O kanso é um dos sete princípios estéticos da filosofia zen – frequentemente associado ao wabi-sabi – que representa a simplicidade ou a eliminação do que é supérfluo. Quer aprender a se livrar da confusão visual e criar um design que valoriza a pureza da forma? Continue a leitura e conheça o poder transformador desse conceito japonês.
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“A palavra ‘kanso’ é formada pelos ideogramas 簡 (kan) e 素 (so). O primeiro, kan, carrega o sentido de algo simples, direto, descomplicado; o segundo, so, significa essência, pureza, o que é natural em seu estado original. Juntos, eles expressam o coração da estética japonesa: a simplicidade essencial”, explica Lina Saheki, diretora do Centro Ásia, pesquisadora e professora de estética e cultura japonesa.
Neste closet, as roupas e os acessórios estão dispostos de maneira organizada, sem excesso de itens decorativos que não desempenham uma função específica no espaço. Projeto do arquiteto Daniel Wilges
Cristiano Bauce/Divulgação
No design e na arquitetura, isso se traduz em espaços que respiram, onde tudo tem propósito. “Não é ausência, é presença consciente. No meu trabalho, essa ideia sempre esteve presente. Busco a simplicidade sofisticada, aquela que nasce da pureza dos materiais, das formas orgânicas e da harmonia entre objeto, luz e espaço”, complementa o arquiteto Daniel Wilges.
Princípios da filosofia kanso
Nesta sala de jantar, há poucos itens, e cada um deles tem uma função específica. O mobiliário apresenta linhas simples e utiliza materiais naturais como madeira e palha, sendo funcional e sem excessos ornamentais. O projeto é do escritório Ohma, dos arquitetos Paloma Bresolin e Nicholas Oher
Felco/Divulgação
Kanso é uma filosofia de vida caracterizada pelo respeito ao ritmo e à suavidade do tempo. “No Brasil, há um diálogo profundo entre essa sensibilidade japonesa e a sabedoria dos povos originários, que também percebem a casa como extensão da terra e o espaço como algo vivo, que respira junto a quem o habita. A simplicidade nasce dessa relação com o natural — com o chão, a sombra, o vento e o tempo”, comenta Lina. Segundo a pesquisadora, essa estética e o modo de habitar são organizados em três eixos:
Eliminação da desordem: cada objeto tem um propósito e ocupa um lugar que faz sentido dentro do conjunto. O que permanece deve estar ali por necessidade, afeto ou beleza, jamais por distração.
Valorização do vazio: o espaço livre não é ausência, mas campo de respiro. É nele que a luz se move, que o som encontra eco e o olhar repousa. O vazio é o intervalo onde a forma se torna legível.
Clareza: formas simples, materiais naturais e cores neutras criam uma atmosfera de calma e honestidade. A clareza, no Kanso, não é apenas visual — é também emocional. É o estado em que o espaço e quem o habita entram em harmonia.
“Os princípios do kanso giram em torno da clareza, da leveza visual e da honestidade dos materiais. É sobre eliminar o supérfluo e revelar a verdade do objeto — a beleza da pedra como pedra, da madeira como madeira, da luz como protagonista”, destaca o arquiteto.
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Como determinar o que é essencial
Aplicar o kanso na decoração deve ser uma escolha intencional. “O primeiro passo e o mais importante é remover todos os objetos que não têm uma função clara ou um significado emocional profundo”, reforça a arquiteta Adriana Consulin.
Os elementos decorativos que integram essa decoração foram selecionados de forma intencional para adicionar textura e cor ao ambiente sem torná-lo excessivamente carregado. Projeto do Studio Mariana Kripka
Cristiano Bauce/Divulgação
Invista em poucas peças de alta qualidade, como uma única obra de arte significativa, uma luminária de design ou uma peça de mobiliário bem feita. Cada peça deve ser funcional e esteticamente agradável. Opte por móveis com linhas retas e design simples, sem excesso de detalhes ou ornamentos.
Cada elemento deste ambiente aparenta ter sido selecionado com intenção, desde o pequeno banco de madeira rústica, passando pelos livros empilhados, ao vaso de cerâmica simples. O projeto é da arquiteta e designer Melina Romano
Denilson Machado/MCA Estúdio/Divulgação
Daniel concorda: “é preferir um móvel autoral e atemporal, com matéria-prima natural, a muitos objetos decorativos sem significado. O design precisa convidar à calma por meio de peças, que ocupam o espaço com leveza, mesmo tendo presença”. Cada ambiente deve ter um ponto focal estabelecido e o restante do espaço deve complementar esse elemento central, sem competir com ele.
