As referências de obras coloniais e dos mestres modernistas brasileiros orientam a carreira dos arquitetos Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci. Juntos desde 1979 no escritório Brasil Arquitetura (@brasilarquitetura), eles se dedicam a criar projetos em todo o país e no exterior com foco especial na funcionalidade e na simplicidade, utilizando materiais naturais, muitas vezes em estado bruto, como o concreto, a madeira e a pedra.
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“Para nós, é muito importante que os projetos tenham ligação com as raízes de cada lugar”, diz Francisco. “Os espaços devem provocar surpresa e emoção, que são a alma da arquitetura”, afirma Marcelo.
Formados pela FAU-USP – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo –, os dois nasceram na cidade de Cambuí, Minas Gerais, e são amigos desde crianças. Ainda estudante, Marcelo trabalhou com a arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi no projeto do Sesc Fábrica Pompeia, em São Paulo, primeira grande obra de recuperação de patrimônio industrial.
RETRATO | Os arquitetos Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz estão na sala de reuniões do escritório Brasil Arquitetura, em São Paulo, com retratos da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi ao fundo
Wesley Diego/Editora Globo
O aprendizado de nove anos influenciou no caminho que escolheu seguir com Francisco. A maioria de seus quase 400 projetos envolve prédios históricos e espaços públicos. A dupla valoriza mais vencer concursos para realizar essas obras relevantes do que receber prêmios. A seguir, a entrevista exclusiva para a Casa e Jardim.
Por que o nome Brasil Arquitetura?
FRANCISCO FANUCCI: Na época, tínhamos no escritório um toca-discos e ouvíamos o dia inteiro o LP Brasil, de João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia. Cogitamos vários nomes até que Marcelo sugeriu o do disco e ficou.
MARCELO FERRAZ: Por que não? Éramos muito ligados ao que acontecia no país. Em 1979 foi votada a anistia e havia forte vontade de retomar um Brasil interrompido pelo golpe militar. Nossos heróis eram os mestres Darcy Ribeiro, Gilberto Freire, Vilanova Artigas, Oscar Niemeyer. E tinha a influência de Lina, super brasileira e fanática pelo país. Coincidentemente, ou não, fazemos projetos Brasil afora.
Quais suas referências profissionais?
MF: São os modernistas brasileiros e a arquitetura colonial. O arquiteto Lúcio Costa e seu grupo foram os pioneiros da arquitetura moderna no país e, ao mesmo tempo, os fundadores do Instituto do Patrimônio Histórico, que preservou a memória da arquitetura antiga e colonial.
Trabalhamos pela essência. O projeto deve ser simples, sintético, uno. A arquitetura precisa evitar o desnecessário, superficial ou banal.”
RETRATO | O arquiteto e fundador do escritório Brasil Arquitetura, Marcelo Ferraz
Wesley Diego/Editora Globo
Como definem o trabalho do escritório?
MF: É forte o trabalho com patrimônio histórico, que desenvolvemos a partir das obras de Lina. Ela tinha olhar diverso do que era feito. Aprendemos a realizar intervenção com diálogo das arquiteturas de várias épocas. Outra marca dos nossos projetos é preservar e valorizar os aspectos e as identidades das comunidades de cada região, sempre com a visão da arquitetura contemporânea e das tecnologias.
FF: Para nós é importante que os projetos tenham ligação com as raízes de cada lugar. Fizemos prédio na Amazônia com referências da arquitetura local. No projeto do Sesc São Bernardo do Campo, usamos a linguagem dos edifícios da indústria com sheds e o prédio antigo dos Estúdios Vera Cruz.
Qual é a linguagem do escritório?
MF: Nossos projetos não têm linguagem formal. Dependem da situação, da contingência, da cultura, da geografia física e humana do lugar. E dos materiais e recursos financeiros e técnicos disponíveis. A arquitetura só é forma como consequência das ideias, dos espaços e da vida imaginada neles. Trabalhamos pela essência. O projeto deve ser simples, sintético, uno. A arquitetura atual tem muitas sobras, muitos materiais e layers. Precisa evitar o desnecessário, superficial ou banal.
