A importância de redescobrir o lado bom das cidades em que vivemos

Sou de uma geração que buscava alçar voos mais longes para o seu futuro, conhecer lugares diferentes, viver novas culturas. A galera que sonhava com o intercâmbio, morar fora, ir para as maiores capitais do mundo, as praias mais lindas, poder trabalhar em grandes empresas, corporações, super escritórios, agências de cidades grandes. E isso de fato aconteceu: grande parte dos meus amigos e contemporâneos acabaram por mudar de cidade e, inclusive, de país em busca do novo.
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Quando vamos visitar alguma cidade, é comum fazermos um levantamento de lugares interessantes para conhecer. As exposições que estão em cartaz e o acervo permanente dos museus. Quais são os parques, onde estão as ciclovias, as edificações históricas, os bares, os restaurantes mais clássicos, e as novidades. Entretanto, é muito comum sermos os porta-vozes desses espaços para quem mora lá, que, talvez pelo comodismo de estar próximo desses programas, nunca os tenha feito.
Quando vim morar em Porto Alegre, RS, ainda estudante, andando de transporte público, acabei por cruzar o centro da cidade na rotina de ir pra faculdade. Decorei o mapa de cabo a rabo, sabendo a linhas de ônibus e aonde levavam. Lembro de encontrar meus primos nas festas de família, nascidos aqui na capital, e eles ficarem surpresos quando eu contava os lugares bacanas que conhecia e frequentava. Moradores de um bairro mais distante do centro, eles apenas tinham frequentado a região em algum passeio de escola ou por alguma questão de cunho legal, quando precisaram emitir algum documento.
Projeto do arquiteto português Alvaro Siza, o museu Iberê Camargo está no mapa da arquitetura mundial. As rampas lembram túneis acoplados ao edifíc.
Ricardo Rmx/Wikimedia Commons
Vou além: aqui em Porto Alegre temos uma obra monumental do arquiteto Álvaro Siza, o museu Iberê Camargo que expõe, além do acervo do pintor, mostras interessantíssimas de arte contemporânea que rodam o mundo. Pois então, esses mesmos primos, que já conheceram dezenas de centros culturais pelo mundo, nunca entraram nesse incrível museu, que existe há quase duas décadas na sua cidade! Fiquei chocado. Mas, em um segundo momento, fiz o caminho inverso: o que eu conhecia a fundo da parte cultural da minha cidade natal, e o que frequentava enquanto morava lá?
Perto da casa dos meus pais, na cidade onde nasci, Caxias do Sul, RS, há um centro cultural, dadas as proporções, bem interessante, com um cinema de programação fora do mainstream. Alguns filmes superbacanas estão em cartaz por lá, muitas vezes sendo o único lugar de exibição em todo o estado! E isso existe desde quando eu ainda era adolescente. Agora, me pergunte quantas vezes já assisti algo lá? A resposta é uma. Pois é, o comodismo e a idealização de que algo interessante precisa estar fora da nossa rotina e do lugar em que moramos acaba nos paralisando, simplificando.
Em São Paulo, o terreno que pertenceu ao antigo Colégio Dex Oliseaux virou o Parque Augusta, uma espécie de “praia de paulistas”, onde os frequentadores usam roupas de banho para tomar sol no jardim
Divulgação
Outro movimento comum que percebo nesses amigos nômades é que, ao voltarem para visitar suas cidades locais, meio que redescobrem lugares. Em espaços que nunca haviam dado atenção, entendem e, inclusive, percebem charme na dinâmica e na qualidade de vida que oferecem.
Há também um fator de mudança nas mãos de quem propõe atividades no comércio, na cultura, uma renovação geracional. O segredo também está em criar esse hábito; apropriar-se do espaço público onde se vive, conseguir ver o lado bom do que acontece, seja onde for.
Não tem nada pior do que viver apenas reclamando do lugar em que se mora. Se você é convicto desse descontentamento, faça o movimento, vá achar seu espaço no mundo. Um lugar que o estimule, onde haja algo que te faça sentir parte, uma comunidade, programas culturais, belas paisagens, um bairro acolhedor. Agora, perceba também o quanto desse destino não tem de idealização e adiamento do simples viver o cotidiano, sem querer parecer simplista ou mesmo conformista.
Os antigos armazéns portuários no Recife antigo passaram por um projeto de revitalização, integração e permeabilidade visual entre a rua e a orla, criando espaços de convívio, comércio e bares junto ao mar
Portal da Copa/ME/Wikimedia Commons
Para podermos questionar a maneira que uma cidade se organiza, o que ela propõe, é fundamental conhecermos o que ela oferece, furar a bolha dos nossos hábitos cômodos, sair da proximidade de onde vivemos. Conhecer outros cantos, realidades, culturas, entender que o que faz de um espaço ser grande e bem-sucedido é a diversidade de público que ele congrega. Nada é mais sucesso para mim do que ver um parquinho com crianças de diferentes lugares brincando juntas, formando laços, entendendo a pluralidade da sociedade.
Eu tento viver o lado bom da minha cidade, focar nas qualidades que ela oferece. Uma cidade arborizada, grande, mas que ao mesmo tempo consigo cruzar em pouco mais de meia hora. Onde as pessoas são fascinadas com o espaço público. Aos finais de semana, a orla enche de habitantes dos mais diversos lugares, onde a agenda cultural e gastronômica é rica em opções. É claro, cheia de problemas, especulação imobiliária, falta de manutenção e já teve dias melhores. Ainda assim, sobrevive e mantém seu charme e qualidade de vida.
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É interessante a sensação de pertencimento ao lugar onde vivemos. É muito importante, gostoso, interessante e enriquecedor viajar, ter novas experiências, ver realidades diferentes, mais evoluídas em certos aspectos, encher a mala de bagagens e novas visões. Mas também é maravilhoso poder voltar para onde se escolheu viver, onde nos identificamos e nos sentimos no nosso lar.

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