A valorização do espaço vazio
Na filosofia kanso, o espaço vazio (“ma”) é tão importante quanto os objetos. Lina esclarece que esses espaços “incompletos” não representam uma ausência, mas um convite: eles permitem que o olhar transite e proporcionam uma sensação de tranquilidade e amplitude, mesmo em locais pequenos.
Nesta suíte, o ambiente apresenta um design amplo e limpo, permitindo que o espaço “respire”, um princípio essencial na estética kanso para direcionar o foco aos elementos presentes. O projeto é do escritório Shinagawa Arquitetura
Evelyn Müller/Divulgação | Produção: Deborah Apsan/Divulgação
“Em um contexto brasileiro, isso pode ser visto em uma casa com paredes brancas e janelas amplas, onde o verde do lado de fora se torna parte da decoração; em móveis de madeira leve, que deixam o ar circular; ou em um canto vazio com apenas uma planta, uma cerâmica artesanal ou uma pedra encontrada — objetos simples, cercados por silêncio”, comenta Lina.
Neste projeto do escritório Gurgel D’Alfonso, o espaço vazio é valorizado, o que facilita a circulação e destaca o mobiliário, desafiando a ideia de que é necessário preencher todos os cantos para que um ambiente seja funcional e esteticamente agradável
Renato Navarro/Divulgação
A circulação deve ser natural, fluida, sem interrupções visuais. “Gosto, sempre que possível, de deixar espaços vazios no layout, áreas que permitem a contemplação, onde a beleza dos materiais aplicados se revela com mais clareza”, revela Daniel. “Deixe grandes áreas de paredes livres e certifique-se de que há bastante espaço entre os móveis. O design kanso preza por um fluxo fácil e desimpedido”, propõe Adriana.
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Conexão com a natureza
Nessa estética, a natureza é uma presença silenciosa, orgânica e viva. “Ela se manifesta nos materiais como madeira, pedra, cerâmica e linho; nas variações de luz e nas sombras que se movem ao longo do dia. É possível cultivar essa relação ao abrir espaço para a luz natural, usar elementos vivos, permitir os novos desenhos e texturas que o tempo imprime às superfícies”, evidencia Lina.
A utilização de madeira clara nos armários e a bancada com textura de pedra ou concreto contribui para a valorização de materiais autênticos e naturais, um dos princípios do kanso. O projeto é do Studio Guilherme Garcia
Fabio Severo Jr/Divulgação
Ela pode se manifestar não apenas por meio dos materiais, mas também das cores. “O kanso valoriza os tons que vêm da natureza — neutros, terrosos, brancos quentes, cinzas suaves, madeiras claras e pedras em tons crus. Gosto de trabalhar com uma base calma, que destaca a luz natural e acolhe o toque humano. A cor aparece nas texturas, nas variações de sombra, não no excesso”, acrescenta Daniel.
Os tons de cinza, branco e madeira predominam nesta sala, valorizando a neutralidade e a funcionalidade dos móveis que compõem o espaço. Projeto do StudioLIM
André Mortatti/Divulgação
As plantas têm um papel fundamental na decoração kanso. “Adicione plantas para trazer vida, mas escolha variedades com linhas limpas e formas esculturais, como uma planta-cobra ou uma orquídea. O objetivo é criar um ambiente que acalme a mente e permita que você se concentre no que realmente importa”, recomenda Adriana.
Incorporar plantas à decoração Kanso é essencial para criar um espaço que favoreça a tranquilidade e o equilíbrio, estabelecendo um vínculo com a natureza. Projeto da arquiteta Carolina Gava
João Paulo Soares de Oliveira/Divulgação
Outro elemento intimamente relacionado à natureza é a iluminação, usada para criar ambientes confortáveis e propícios à introspecção. “A luz no kanso é quase espiritual, ela revela o silêncio do ambiente. Trabalho muito com luz difusa, indireta e natural. A iluminação deve valorizar o respiro, não dominar o olhar”, diz o arquiteto.