Preferem usar quais materiais?
FF: Fazemos muitos projetos de concreto armado, que tem a vantagem de ser estrutura e vedação ao mesmo tempo. É um material resistente às intempéries e demanda pouca manutenção. A cada 50 anos, precisa fechar uns buraquinhos, às vezes, com ferragem exposta.
MF: Gostamos de pintar com cal a maioria das casas. Usamos piso de pedras naturais porque são duráveis e resistentes, e a madeira maciça, do jeito que é. Temos a história da verdade dos materiais.
Na borda de platô em Dom Viçoso, MG, a casa (2010) fica sobre fundação de concreto com pedras e tem paredes caiadas em contraste com a pintura da janela
Nelson Kon/Divulgação
Qual é a função da cor nos projetos?
MF: A cor é importante quando precisa destacar um ambiente, criar separação nos espaços, fazer um fundo. Mas, geralmente, pintamos quase tudo de branco.
FF: Na arquitetura popular brasileira, as casas são caiadas com barra colorida. Em 1996, vencemos concurso em Berlim propondo isso para mudar a aparência de prédios feitos no sistema pré-moldado soviético, que eram tristes. A Bosch desenvolveu tinta com efeito da textura do cal, recusado devido às intempéries locais.
Como começaram a desenhar móveis?
FF: Foi por conta do projeto do Sesc Pompeia, no qual Marcelo trabalhou nove anos com Lina. O escritório ficava no canteiro de obras. Lá, faziam os desenhos da arquitetura e os protótipos dos móveis.
MF: Depois, Lina quis desenhar cadeiras para os projetos de recuperação no centro histórico da Bahia. Em 1986, abrimos a Marcenaria Baraúna. Além de cadeiras, como a Girafa, que virou estrela, fazíamos móveis por encomenda. Hoje metade é mobiliário de linha. E criamos peças especiais para nossos projetos.
Qual a importância de criar móveis?
FF: O livro da Baraúna tem o nome “O mobiliário como Arquitetura”. Sentimos que é a mesma coisa. Muda a escala, o material, mas a postura ao fazer é igual. O mobiliário é parte do habitat humano.
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As questões do meio ambiente afetam o uso da madeira?
MF: O uso de madeira para móveis talvez seja um dos mais nobres. Uma mesa é feita para durar muito, mais de 100 anos. E trabalhamos com madeira certificada, de manejo sustentável.
FF: A madeira é um recurso renovável, diferente do combustível fóssil. O plantio e a exploração com manejo sustentável acontecem em muitos lugares no Brasil.
MF: Desde o início da Baraúna, algumas madeiras deixaram de existir, como a cabreúva, e outras estão proibidas. Hoje trabalhamos com as disponíveis, como ipê e tauari, e com o compensado naval.
É importante que os projetos tenham ligação com as raízes de cada lugar e os espaços públicos convidem e dêem prazer de estar ali.”
RETRATO | O arquiteto e fundador do escritório Brasil Arquitetura, Francisco Fanucci
Wesley Diego/Editora Globo
Como a arquitetura deve se adaptar às mudanças climáticas?
MF: O concreto virou vilão, mas ainda não temos substituto no Brasil. Em todos os países, ele é empregado nas grandes obras, pelo menos nas fundações. É um material fantástico e necessário, mas tem que usá-lo com menos desperdício e energia. Dizem que a arquitetura do futuro será de madeira, que não compete com o concreto. Já fizemos projetos de madeira. Nem sempre dá certo. E tem a questão da destruição da floresta com a exploração descontrolada, muitas vezes para o contrabando.
E o que acham da estrutura metálica?
MF: O Brasil é produtor de minério, mas tem pouco ferro na nossa indústria da construção civil. E é mais caro do que o concreto. Na Europa, tem um elenco fantástico de peças metálicas produzidas. Aqui são poucas, mas usamos sempre que possível. Não temos preconceito. Usamos todo tipo de material.
