Jardins do Norte: como incorporar plantas amazônicas no paisagismo

Com sua exuberância e vasto potencial, a Amazônia oferece múltiplas possibilidades para a criação de jardins e espaços verdes com espécies nativas, promovendo um ecossistema equilibrado e adaptado ao clima brasileiro. Mais do que uma tendência crescente no paisagismo, cultivar plantas amazônicas é uma forma de celebrar e conservar um patrimônio natural único.
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“Parece que é um pouco distante, mas é uma ação estratégica, uma forma de fazer educação ambiental o tempo todo, mas, principalmente, fortalecer a ideia, os símbolos, os elementos que fazem parte daquela biodiversidade e estabelecê-los na cultura popular, para que as pessoas reconheçam nessas plantas a riqueza do nosso bioma”, destaca Joice de Jesus Machado, professora de Paisagismo do Instituto Federal do Amazonas (IFAM) e doutora em Clima e Ambiente.
Benefícios em cultivar plantas amazônicas
O cultivo de plantas amazônicas traz uma série de benefícios. Seu uso ornamental pode atrair polinizadores e fortalecer o ecossistema, garantindo a reprodução de diversas espécies, contribuindo diretamente para a preservação da biodiversidade local e o equilíbrio ecológico. Além disso, os usos alimentares e medicinais de algumas dessas plantas são reconhecidos tanto por comunidades locais, quanto em pesquisas científicas.
O açaí é um fruto amazônico, tradicionalmente consumido por povos ribeirinhos, que se tornou um fenômeno global
Flickr/Lon&Queta/Creative Commons
“O principal benefício em utilizar as espécies vegetais amazônicas nas intervenções paisagísticas consiste na ampliação do conhecimento por parte da população urbana sobre as plantas desse importante bioma brasileiro. Quando conhecemos as plantas que são representativas do lugar em que vivemos, passamos a dar mais valor a elas, contribuindo com a conscientização sobre a importância de conservá-las”, considera Ayrton Luiz Urizzi Martins, professor do curso de Engenharia Agronômica da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e um dos responsáveis pela disciplina Plantas Ornamentais e Paisagismo.
O cultivo de plantas da Amazônia também ajuda a preservar a genética e manter o banco de germoplasma. “Quanto mais espaços tivermos para manter esses indivíduos preservados, mais aliviamos a pressão sobre espécies ameaçadas, evitamos que essa distribuição seja restrita e democratizamos o acesso no sentido da percepção desse patrimônio genético que nós temos”, acredita Joice.
As plantas nativas da Amazônia são naturalmente adaptadas ao clima e ao solo da região, exigindo menos manutenção, água e fertilizantes nessas condições. Projeto de paisagismo de Bia Abreu
Favaro Jr./Divulgação
Mesmo que os jardins sejam áreas verdes muito pequenas, eles também são formas de ajudar a regular o microclima urbano e melhorar a infiltração da água.
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Como simular as condições amazônicas no jardim
Se você deseja trazer a atmosfera da Amazônia para o seu jardim, é essencial reproduzir as condições locais, em especial, umidade, luminosidade e tipo de solo.
“É necessário conhecer as diferentes paisagens que constituem a Amazônia. Geralmente imaginada como uma floresta densa e homogênea, esse bioma compreende diferentes ecossistemas que dão contorno a paisagens que podem ser inspiradoras ao paisagismo e, dependendo da complexidade da intervenção esperada, podem demandar a participação de profissionais qualificados para tal”, comenta Graciélio Queiroz de Magalhães, agrônomo e mestre em Ciências Agrárias pela Universidade Federal do Amazonas.
Para criar um jardim inspirado na Amazônia, utilize plantas com folhagens exuberantes e texturas variadas, e crie camadas com diferentes alturas. O jardim é assinado pelo escritório Treliz Arquitetura da Paisagem
Maíra Acayaba/Divulgação
A presença de areia, bastante comum em áreas de campinarana e campina, contribui para a reprodução de paisagens amazônicas. “Para simular paisagens mais sofisticadas podemos ainda incluir elementos como água, raízes e troncos com arranjos vegetais, além das espécies aquáticas. Contamos ainda com áreas de vegetação mais aberta conhecidas como lavrados ou savanas amazônicas, presentes no estado de Roraima”, ele propõe.