Neste quarto de decoração simples, a entrada de luz natural é possibilitada pelos cobogós, que também criam uma ligação com a natureza e tornam o ambiente mais fresco e ventilado. O projeto é do escritório CoDA Arquitetura
Júlia Tótoli/Divulgação
Kanso versus minimalismo
Essas duas filosofias podem até parecer iguais, já que buscam a simplicidade, mas nascem de perspectivas diferentes. “O minimalismo parte de uma lógica racional — reduzir, depurar, ordenar. O kanso, ao contrário, é uma forma de percepção. Ele não busca eliminar, mas permitir que as coisas encontrem seu próprio lugar”, esclarece Lina.
Enquanto o kanso valoriza a beleza natural e a essência dos objetos, o minimalismo foca apenas na funcionalidade e na remoção de elementos. Projeto do escritório de Gabriel Valdivieso e Rodrigo Martins
Fran Parente/Divulgação
“Enquanto o minimalismo pode ser mais racional e geométrico, o Kanso é emocional e orgânico. O espaço tem alma, textura, imperfeição natural. O essencial não é frio — é vivo, natural, humano”, compara Daniel. “O kanso tem raízes mais profundas na estética e filosofia japonesa. Vai além do minimalismo, trata-se de eliminar o desnecessário para que o essencial possa brilhar”, acrescenta Adriana.
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Desafios na aplicação do Kanso
O ritmo acelerado da vida moderna é o maior desafio na aplicação dessa estética na decoração. “O kanso exige pausa, escuta, tempo — e o tempo se tornou um luxo. Vivemos cercados de excesso de objetos, de imagens, de urgências comunicacionais. Aplicar o Kanso hoje é quase um ato de resistência, um gesto de desaceleração”, considera Lina.
A simplicidade intencional desta decoração enaltece cada peça selecionada, criando uma experiência de espaço marcada pela limpeza visual sem excessos. Projeto do escritório La Rous Studio
Elton Rocha/Divulgação
Outro desafio é evitar que ele se reduza a estilo. “A simplicidade pode ser imitada visualmente, mas o kanso não é aparência — é postura interior. Exige uma mudança de olhar: trocar o desejo de possuir pelo prazer de perceber, substituir o acúmulo pela contemplação. Só assim o espaço volta a ter sentido”, ela garante.
A filosofia Kanso transcende a decoração, manifestando a autenticidade sem excessos. O resultado é a centralização dos elementos-chave, garantindo foco e clareza. Projeto do Studio Clarice Semerene
Fran Parente/Divulgação
O arquiteto acredita que, em espaços pequenos, o desafio é manter o essencial sem criar um vazio excessivo, enquanto nos espaços grandes, o cuidado deve ser evitar uma sensação de frieza na amplitude. “O kanso pede harmonia — não ausência. Em ambos, o segredo é a proporção e o ritmo: deixar o olhar caminhar sem obstáculos, mas com interesse”, observa Daniel.
Em um apartamento espaçoso, o vazio deve ser preenchido com móveis escolhidos cuidadosamente para evitar a impressão de que a decoração está incompleta. Prjeto da arquiteta Jake Munero
Ver.so Duo/Divulgação
Evolução do Kanso no futuro do design e da arquitetura
A diretora do Centro Ásia acredita que existe uma tendência de retorno ao básico. Após décadas de saturação, ruído, velocidade e acúmulo, as pessoas estão começando a apreciar o simples. No entanto, esse simples não é um vazio estéril, mas um vazio fértil, que acolhe a vida.
Na suíte principal do apartamento do arquiteto Vitor Penha, o que chama a atenção é a obra escultórica na parede, de autoria do próprio morador
Rafael Castro/Divulgação
“Conceitos como kanso, wabi -sabi e shibumi apontam para uma nova ética do habitar: casas que respiram, objetos que convivem com o tempo, ambientes que permitem silêncio. A estética japonesa tem muito a dizer ao futuro, porque fala daquilo que é mais antigo: a harmonia entre o ser e o espaço. Talvez o design do amanhã não precise inventar nada, apenas redescobrir as frestas por onde o vento passa”, conclui Lina.
O kanso está se tornando um pilar central na evolução do design e da arquitetura, especialmente em resposta aos desafios do século 21, sobretudo em contextos urbanos marcados pelo excesso. Projeto do escritório Arkitito Arquitetura
Andréa Soares/Divulgação
O kanso atua como um antídoto contra o excesso do mundo. “Um ambiente limpo, com proporção e luz equilibradas, também ajuda a organizar o pensamento. É o que busco transmitir, criando espaços que trazem bem-estar, leveza e verdade. Isso também se reflete no design e nas peças, que completam essa atmosfera de calma e essencialidade”, finaliza o arquiteto.
