Feira Rachid Karameh: projeto de Oscar Niemeyer no Líbano virou fantasma urbano

Localizada na cidade de Trípoli, no Líbano, a Feira Internacional Rachid Karameh (Rachid Karameh International Fair, em inglês) é uma das obras icônicas do arquiteto Oscar Niemeyer erguidas fora do Brasil. O complexo de 15 edifícios abrange uma área de cerca de 750 mil m², o equivalente a quase oito estádios do Maracanã.
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“Depois do edifício Interbau, de 1956-1957, em Berlim, o complexo da Feira de Trípoli foi a segunda encomenda de Niemeyer fora das Américas e uma das poucas iniciativas urbanas de grande escala que ele teve que projetar”, destaca relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que serviu de base para incluir o conjunto arquitetônico na Lista de Patrimônio Mundial em Perigo em 2023.
A Feira Internacional Rachid Karameh, em Trípoli, no Líbano, ocupa uma grande área no centro da cidade
OpenStreetMap/Reprodução
O arquiteto brasileiro foi contratado para o projeto em 1962, mas a construção, iniciada em somente 1967, foi interrompida poucos anos depois, na década de 1970, quando o complexo estava quase finalizado. “O projeto ainda não estava totalmente concluído quando a Guerra Civil Libanesa eclodiu em 1975, e um novo uso ainda não foi encontrado”, conta o documento.
O complexo de Trípoli, a segunda maior cidade do Líbano, refletia o desejo do governo de se estabelecer como um país progressista em um período de rápido crescimento econômico.
“Tinha como objetivo servir de vitrine para o Líbano e sinalizar a visão moderna para o desenvolvimento do país. Considerado o rosto do modernismo libanês, passou a simbolizar os anos prósperos que antecederam o período de guerra civil que se seguiria”, analisa o relatório da Unesco.
Visão geral da Feira Internacional Rachid Karameh, no Líbano, idealizada por Oscar Niemeyer
Jad Tabet/Divulgação
A guerra durou até 1990 e, durante o conflito, o complexo foi usado por várias forças militares, época em que os edifícios sofreram com degradação e saques. Apesar disso, quase todas as estruturas foram preservadas conforme o projeto original de Niemeyer.
“Por sua escala, suas soluções estruturais ousadas, sua expressão arquitetônica, seus vastos espaços públicos e jardins modernistas, suas ligações com edifícios de identidade pós-independência e, apesar da deterioração da maioria de suas estruturas e da integridade de vários de seus componentes ameaçada pelo envelhecimento do concreto, a Feira Internacional Rachid Karami-Trípoli é uma das obras mais representativas da arquitetura moderna do século 20 nos Estados Árabes”, diz o site da World Heritage Convention da Unesco para justificar a inclusão do complexo como obra de Valor Universal Excepcional.
Após o fim da guerra, o então Parque de Exposições Internacional de Trípoli foi renomeado para Feira Internacional Rachid Karameh, em homenagem ao antigo primeiro-ministro de Trípoli, assassinado em 1987. O complexo passou, então, por duas grandes intervenções, em 1993 e em 1997, que renovaram algumas das edificações.
A deterioração de alguns edifícios da Feira Internacional Rachid Karameh, em Trípoli, no Líbano, é visível
Jad Tabet/Divulgação
Apesar disso, muitas outras seguiram abandonadas e estão sofrendo até hoje com a corrosão do aço e do concreto. Diversos planos e projetos foram elaborados para tentar dar novos usos ao conjunto.
Alguns deles incluíam a descaracterização quase que completa da obra arquitetônica. No entanto, não foram para a frente e, depois de quase virar um parque de diversões e feira de produtos chineses, a Feira Internacional Rachid Karameh segue de pé, mas ainda sem perspectiva futura de restauração e novos usos.
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Devido à situação de segurança que afetou o Líbano em 2024 por conta de conflitos com Israel, nenhuma ação foi tomada em relação ao complexo. Por isso, em novembro do ano passado, a feira foi inscrita na Lista Internacional de Bens Culturais sob Proteção Reforçada, segundo o Protocolo de 1999 à Convenção de Haia de 1954 para a Proteção de Propriedade Cultural em Caso de Conflito Armado.
Principais edifícios do complexo
A estrutura principal da Feira Internacional Rachid Karameh é o Grand Canopy, uma grande cobertura de concreto em formato de bumerangue, com 640 metros de comprimento por 70 metros de largura, sob a qual os vários países organizariam os seus pavilhões, que conecta todo o conjunto arquitetônico.
De acordo com relatório da Unesco, metade dessa estrutura foi reformada na década de 1990 e remodelada para servir como espaço para exposições e eventos. Um salão de conferências fechado também foi adicionado posteriormente. Todas as alterações, no entanto, são reversíveis. A outra parte, por outro lado, segue em avançado estado de degradação.