No jardim reformado pela paisagista Ana Veras, parte do gramado foi substituída por lago artifical, faixa de areia, fogo de chão e pergolado
Juliano Colodeti/MCA Estúdio/Divulgação
Inclusive, é possível se inspirar na Amazônia sem necessariamente transformar o jardim em uma mini floresta ou mini bosque. “Ele deve ser sombreado e rico em folhas, em diferentes estratos, seja de herbáceas ou de forração. Dificilmente você vai ver na floresta áreas muito limpas no sentido de que aquele chão fica aparente. No jardim, podemos ter uma profusão de diferentes texturas de folhas e uma riqueza de tons de verde, e até mesmo folhas perfeitamente desenhadas”, descreve Joice.
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Plantas amazônicas para cultivar no jardim
Filodendros e helicônias são espécies originárias da Amazônia que se adaptam bem a jardins tropicais. Podem ser cultivadas tanto em vasos quanto no solo. Projeto de paisagismo de Catê Poli
Edu Castello/Editora Globo
Diversas espécies nativas da Amazônia já são cultivadas em outras regiões do país para atender à crescente demanda sustentável. Contudo, ao contrário das plantas ornamentais tradicionais, a maioria dessas espécies ainda não foi submetida ao processo de seleção e melhoramento genético para adaptação às diversas condições urbanas.
A seguir, confira opções de plantas amazônicas para incorporar no jardim:
Árvores: jutairana (Cynometra bauhiniifolia), lofantera-da-amazônia (Lophanthera lactescens), munguba (Pachira aquatica e Pseudobombax munguba), pau-pretinho (Cenostigma tocantinum) e visgueiro (Parkia pendula).
O visgueiro é uma árvore nativa da Amazônia, que pode atingir até 40 metros de altura, mais adequada para áreas abertas, especialmente de preservação, por seu rápido crescimento e função ecológica
Francisco Levi Jucá Sales/Wikimedia commons
Palmeiras: açaizeiros (Euterpe precatoria e Euterpe oleracea), bacaba (Oenocarpus bacaba), bacabinha (Oenocarpus minor), buriti (Mauritia flexuosa), buritirana (Mauritiella aculeata), jará (Leopoldinia pulchra), patauá (Oenocarpus bataua), paxiúba (Socratea exorrhiza), paxiubinha (Socratea salazarii), pupunha (Bactris basipaes) e ubim (Geonoma spp.).
A pupunha pode ser cultivada em jardins, desde que haja espaço suficiente, pois ela pode atingir até 20 metros de altura
Marajonida/Wikimedia Commons
Arbustos: clúsia (Clusia grandiflora) e olira-arbustiva (Parodiolyra micrantha).
A espécie ‘Parodiolyra micrantha’ pode ser incorporada no paisagismo, como uma herbácea nativa da Amazônia
Alex Popovkin, Bahia, Brasil/Wikimedia Commons
Herbáceas eretas: lírio-do-amazonas (Eucharis grandiflora), arumã (Ischnosiphon spp.), cana-do-brejo (Costus spicatus Jacq.), caeté (Goeppertia cannoides e Goeppertia exscapa), calateias (Calathea altissima; C. elliptica; C. micans; C. zingiberina), ciclanto (Cyclanthus bipartitus), espatifilo (Spathiphyllum maguirei), helicônias (Heliconia bihai; H. densiflora; H. hirsuta; H. spathocircinata; H. velutina; H. chartacea; H. stricta; H. psittacorum; H. tarumaensis, e H. acuminata), rapatéia (Rapatea spp.), renealmia (Renealmia floribunda), sororoca (Phenakospermum guyannense) e tracoá (Philodendron melinonii).
O lírio-do-amazonas é planta que oferece flores de beleza singular e delicada, ideal para ambientes externos e internos
Flickr/Vihh/Creative Commons
Forrações: calitrocária (Calyptrocarya poeppigiana), mapania (Mapania sylvatica), olira rasteira (Olyra latifolia), parianas (Pariana radiciflora e Pariana campestris), pepinia (Pepinia sprucei) e selaginela-amazônica (Selaginella amazonica).