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“A palavra ‘kanso’ é formada pelos ideogramas 簡 (kan) e 素 (so). O primeiro, kan, carrega o sentido de algo simples, direto, descomplicado; o segundo, so, significa essência, pureza, o que é natural em seu estado original. Juntos, eles expressam o coração da estética japonesa: a simplicidade essencial”, explica Lina Saheki, diretora do Centro Ásia, pesquisadora e professora de estética e cultura japonesa.
Neste closet, as roupas e os acessórios estão dispostos de maneira organizada, sem excesso de itens decorativos que não desempenham uma função específica no espaço. Projeto do arquiteto Daniel Wilges
Cristiano Bauce/Divulgação
No design e na arquitetura, isso se traduz em espaços que respiram, onde tudo tem propósito. “Não é ausência, é presença consciente. No meu trabalho, essa ideia sempre esteve presente. Busco a simplicidade sofisticada, aquela que nasce da pureza dos materiais, das formas orgânicas e da harmonia entre objeto, luz e espaço”, complementa o arquiteto Daniel Wilges.
Princípios da filosofia kanso
Nesta sala de jantar, há poucos itens, e cada um deles tem uma função específica. O mobiliário apresenta linhas simples e utiliza materiais naturais como madeira e palha, sendo funcional e sem excessos ornamentais. O projeto é do escritório Ohma, dos arquitetos Paloma Bresolin e Nicholas Oher
Felco/Divulgação
Kanso é uma filosofia de vida caracterizada pelo respeito ao ritmo e à suavidade do tempo. “No Brasil, há um diálogo profundo entre essa sensibilidade japonesa e a sabedoria dos povos originários, que também percebem a casa como extensão da terra e o espaço como algo vivo, que respira junto a quem o habita. A simplicidade nasce dessa relação com o natural — com o chão, a sombra, o vento e o tempo”, comenta Lina. Segundo a pesquisadora, essa estética e o modo de habitar são organizados em três eixos:
Eliminação da desordem: cada objeto tem um propósito e ocupa um lugar que faz sentido dentro do conjunto. O que permanece deve estar ali por necessidade, afeto ou beleza, jamais por distração.
Valorização do vazio: o espaço livre não é ausência, mas campo de respiro. É nele que a luz se move, que o som encontra eco e o olhar repousa. O vazio é o intervalo onde a forma se torna legível.
Clareza: formas simples, materiais naturais e cores neutras criam uma atmosfera de calma e honestidade. A clareza, no Kanso, não é apenas visual — é também emocional. É o estado em que o espaço e quem o habita entram em harmonia.
“Os princípios do kanso giram em torno da clareza, da leveza visual e da honestidade dos materiais. É sobre eliminar o supérfluo e revelar a verdade do objeto — a beleza da pedra como pedra, da madeira como madeira, da luz como protagonista”, destaca o arquiteto.
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Como determinar o que é essencial
Aplicar o kanso na decoração deve ser uma escolha intencional. “O primeiro passo e o mais importante é remover todos os objetos que não têm uma função clara ou um significado emocional profundo”, reforça a arquiteta Adriana Consulin.
Os elementos decorativos que integram essa decoração foram selecionados de forma intencional para adicionar textura e cor ao ambiente sem torná-lo excessivamente carregado. Projeto do Studio Mariana Kripka
Cristiano Bauce/Divulgação
Invista em poucas peças de alta qualidade, como uma única obra de arte significativa, uma luminária de design ou uma peça de mobiliário bem feita. Cada peça deve ser funcional e esteticamente agradável. Opte por móveis com linhas retas e design simples, sem excesso de detalhes ou ornamentos.
Cada elemento deste ambiente aparenta ter sido selecionado com intenção, desde o pequeno banco de madeira rústica, passando pelos livros empilhados, ao vaso de cerâmica simples. O projeto é da arquiteta e designer Melina Romano
Denilson Machado/MCA Estúdio/Divulgação
Daniel concorda: “é preferir um móvel autoral e atemporal, com matéria-prima natural, a muitos objetos decorativos sem significado. O design precisa convidar à calma por meio de peças, que ocupam o espaço com leveza, mesmo tendo presença”. Cada ambiente deve ter um ponto focal estabelecido e o restante do espaço deve complementar esse elemento central, sem competir com ele.