Como fica a memória de São Paulo com os novos empreendimentos imobiliários?
FF: São Paulo deve ser mais adensada porque tem o custo da infraestrutura de serviços públicos. Mas hoje isso se confunde com a verticalização que interessa às empresas de especulação imobiliária. Com leis absurdas, um bairro de casas, horizontal, desaparece para colocar supertorres.
MF: A questão é que, sob a missão de colocar a população de classes média e baixa para morar perto das estações de metrô e terminais de ônibus, não há o controle do uso do solo. Quem compra é de classe alta e média alta ou trabalha com a especulação de imóveis. O Estado é permissivo; não tem o domínio do uso da terra. Ao contrário do que dizem, no Brasil há a ausência de Estado. A cidade é a formalização de uso do espaço. Se é informal, vira o caos.
Como podem melhorar as cidades?
MF: A missão quase ideológica do arquiteto é lutar para ter mais praças, calçadas decentes e ruas estreitas. O carro é o vilão, não pode ser o grande beneficiado.
FF: Precisa batalhar para criar mais espaços públicos e ter transporte público eficiente. Se for construir prédio de 50 andares, deve deixar área livre grande em volta.
O que ainda querem projetar?
MF: Recebemos projetos variados, em todas as escalas. Já fizemos uma casinha de madeira no Paraná e recuperamos outra do século passado, no Rio Grande do Sul. Agora projetamos a sede nova da Google em São Paulo, no prédio do IPT na Cidade Universitária da USP.
FF: Já fizemos várias igrejas, duas sinagogas em São Paulo e três terreiros de candomblé, dois são patrimônio histórico, na Bahia. Tem a questão da liturgia e do patrimônio. Gostamos disso.
No projeto Praça das Artes, de 2006, no Centro de São Paulo, os edifícios de concreto armado com pigmento vermelho abrigam salas para atividades artísticas e ocupam as bordas do terreno irregular. Entre eles, grandes vazios, alguns a céu aberto, criam espaços de encontro e passagem pública
Leonardo Finotti/Divulgação
Falta fazer uma cidade?
MF: Estamos projetando loteamento em Jacobina, na Bahia, que é o começo de uma cidade com praça central, igreja, museu. E fizemos conjunto habitacional para 250 famílias na periferia de Salvador.
FF: Esses projetos são interessantes porque uma cidade é um grande espaço público. Na Praça das Artes, em São Paulo, o mais importante para nós foi criar um vazio central para o público.
MF: Ninguém pediu. Encomendaram espaços para a dança e a música, e botamos a praça no meio.
Em um dos edifícios da Praça das Artes, a luz solar entra por pequenas aberturas nas paredes de concreto aparente
Nelson Kon/Divulgação
É fácil propor o novo em projeto público?
MF: Sim. O projeto do museu Cais do Sertão, em Recife, nasceu da vontade de ter esse painel de cobogó na lateral do prédio para filtrar a forte luz solar. Em vez de cobogó geométrico, que surgiu em Pernambuco, criamos peça gigante com desenho revolto, como uma galhada do sertão.
FF: O museu funciona indoor e outdoor. Fizemos um vão livre enorme; uma área de sombra à beira mar, onde acontecem ações culturais. Ganhamos um prêmio na China com esse projeto.
O Museu Cais do Sertão, de 2009, em Recife, PE, tem enorme vão livre para olhar o mare painel com dois mil cobogós – cada um mede 1 x 1 m e pesa 140 kg – de concreto geopolimérico, sem armação de ferro, feitos no canteiro de obras
Nelson Kon/Divulgação
Onde buscam inspiração para os projetos?
MF: Sempre pelo tema. Cada projeto é uma viagem. Para esse museu em Recife, fizemos imersão no sertão pernambucano e, para o Museu do Pampa, nessa região gaúcha. Das viagens trazemos elementos que vão compor a arquitetura. Os prédios têm conteúdo ligado ao local.