Algumas espécies de selaginela, como a ‘Selaginella amazonica’, são nativas da Amazônia e espalham-se como um tapete no chão
Forest e Kim Starr/Wikimedia Commons
Trepadeiras: cisso (Cissus erosa), cospidaria (Cuspidaria subincana), lundia (Lundia densiflora), mandevila (Mandevilla scabra), maracujá-vermelho (Passiflora coccinea), monstera (Monstera obliqua), odontadênias (Odontadenia puncticulosa e O. verrucosa), cipó-de-são-joão (Pyrostegia venusta), pleonotoma (Pleonotoma jasminifolia) e selegélia (Schlegelia spruceana).
A ‘Monstera obliqua’ é originária das florestas tropicais da América do Sul, especialmente na região amazônica, e é frequentemente cultivada em ambientes internos e externos
Unsplash/feeypflanzen/CreativeCommons
Epífitas/hemiepífitas: antúrios (Anthurium bonplandii e A. trinerve), asplúndia (Asplundia spp.), evodianto (Evodianthus funifer), filodendros (Philodendron goeldii e P. ornatum), orquídeas (Brassavola spp.; Cattleya spp.; Encyclia spp.; Epidendrum spp.; Orleanesia spp.; Prosthechea spp.) e toracocarpo (Thoracocarpus bissectus).
A ‘Cattleya eldorado’ é nativa da Amazônia e seu cultivo em jardins exige a reprodução de seu habitat natural, como alta umidade, ventilação, luz indireta e temperaturas quentes
Nicolas Picand Herba.fr/Wikimedia Commons
Aquáticas: vitória-régia (Victoria amazonica), mureru (Hydrocotyle ranunculoides), alface-d’água (Pistia stratiotes), mureru-de-orelha (Pontederia rotundifolia), orelha-de-onça (Eichhornia crassipes), ninfeia (Nymphaea grandulifera) e urospata (Urospatha sagittifolia).
A vitória-régia é uma planta aquática símbolo do bioma amazônico
PxHere/Creative Commons
Segundo especialistas, os guias e manuais de plantas ornamentais ainda carecem de informações sobre as plantas da Amazônia. “Mesmo longe das florestas, que os nossos jardins possam servir estrategicamente como lembretes da riqueza genética do enorme patrimônio que a gente tem, que é nosso e que precisamos valorizar”, deseja Joice.
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Como cuidar de plantas amazônicas
Embora possam se adaptar a diferentes regiões do Brasil, as plantas amazônicas precisam de cuidados específicos para prosperar. Para cultivá-las, é necessário reproduzir as condições de intenso calor e umidade, características do clima equatorial na região. Em áreas muito secas, é necessário atenção ao frio e à umidade relativa do ar.
“Quanto ao substrato para o cultivo, prepare uma mistura composta por terra comum e algum tipo de produto rico em matéria orgânica (húmus de minhoca, composto orgânico, esterco bovino e cama de frangos curtidos). Outra preocupação é manter o substrato sempre úmido, mas não encharcado, e proteger as mudas da incidência direta do sol”, explica Graciélio. Ele recomenda também que a reposição de matéria orgânica seja feita trimestralmente.
Para o cultivo de plantas amazônicas, utilize como substrato uma mistura leve, com boa drenagem e rica em nutrientes, combinando terra vegetal, matéria orgânica e areia grossa
Freepik/rawpixel.com/Creative Commons
Realize inspeções periódicas para verificar a saúde planta. “Nos espaços residenciais, não recomendamos a utilização de agrotóxicos ou aplicação de fertilizantes químicos. A utilização de práticas alternativas para o controle de pragas e doenças como aplicação de caldas, óleos mineral e vegetal, extratos aquosos de plantas, assim como a utilização frequente e adequada de adubos de origem orgânica são suficientes para manter as plantas saudáveis”, aconselha Ayrton.
Como reproduzir espécies amazônicas nos jardins
A maioria dos filodendros nativos da Amazônia, como o ‘Philodendron Ornatum’, é propagada por meio de estacas de caule, que podem ser enraizadas em solo ou água
Krzysztof Ziarnek, Kenraiz/Wikimedia Commons
As plantas amazônicas são propagadas pelos métodos convencionais já conhecidos e ao alcance de qualquer pessoa. “Algumas são produzidas por meio de sementes, que chamamos de propagação sexuada; outras são obtidas por meio da propagação assexuada ou vegetativa, utilizando partes da planta como, ramos (estacas), rizomas, bulbos e tubérculos (caules subterrâneos) ou mesmo pelas folhas”, conta Graciélio.