A valorização do espaço vazio
Na filosofia kanso, o espaço vazio (“ma”) é tão importante quanto os objetos. Lina esclarece que esses espaços “incompletos” não representam uma ausência, mas um convite: eles permitem que o olhar transite e proporcionam uma sensação de tranquilidade e amplitude, mesmo em locais pequenos.
Nesta suíte, o ambiente apresenta um design amplo e limpo, permitindo que o espaço “respire”, um princípio essencial na estética kanso para direcionar o foco aos elementos presentes. O projeto é do escritório Shinagawa Arquitetura
Evelyn Müller/Divulgação | Produção: Deborah Apsan/Divulgação
“Em um contexto brasileiro, isso pode ser visto em uma casa com paredes brancas e janelas amplas, onde o verde do lado de fora se torna parte da decoração; em móveis de madeira leve, que deixam o ar circular; ou em um canto vazio com apenas uma planta, uma cerâmica artesanal ou uma pedra encontrada — objetos simples, cercados por silêncio”, comenta Lina.
Neste projeto do escritório Gurgel D’Alfonso, o espaço vazio é valorizado, o que facilita a circulação e destaca o mobiliário, desafiando a ideia de que é necessário preencher todos os cantos para que um ambiente seja funcional e esteticamente agradável
Renato Navarro/Divulgação
A circulação deve ser natural, fluida, sem interrupções visuais. “Gosto, sempre que possível, de deixar espaços vazios no layout, áreas que permitem a contemplação, onde a beleza dos materiais aplicados se revela com mais clareza”, revela Daniel. “Deixe grandes áreas de paredes livres e certifique-se de que há bastante espaço entre os móveis. O design kanso preza por um fluxo fácil e desimpedido”, propõe Adriana.
Leia mais
Conexão com a natureza
Nessa estética, a natureza é uma presença silenciosa, orgânica e viva. “Ela se manifesta nos materiais como madeira, pedra, cerâmica e linho; nas variações de luz e nas sombras que se movem ao longo do dia. É possível cultivar essa relação ao abrir espaço para a luz natural, usar elementos vivos, permitir os novos desenhos e texturas que o tempo imprime às superfícies”, evidencia Lina.
A utilização de madeira clara nos armários e a bancada com textura de pedra ou concreto contribui para a valorização de materiais autênticos e naturais, um dos princípios do kanso. O projeto é do Studio Guilherme Garcia
Fabio Severo Jr/Divulgação
Ela pode se manifestar não apenas por meio dos materiais, mas também das cores. “O kanso valoriza os tons que vêm da natureza — neutros, terrosos, brancos quentes, cinzas suaves, madeiras claras e pedras em tons crus. Gosto de trabalhar com uma base calma, que destaca a luz natural e acolhe o toque humano. A cor aparece nas texturas, nas variações de sombra, não no excesso”, acrescenta Daniel.
Os tons de cinza, branco e madeira predominam nesta sala, valorizando a neutralidade e a funcionalidade dos móveis que compõem o espaço. Projeto do StudioLIM
André Mortatti/Divulgação
As plantas têm um papel fundamental na decoração kanso. “Adicione plantas para trazer vida, mas escolha variedades com linhas limpas e formas esculturais, como uma planta-cobra ou uma orquídea. O objetivo é criar um ambiente que acalme a mente e permita que você se concentre no que realmente importa”, recomenda Adriana.
Incorporar plantas à decoração Kanso é essencial para criar um espaço que favoreça a tranquilidade e o equilíbrio, estabelecendo um vínculo com a natureza. Projeto da arquiteta Carolina Gava
João Paulo Soares de Oliveira/Divulgação
Outro elemento intimamente relacionado à natureza é a iluminação, usada para criar ambientes confortáveis e propícios à introspecção. “A luz no kanso é quase espiritual, ela revela o silêncio do ambiente. Trabalho muito com luz difusa, indireta e natural. A iluminação deve valorizar o respiro, não dominar o olhar”, diz o arquiteto.
Neste quarto de decoração simples, a entrada de luz natural é possibilitada pelos cobogós, que também criam uma ligação com a natureza e tornam o ambiente mais fresco e ventilado. O projeto é do escritório CoDA Arquitetura
Júlia Tótoli/Divulgação
Kanso versus minimalismo
Essas duas filosofias podem até parecer iguais, já que buscam a simplicidade, mas nascem de perspectivas diferentes. “O minimalismo parte de uma lógica racional — reduzir, depurar, ordenar. O kanso, ao contrário, é uma forma de percepção. Ele não busca eliminar, mas permitir que as coisas encontrem seu próprio lugar”, esclarece Lina.