FF: Nossos projetos têm peças da cultura popular. No auditório do Cais do Sertão, os painéis acústicos são revestidos com rendas feitas por mulheres da região.
MF: A renda é material artesanal que habita o auditório sofisticado de concreto protendido. Agora encomendamos para a associação de tecedeiras do Triângulo Mineiro um quilômetro de tapeçaria que revestirá as paredes acústicas no prédio da Google, uma das empresas mais avançadas e tecnológicas.
FF: O que as tecedeiras fazem é high tech, não é low tech. Elas trabalham as tramas com um mapinha do lado que é coisa binária, como o programa de computador.
MF: No concurso, propusemos combinações de trabalhos de tradição ancestral com os de tecnologia moderna, que no fundo são a mesma coisa.
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O que esperam da arquitetura no futuro?
MF: A construção civil trabalha de maneira atrasada. Espero que desenvolvam máquinas para diminuir o uso da força humana e ter maior controle de qualidade. Isso será legal para todos e não apenas para os poucos prédios da Faria Lima ou da Avenida Paulista. Na casa popular, seria o ideal.
Como é uma cidade ideal?
MF: O Sesc Pompeia é um micro exemplo de cidade ideal. Sem carro, onde as pessoas ficam livres e se sentem bem. As crianças podem correr e os adultos não ficam preocupados. Tem lugar para jovens e velhinhos. E todos se respeitam e se sentem donos do local.
FF: Fiquei impressionado em Tóquio com o serviço público altamente eficiente e a educação das pessoas que respeitam os espaços públicos. Acredito que a cidade ideal está naquele rumo.
As arquiteturas contemporânea e colonial dialogam no projeto do Museu Rodin, em Salvador, na Bahia, de 2002
Nelson Kon/Divulgação
Qual legado deixam para as novas gerações?
MF: Todo projeto pode ser melhorado e cuidamos para que seja bem executado e bastante utilizado. Se passamos algum recado, que seja a persistência e a insistência.
FF: O grande legado é nossa produção enorme de espaços propícios ao encontro das pessoas.
O escritório Brasil Arquitetura também assina a praça do Museu Rodin, em Salvador, na Bahia
Nelson Kon/Divulgação
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“Para nós, é muito importante que os projetos tenham ligação com as raízes de cada lugar”, diz Francisco. “Os espaços devem provocar surpresa e emoção, que são a alma da arquitetura”, afirma Marcelo.
Formados pela FAU-USP – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo –, os dois nasceram na cidade de Cambuí, Minas Gerais, e são amigos desde crianças. Ainda estudante, Marcelo trabalhou com a arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi no projeto do Sesc Fábrica Pompeia, em São Paulo, primeira grande obra de recuperação de patrimônio industrial.
RETRATO | Os arquitetos Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz estão na sala de reuniões do escritório Brasil Arquitetura, em São Paulo, com retratos da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi ao fundo
Wesley Diego/Editora Globo
O aprendizado de nove anos influenciou no caminho que escolheu seguir com Francisco. A maioria de seus quase 400 projetos envolve prédios históricos e espaços públicos. A dupla valoriza mais vencer concursos para realizar essas obras relevantes do que receber prêmios. A seguir, a entrevista exclusiva para a Casa e Jardim.
Por que o nome Brasil Arquitetura?
FRANCISCO FANUCCI: Na época, tínhamos no escritório um toca-discos e ouvíamos o dia inteiro o LP Brasil, de João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia. Cogitamos vários nomes até que Marcelo sugeriu o do disco e ficou.
MARCELO FERRAZ: Por que não? Éramos muito ligados ao que acontecia no país. Em 1979 foi votada a anistia e havia forte vontade de retomar um Brasil interrompido pelo golpe militar. Nossos heróis eram os mestres Darcy Ribeiro, Gilberto Freire, Vilanova Artigas, Oscar Niemeyer. E tinha a influência de Lina, super brasileira e fanática pelo país. Coincidentemente, ou não, fazemos projetos Brasil afora.