Para alcançar o sucesso esperado é fundamental obter propágulos (sementes ou partes da planta) de qualidade e de origem conhecida. “É sempre importante lembrar que não é adequado coletar material da natureza, o que caracteriza extração ilegal, podendo representar riscos e danos ao ambiente de extração. Portanto, só utilize como material de propagação aqueles obtidos legalmente e de qualidade comprovada”, complementa Ayrton.
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Principais desafios no cultivo de plantas amazônicas
Ao incorporar espécies amazônicas no projeto paisagístico, podem surgir alguns obstáculos, como a dificuldade em obter mudas e sementes, a falta de conhecimento sobre o manejo e as demandas específicas de cada espécie.
“Os principais desafios estão relacionados de fato ao manejo das plantas. Vejo que essas plantas que se dão muito bem em circunstâncias de florestas e de bosques, mas padecem em outros ambientes. A luz solar direta é um problema comum, que queima as folhas, causa manchas e amarelamentos, pois são plantas mais acostumadas com a sombra. Normalmente, também são mais sensíveis ao vento, por isso as correntes de ar podem prejudicá-las”, avalia Joice.
Outros desafios envolvem a dificuldade de aquisição de mudas, a baixa produção de viveiros, a qualidade genética das sementes e os problemas logísticas relacionados à coleta e à distribuição de plantas amazônicas
Freepik/cookie_studio/Creative Commons
Vale ficar atento aos sinais de que a planta não está se adaptando ao novo ambiente. “Os sinais de má adaptação de uma planta são observados principalmente em suas folhas (queda, deformação, mudança de cor ou aparecimento de manchas, murchamento, ressecamento ou queima das bordas), caules (escurecimento, injúrias, murchamento, paralização do crescimento, murchamento dos brotos novos), flores (abortamento ou ausência) e padrão de desenvolvimento”, revela Ayrton.
Portanto, para expandir o uso de plantas amazônicas no paisagismo brasileiro, é fundamental investir em pesquisa, nc apacitação de viveiristas, na criação de redes de coleta e distribuição que garantam a rastreabilidade, e na qualidade genética do material vegetal.
Plantas amazônicas são suscetíveis à pragas e doenças?
Sim. Apesar de serem vistas como resistentes por natureza, as plantas nativas da Amazônia podem ser afetadas por pragas e doenças.
“As pragas mais frequentes são formigas, lagartas, besouros desfolhadores, cochonilhas, pulgão e ácaros. Como estamos falando de plantas ornamentais, cujo principal fator estético são as folhas, é importante cuidar também dos fungos. Queremos um jardim denso, e o jardim amazônico tem essa característica de ser mais denso, mais fechado e mais cheio. No entanto, é preciso cuidar desse ambiente para que ele não seja afetado pela presença deles”, pondera Joice.
Grande parte dessas pragas pode ser controlada ou mesmo evitada com a utilização de produtos como caldas, óleos e extratos vegetais. “Lembrando que a utilização desses produtos na prevenção é sempre mais eficiente do que no combate. Nutrição, oferta de água e luminosidade adequadas, assim como a limpeza frequente das ferramentas, são medidas que auxiliam na prevenção de pragas e doenças”, acrescenta Ayrton.
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Legalização das plantas amazônicas
O uso de plantas amazônicas exige procedimentos de regularização fiscalizados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), como parte das políticas para evitar a remoção indevida de espécies e o desmatamento
Unsplash/Ivars Utināns/Creative Commons
Os profissionais alertam sobre a importância de verificar a origem da muda a ser utilizada. “Para coletar, transportar, produzir e comercializar essas plantas é necessário a obtenção de autorizações e certificações que garantam que o manejo e a produção sigam padrões de sustentabilidade, rastreabilidade e respeito à biodiversidade. Portanto, evite adquirir mudas no mercado informal, dando preferência a viveiristas cadastrados no Registro Nacional de Sementes e Mudas – RENASEM/MAPA”, reforça Ayrton.
Também não é permitido retirar plantas da floresta para vendê-las. “A ideia é que a gente tenha viveiros e produtores com cadastro técnico federal no IBAMA, para que possamos recorrer a eles. Há um trabalho incipiente que precisa ser feito, desde a identificação, pois muitas espécies ainda não foram catalogadas, até todo o processo para transformar essa planta numa planta comercial. Sem registros de procedência não podemos utilizá-las”, finaliza Joice.

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