Diogo.
“Os equipamentos públicos ali existentes ajudam a imaginar a transformação desse território em polo cultural e ambiental. A movimentação do mercado imobiliário em prol dos setores mais ricos, no entanto, que pode implicar em erradicação das camadas mais pobres e vulneráveis da região, permanece como entrave”, finaliza Abilio.
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A infraestrutura era ampla. A imprensa da época noticiava que o terminal era capaz de atender 10 mil passageiros por dia e de abrigar 2.800 veículos. Sua inauguração aconteceu durante o aniversário da capital paulista de 1961, durante a gestão do prefeito Adhemar de Barros.
Porém, a vida da rodoviária foi extremamente curta. “Começou a ser desativada em 1977, com a abertura do Terminal Jabaquara e esse processo finalizou em 1982, com a abertura do Terminal Tietê”, relata Marcos José Carrilho, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).
A infraestrutura do terminal poderia comportar 10 mil passageiros por dia e abrigar 2.800 veículos. Fotografia de 1981
Acervo da Biblioteca da FAU-USP/Creative Commons
De quem é o projeto do terminal?
A autoria do Terminal Rodoviário da Luz é envolvida por uma história curiosa. Em entrevistas, o arquiteto Carlos Lemos – sócio de Oscar Niemeyer em São Paulo e coautor do edifício Copan –, a quem normalmente o projeto é atribuído, afirmava que o desenho, na verdade, foi proposto pelo seu amigo Carlos Caldeira Filho, empresário e político.
A ideia teria sido ocasional. Diante de uma irritação após embarcar em um ônibus com direção a Santos em uma calçada de rua nos anos 1950, Carlos pensou em criar um terminal. E o empreendimento privado seria uma oportunidade econômica para os seus negócios.
Havia um fluxo intenso de pessoas na rodoviária, tanto pelo sistema de transportes quanto pelos serviços e comércios que surgiram posteriormente
Acervo da Biblioteca da FAU-USP/Creative Commons
“Teria sido o próprio Caldeira, após pesquisa sistemática de terminais em outras cidades e países, o autor do anteprojeto, transformado em projeto técnico pelo engenheiro Raul Eckman Simões”, conta Abilio Guerra, também professor da FAU-UPM.
O empresário também incluiu o embelezamento do local, com a previsão de uma fonte e uma cúpula, a qual foi encomendada ao arquiteto Carlos Lemos.
Pastilhas de acrílico, tecnologia e arquitetura diferenciada
O Terminal Rodoviário da Luz era um edifício funcionalista, de estrutura mista de concreto armado na sua base e metal na sua cobertura.
“Havia uma distância grande entre as colunas, o suficiente para abrigar o fluxo de ônibus e do grande público, permitindo a presença de mezaninos e balcões e articulando muito bem áreas livres não bilhetadas e áreas de embarque bilhetadas”, destaca Abilio.
As áreas internas do terminal eram amplas e com vãos livres adequados a circulação demandada pela rodoviária
Acervo da Biblioteca da FAU-USP/Creative Commons
A estética destoava do padrão da época, caracterizado pela sua cúpula, a fachada de acrílico colorido e suas estruturas metálicas. “Esses elementos conferiam ao terminal uma aparência high-tech e pop, consoante à arquitetura internacional do período”, afirma Diogo Augusto Mondini Pereira, arquiteto e urbanista, e pesquisador da FAU da Universidade de São Paulo (USP).
Peças abauladas de acrílico em diversas cores foram usadas no fechamento da cúpula e nos beirais periféricos visíveis. Carlos Lemos destacava que a dificuldade foi compatibilizar as geometrias da base circular da cúpula e da estrutura espacial de modulação quadrada.
A estrutura arquitetônica do terminal misturava elementos metálicos, vidros e pastilhas, garantindo um design diferenciado e a entrada de luz natural
Acervo da Biblioteca da FAU-USP/Creative Commons
Na cúpula, o material permitia a entrada de luz natural de modo filtrado no interior da construção. Já nos beirais, além da filtragem, traziam identidade urbana ao terminal. “A estrutura espacial, novidade na época, era extremamente adequada à versatilidade e liberdade espacial exigida pelo programa de uso, e antecipava em uma década a estrutura espacial do Pavilhão do Anhembi”, complementa Abilio.
Na imagem, um registro de 1981 da bilheteria da antiga estação rodoviária de São Paulo na região da Luz, a qual contava com mezanino e áreas de circulação
Acervo da Biblioteca da FAU-USP/Creative Commons
O terminal ficou marcado também pela incorporação de tecnologias inéditas. A televisão em cores, por exemplo, era uma alternativa de distração para quem precisava esperar por horas pelo embarque. Em dias de jogo de futebol, as áreas não bilhetadas recebiam grandes aglomerações populares.