Quais suas referências profissionais?
MF: São os modernistas brasileiros e a arquitetura colonial. O arquiteto Lúcio Costa e seu grupo foram os pioneiros da arquitetura moderna no país e, ao mesmo tempo, os fundadores do Instituto do Patrimônio Histórico, que preservou a memória da arquitetura antiga e colonial.
Trabalhamos pela essência. O projeto deve ser simples, sintético, uno. A arquitetura precisa evitar o desnecessário, superficial ou banal.”
RETRATO | O arquiteto e fundador do escritório Brasil Arquitetura, Marcelo Ferraz
Wesley Diego/Editora Globo
Como definem o trabalho do escritório?
MF: É forte o trabalho com patrimônio histórico, que desenvolvemos a partir das obras de Lina. Ela tinha olhar diverso do que era feito. Aprendemos a realizar intervenção com diálogo das arquiteturas de várias épocas. Outra marca dos nossos projetos é preservar e valorizar os aspectos e as identidades das comunidades de cada região, sempre com a visão da arquitetura contemporânea e das tecnologias.
FF: Para nós é importante que os projetos tenham ligação com as raízes de cada lugar. Fizemos prédio na Amazônia com referências da arquitetura local. No projeto do Sesc São Bernardo do Campo, usamos a linguagem dos edifícios da indústria com sheds e o prédio antigo dos Estúdios Vera Cruz.
Qual é a linguagem do escritório?
MF: Nossos projetos não têm linguagem formal. Dependem da situação, da contingência, da cultura, da geografia física e humana do lugar. E dos materiais e recursos financeiros e técnicos disponíveis. A arquitetura só é forma como consequência das ideias, dos espaços e da vida imaginada neles. Trabalhamos pela essência. O projeto deve ser simples, sintético, uno. A arquitetura atual tem muitas sobras, muitos materiais e layers. Precisa evitar o desnecessário, superficial ou banal.
Preferem usar quais materiais?
FF: Fazemos muitos projetos de concreto armado, que tem a vantagem de ser estrutura e vedação ao mesmo tempo. É um material resistente às intempéries e demanda pouca manutenção. A cada 50 anos, precisa fechar uns buraquinhos, às vezes, com ferragem exposta.
MF: Gostamos de pintar com cal a maioria das casas. Usamos piso de pedras naturais porque são duráveis e resistentes, e a madeira maciça, do jeito que é. Temos a história da verdade dos materiais.
Na borda de platô em Dom Viçoso, MG, a casa (2010) fica sobre fundação de concreto com pedras e tem paredes caiadas em contraste com a pintura da janela
Nelson Kon/Divulgação
Qual é a função da cor nos projetos?
MF: A cor é importante quando precisa destacar um ambiente, criar separação nos espaços, fazer um fundo. Mas, geralmente, pintamos quase tudo de branco.
FF: Na arquitetura popular brasileira, as casas são caiadas com barra colorida. Em 1996, vencemos concurso em Berlim propondo isso para mudar a aparência de prédios feitos no sistema pré-moldado soviético, que eram tristes. A Bosch desenvolveu tinta com efeito da textura do cal, recusado devido às intempéries locais.
Como começaram a desenhar móveis?
FF: Foi por conta do projeto do Sesc Pompeia, no qual Marcelo trabalhou nove anos com Lina. O escritório ficava no canteiro de obras. Lá, faziam os desenhos da arquitetura e os protótipos dos móveis.
MF: Depois, Lina quis desenhar cadeiras para os projetos de recuperação no centro histórico da Bahia. Em 1986, abrimos a Marcenaria Baraúna. Além de cadeiras, como a Girafa, que virou estrela, fazíamos móveis por encomenda. Hoje metade é mobiliário de linha. E criamos peças especiais para nossos projetos.
Qual a importância de criar móveis?
FF: O livro da Baraúna tem o nome “O mobiliário como Arquitetura”. Sentimos que é a mesma coisa. Muda a escala, o material, mas a postura ao fazer é igual. O mobiliário é parte do habitat humano.