Enquanto o kanso valoriza a beleza natural e a essência dos objetos, o minimalismo foca apenas na funcionalidade e na remoção de elementos. Projeto do escritório de Gabriel Valdivieso e Rodrigo Martins
Fran Parente/Divulgação
“Enquanto o minimalismo pode ser mais racional e geométrico, o Kanso é emocional e orgânico. O espaço tem alma, textura, imperfeição natural. O essencial não é frio — é vivo, natural, humano”, compara Daniel. “O kanso tem raízes mais profundas na estética e filosofia japonesa. Vai além do minimalismo, trata-se de eliminar o desnecessário para que o essencial possa brilhar”, acrescenta Adriana.
Leia mais
Desafios na aplicação do Kanso
O ritmo acelerado da vida moderna é o maior desafio na aplicação dessa estética na decoração. “O kanso exige pausa, escuta, tempo — e o tempo se tornou um luxo. Vivemos cercados de excesso de objetos, de imagens, de urgências comunicacionais. Aplicar o Kanso hoje é quase um ato de resistência, um gesto de desaceleração”, considera Lina.
A simplicidade intencional desta decoração enaltece cada peça selecionada, criando uma experiência de espaço marcada pela limpeza visual sem excessos. Projeto do escritório La Rous Studio
Elton Rocha/Divulgação
Outro desafio é evitar que ele se reduza a estilo. “A simplicidade pode ser imitada visualmente, mas o kanso não é aparência — é postura interior. Exige uma mudança de olhar: trocar o desejo de possuir pelo prazer de perceber, substituir o acúmulo pela contemplação. Só assim o espaço volta a ter sentido”, ela garante.
A filosofia Kanso transcende a decoração, manifestando a autenticidade sem excessos. O resultado é a centralização dos elementos-chave, garantindo foco e clareza. Projeto do Studio Clarice Semerene
Fran Parente/Divulgação
O arquiteto acredita que, em espaços pequenos, o desafio é manter o essencial sem criar um vazio excessivo, enquanto nos espaços grandes, o cuidado deve ser evitar uma sensação de frieza na amplitude. “O kanso pede harmonia — não ausência. Em ambos, o segredo é a proporção e o ritmo: deixar o olhar caminhar sem obstáculos, mas com interesse”, observa Daniel.
Em um apartamento espaçoso, o vazio deve ser preenchido com móveis escolhidos cuidadosamente para evitar a impressão de que a decoração está incompleta. Prjeto da arquiteta Jake Munero
Ver.so Duo/Divulgação
Evolução do Kanso no futuro do design e da arquitetura
A diretora do Centro Ásia acredita que existe uma tendência de retorno ao básico. Após décadas de saturação, ruído, velocidade e acúmulo, as pessoas estão começando a apreciar o simples. No entanto, esse simples não é um vazio estéril, mas um vazio fértil, que acolhe a vida.
Na suíte principal do apartamento do arquiteto Vitor Penha, o que chama a atenção é a obra escultórica na parede, de autoria do próprio morador
Rafael Castro/Divulgação
“Conceitos como kanso, wabi -sabi e shibumi apontam para uma nova ética do habitar: casas que respiram, objetos que convivem com o tempo, ambientes que permitem silêncio. A estética japonesa tem muito a dizer ao futuro, porque fala daquilo que é mais antigo: a harmonia entre o ser e o espaço. Talvez o design do amanhã não precise inventar nada, apenas redescobrir as frestas por onde o vento passa”, conclui Lina.
O kanso está se tornando um pilar central na evolução do design e da arquitetura, especialmente em resposta aos desafios do século 21, sobretudo em contextos urbanos marcados pelo excesso. Projeto do escritório Arkitito Arquitetura
Andréa Soares/Divulgação
O kanso atua como um antídoto contra o excesso do mundo. “Um ambiente limpo, com proporção e luz equilibradas, também ajuda a organizar o pensamento. É o que busco transmitir, criando espaços que trazem bem-estar, leveza e verdade. Isso também se reflete no design e nas peças, que completam essa atmosfera de calma e essencialidade”, finaliza o arquiteto.