Pavilhão Libanês da Feira Internacional Rachid Karameh, projetada por Oscar Niemeyer
Jad Tabet/Divulgação
Outro edifício simbólico é o Pavilhão Libanês, uma estrutura quadrada com colunas que flutua em um espelho d’água. Seus arcos ogivais fazem clara referência à arquitetura tradicional libanesa. Quase concluído em 1975, o edifício deteriorou-se devido a saques e à falta de manutenção.
“Todos os elementos de acabamento foram perdidos, luminárias, vidros, piso e portas desapareceram e as estruturas de aço estão corroídas”, descreve o relatório da Unesco.
Já o Teatro Experimental, com capacidade para duas mil pessoas, fica sob uma cúpula de concreto de 60 metros de altura pintada de branco. A estrutura foi concluída em 1975, mas os equipamentos nunca foram instalados. Hoje, está se deteriorando, e a corrosão das armaduras de aço está causando bolhas e esfarelamento na superfície.
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A Torre do Reservatório de Água é um marco importante no complexo. Trata-se de um enorme cilindro de concreto com um restaurante e com terraço no topo, que permitiriam aos visitantes uma vista panorâmica da feira e da paisagem ao redor. Em estado crítico, segue fechado por segurança.
O Teatro ao Ar Livre é acessado por uma grande rampa, sobre a qual se ergue uma versão em concreto do Arco Gateway, do arquiteto finlandês Eero Saarinen, localizada na cidade de St. Louis, nos Estados Unidos. Os 600 assentos estão instalados em uma área inclinada em direção ao palco, instalado em uma “ilha” que flutua em uma piscina de água e é coberto por uma concha escultural para controle acústico.
O espaço foi usado ocasionalmente desde a década de 1990, mas um desabamento parcial em 2016 impediu o acesso do público por motivos de segurança.
Teatro Experimental, Torre do Reservatório de Água e Teatro ao Ar Livre da Feira Internacional Rachid Karameh, no Líbano
Jad Tabet/Divulgação
O Museu Espacial é acessado por uma longa ponte sobre uma piscina d’água, e sua área de exposições fica no subsolo. Uma coluna central escultural sustenta o heliponto, e uma escada circular de aço leva os visitantes até o topo.
“Na década de 1960, a corrida espacial era um tema importante sobre o qual muitos arquitetos e artistas desejavam refletir. Niemeyer compartilhava desse entusiasmo e projetou um pavilhão dedicado à odisseia espacial”, aponta a Unesco.
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Em estado de abandono, o museu no subsolo sofreu severa deterioração devido a inundações e saques. Todos os elementos de acabamento foram perdidos: luminárias, pavimento, equipamentos e portas.
Todo o espaço da Feira Internacional Rachid Karameh é cercado por jardins e espelhos d”água que refletem as construções ao redor e são ligados por pontes de concreto, que conectam os diferentes elementos do local. Reformados em 1990, atualmente estão inativos, com a estrutura de concreto degradada e os sistemas mecânicos enferrujados.
Jardins tropicais projetados por Oscar Niemeyer para a Feira Internacional Rachid Karameh, no Líbano
Jad Tabet/Divulgação
“Os espelhos d’água e os elementos paisagísticos sólidos ao redor dos edifícios são preservados de acordo com o projeto de Niemeyer, e os jardins tropicais continuam presentes e mantêm seu ‘espírito brasileiro'”, descreve o site da World Heritage Convention da Unesco.
O Pórtico de Entrada do complexo engloba uma rampa, uma cobertura com um pavilhão em arco e um espelho d’água com um jardim tropical. Reformadas na década de 1990, as estruturas do edifício estão em bom estado e foram adaptadas para uso administrativo.
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Também em uso atualmente, duas estruturas seguiram caminhos distintos. A Casa de Hóspedes, que originalmente acomodaria quartos como um hotel, foi reformada em 2016 e adaptada para servir como um polo de móveis, oferecendo espaços de produção e exposição para artesãos — hoje já desativado. Considerado um exemplo bem-sucedido de reutilização, o espaço conseguiu preservar a arquitetura do edifício sem a descaracterizar.
Por outro lado, o Protótipo de Moradia Coletiva, edifício idealizado por Niemeyer para acomodar as famílias dos funcionários da feira, foi completamente transformado sem levar em consideração o projeto original, em 2000, para abrigar um hotel.
Detalhes da arquitetura de Oscar Niemeyer no Pórtico de Entrada da Feira Internacional Rachid Karameh, no Líbano
Jad Tabet/Divulgação
O edifício sobre pilotis agrupava um total de dez apartamentos dúplex em quatro andares com grandes terraços-jardins, que hoje não existem mais. Ele havia sido concluído e totalmente equipado em 1975, mas foi ocupado e severamente danificado durante a guerra, com instalações e equipamentos deteriorados.
“Mas o que mais afetou a integridade do local foi a conversão do protótipo de habitação coletiva em um edifício hoteleiro multifuncional. Como já foi dito, essa intervenção afetou gravemente a qualidade arquitetônica do conjunto e apagou os vestígios do projeto original de Niemeyer”, aponta o relatório.

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