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As questões do meio ambiente afetam o uso da madeira?
MF: O uso de madeira para móveis talvez seja um dos mais nobres. Uma mesa é feita para durar muito, mais de 100 anos. E trabalhamos com madeira certificada, de manejo sustentável.
FF: A madeira é um recurso renovável, diferente do combustível fóssil. O plantio e a exploração com manejo sustentável acontecem em muitos lugares no Brasil.
MF: Desde o início da Baraúna, algumas madeiras deixaram de existir, como a cabreúva, e outras estão proibidas. Hoje trabalhamos com as disponíveis, como ipê e tauari, e com o compensado naval.
É importante que os projetos tenham ligação com as raízes de cada lugar e os espaços públicos convidem e dêem prazer de estar ali.”
RETRATO | O arquiteto e fundador do escritório Brasil Arquitetura, Francisco Fanucci
Wesley Diego/Editora Globo
Como a arquitetura deve se adaptar às mudanças climáticas?
MF: O concreto virou vilão, mas ainda não temos substituto no Brasil. Em todos os países, ele é empregado nas grandes obras, pelo menos nas fundações. É um material fantástico e necessário, mas tem que usá-lo com menos desperdício e energia. Dizem que a arquitetura do futuro será de madeira, que não compete com o concreto. Já fizemos projetos de madeira. Nem sempre dá certo. E tem a questão da destruição da floresta com a exploração descontrolada, muitas vezes para o contrabando.
E o que acham da estrutura metálica?
MF: O Brasil é produtor de minério, mas tem pouco ferro na nossa indústria da construção civil. E é mais caro do que o concreto. Na Europa, tem um elenco fantástico de peças metálicas produzidas. Aqui são poucas, mas usamos sempre que possível. Não temos preconceito. Usamos todo tipo de material.
Como fica a memória de São Paulo com os novos empreendimentos imobiliários?
FF: São Paulo deve ser mais adensada porque tem o custo da infraestrutura de serviços públicos. Mas hoje isso se confunde com a verticalização que interessa às empresas de especulação imobiliária. Com leis absurdas, um bairro de casas, horizontal, desaparece para colocar supertorres.
MF: A questão é que, sob a missão de colocar a população de classes média e baixa para morar perto das estações de metrô e terminais de ônibus, não há o controle do uso do solo. Quem compra é de classe alta e média alta ou trabalha com a especulação de imóveis. O Estado é permissivo; não tem o domínio do uso da terra. Ao contrário do que dizem, no Brasil há a ausência de Estado. A cidade é a formalização de uso do espaço. Se é informal, vira o caos.
Como podem melhorar as cidades?
MF: A missão quase ideológica do arquiteto é lutar para ter mais praças, calçadas decentes e ruas estreitas. O carro é o vilão, não pode ser o grande beneficiado.
FF: Precisa batalhar para criar mais espaços públicos e ter transporte público eficiente. Se for construir prédio de 50 andares, deve deixar área livre grande em volta.
O que ainda querem projetar?
MF: Recebemos projetos variados, em todas as escalas. Já fizemos uma casinha de madeira no Paraná e recuperamos outra do século passado, no Rio Grande do Sul. Agora projetamos a sede nova da Google em São Paulo, no prédio do IPT na Cidade Universitária da USP.
FF: Já fizemos várias igrejas, duas sinagogas em São Paulo e três terreiros de candomblé, dois são patrimônio histórico, na Bahia. Tem a questão da liturgia e do patrimônio. Gostamos disso.
No projeto Praça das Artes, de 2006, no Centro de São Paulo, os edifícios de concreto armado com pigmento vermelho abrigam salas para atividades artísticas e ocupam as bordas do terreno irregular. Entre eles, grandes vazios, alguns a céu aberto, criam espaços de encontro e passagem pública
Leonardo Finotti/Divulgação
Falta fazer uma cidade?