“Eu assisti a dois jogos da Copa do Mundo de 1974 e lembro que o espaço virou um imenso formigueiro humano, com pessoas perdendo suas viagens por esquecimento ou excesso de empolgação”, relembra Marcos com nostalgia.
O contexto urbano da Luz e a conexão com o terminal
A instalação do terminal, à época, foi pensada para facilitar a integração entre a capital e o interior, além de favorecer a mobilidade urbana. No entanto, a escolha do local gerou forte controvérsia. A grande imprensa e diversos especialistas apontaram que o intenso fluxo de passageiros provocado pela rodoviária sobrecarregou uma área que já apresentava limitações estruturais para comportar tamanha demanda.
Por isso, o projeto enfrentou críticas recorrentes quanto à sua localização. A presença do terminal provocou um impacto significativo no centro paulistano e sua construção foi alvo de debates acalorados. “A rodoviária da Luz era dificilmente observada de uma maneira elogiosa, enquanto outras rodoviárias, como a da cidade de Jaú, no interior de São Paulo, eram bem recebidas”, destaca Diogo.
O Terminal Rodoviário da Luz ficava localizado ao lado da Praça Júlio Prestes e gerava um intenso tráfego na região
Acervo da Biblioteca da FAU-USP/Creative Commons; Domínio público | Montagem: Casa e Jardim
A principal dificuldade da ocupação da região da Luz, na visão de Marcos, era o escoamento do fluxo que ali começava circular. “O terminal deixava de considerar a diretriz do Plano Prestes Maia que previa a sua localização junto à Ponte das Bandeiras. Embora pudesse contar a seu favor a rede viária do bairro, a região não foi projetada para suportar a concentração de tráfego que ocorreria”, explica o professor.
Em consequência disso, foram retomados estudos para alargamento de grandes avenidas, cujas obras se estenderam por um bom tempo. Para lidar com a questão de forma mais imediata, em vez de integrada, a Praça Júlio Prestes foi incorporada a esse grande anel viário que se estabelecia e as faixas da Avenida Duque de Caxias foram ampliadas.
O terminal distinguia-se na paisagem do centro da cidade pela sua arquitetura e cores diferenciadas
Acervo da Biblioteca da FAU-USP/Creative Commons
Apesar dos desafios, era inegável que o terminal proporcionou novas atividades e intensificou a circulação de pessoas. “Com as atividades de comércio e serviços, aparecem novas demandas de recepção e acomodação de contingentes de visitantes, situação que contribuiu fortemente para alterar a composição dos frequentadores do bairro e transformar o uso das edificações em pequenos estabelecimentos comerciais, hotéis, pensões e sublocações de imóveis”, diz Marcos.
Desativação e novos usos do Terminal Rodoviário da Luz
Depois da desativação de 1982, o antigo Terminal Rodoviário da Luz foi convertido em shopping popular, o Fashion Center Luz. Inaugurada em 1988, a área comercial funcionou até 2007, mas teve pouca adesão na região e começou a se degradar com o tempo.
Naquele mesmo ano, o edifício que abrigava o terminal foi desapropriado pelo governo do Estado. A proposta era abrigar o Teatro da Dança de São Paulo, depois rebatizado para Complexo Cultural da Luz, um projeto contratado ao escritório suíço Herzog & De Meuron.
A área ocupada pelo antigo terminal tinha planos de se tornar um centro cultural, o que nunca se concretizou. Na foto, o salão de espera da antiga estação rodoviária de São Paulo em 1981
Acervo da Biblioteca da FAU-USP/Creative Commons
“A ideia geral era boa, pois previa a requalificação da região com a implantação de mais um equipamento cultural de grande relevância na frente da Sala São Paulo”, comenta Abilio.
No entanto, a proposta foi amplamente criticada por ter sido encomendada a um escritório internacional sem a realização de concurso ou licitação, além do alto custo envolvido e das dúvidas quanto aos benefícios. Com isso, o projeto não foi levado adiante, e a administração estadual decidiu destinar a área à construção de um conjunto habitacional.
Leia mais
Diante de um relativo esquecimento, recuperar essa história pode ser uma das formas de retomar o olhar para a região central de São Paulo. “O terminal tinha essa ideia de centralidade, que era muito interessante, com restaurantes, lojas e comércio, criando um vínculo com a cidade que, por exemplo, os terminais novos, como Jabaquara e Tietê, não têm”, ressalta Diogo.
“Os equipamentos públicos ali existentes ajudam a imaginar a transformação desse território em polo cultural e ambiental. A movimentação do mercado imobiliário em prol dos setores mais ricos, no entanto, que pode implicar em erradicação das camadas mais pobres e vulneráveis da região, permanece como entrave”, finaliza Abilio.