MF: Estamos projetando loteamento em Jacobina, na Bahia, que é o começo de uma cidade com praça central, igreja, museu. E fizemos conjunto habitacional para 250 famílias na periferia de Salvador.
FF: Esses projetos são interessantes porque uma cidade é um grande espaço público. Na Praça das Artes, em São Paulo, o mais importante para nós foi criar um vazio central para o público.
MF: Ninguém pediu. Encomendaram espaços para a dança e a música, e botamos a praça no meio.
Em um dos edifícios da Praça das Artes, a luz solar entra por pequenas aberturas nas paredes de concreto aparente
Nelson Kon/Divulgação
É fácil propor o novo em projeto público?
MF: Sim. O projeto do museu Cais do Sertão, em Recife, nasceu da vontade de ter esse painel de cobogó na lateral do prédio para filtrar a forte luz solar. Em vez de cobogó geométrico, que surgiu em Pernambuco, criamos peça gigante com desenho revolto, como uma galhada do sertão.
FF: O museu funciona indoor e outdoor. Fizemos um vão livre enorme; uma área de sombra à beira mar, onde acontecem ações culturais. Ganhamos um prêmio na China com esse projeto.
O Museu Cais do Sertão, de 2009, em Recife, PE, tem enorme vão livre para olhar o mare painel com dois mil cobogós – cada um mede 1 x 1 m e pesa 140 kg – de concreto geopolimérico, sem armação de ferro, feitos no canteiro de obras
Nelson Kon/Divulgação
Onde buscam inspiração para os projetos?
MF: Sempre pelo tema. Cada projeto é uma viagem. Para esse museu em Recife, fizemos imersão no sertão pernambucano e, para o Museu do Pampa, nessa região gaúcha. Das viagens trazemos elementos que vão compor a arquitetura. Os prédios têm conteúdo ligado ao local.
FF: Nossos projetos têm peças da cultura popular. No auditório do Cais do Sertão, os painéis acústicos são revestidos com rendas feitas por mulheres da região.
MF: A renda é material artesanal que habita o auditório sofisticado de concreto protendido. Agora encomendamos para a associação de tecedeiras do Triângulo Mineiro um quilômetro de tapeçaria que revestirá as paredes acústicas no prédio da Google, uma das empresas mais avançadas e tecnológicas.
FF: O que as tecedeiras fazem é high tech, não é low tech. Elas trabalham as tramas com um mapinha do lado que é coisa binária, como o programa de computador.
MF: No concurso, propusemos combinações de trabalhos de tradição ancestral com os de tecnologia moderna, que no fundo são a mesma coisa.
Leia mais
O que esperam da arquitetura no futuro?
MF: A construção civil trabalha de maneira atrasada. Espero que desenvolvam máquinas para diminuir o uso da força humana e ter maior controle de qualidade. Isso será legal para todos e não apenas para os poucos prédios da Faria Lima ou da Avenida Paulista. Na casa popular, seria o ideal.
Como é uma cidade ideal?
MF: O Sesc Pompeia é um micro exemplo de cidade ideal. Sem carro, onde as pessoas ficam livres e se sentem bem. As crianças podem correr e os adultos não ficam preocupados. Tem lugar para jovens e velhinhos. E todos se respeitam e se sentem donos do local.
FF: Fiquei impressionado em Tóquio com o serviço público altamente eficiente e a educação das pessoas que respeitam os espaços públicos. Acredito que a cidade ideal está naquele rumo.
As arquiteturas contemporânea e colonial dialogam no projeto do Museu Rodin, em Salvador, na Bahia, de 2002
Nelson Kon/Divulgação
Qual legado deixam para as novas gerações?
MF: Todo projeto pode ser melhorado e cuidamos para que seja bem executado e bastante utilizado. Se passamos algum recado, que seja a persistência e a insistência.
FF: O grande legado é nossa produção enorme de espaços propícios ao encontro das pessoas.
O escritório Brasil Arquitetura também assina a praça do Museu Rodin, em Salvador, na Bahia
Nelson Kon/Divulgação



