As propostas audaciosas de Zohran Mamdani para uma Nova York mais justa e solidária

Eleito na última quarta-feira (5) prefeito de Nova York, o democrata Zohran Mamdani chegou ao poder da maior cidade dos Estados Unidos com propostas progressistas (e polêmicas). Declaradamente socialista, o político estruturou sua campanha em quatro eixos principais: congelamento dos aluguéis, transporte público gratuito, creches universais e gratuitas, e criação de supermercados públicos.
Nova York enfrenta uma das piores crises habitacionais de sua história. Segundo relatório da empresa RentHop, o aluguel médio na cidade atingiu US$ 4.700 em junho de 2025. Ainda, um levantamento da Realtor.com referente ao segundo trimestre de 2025 aponta que o valor do aluguel representa 55% da renda familiar média, o que significa que a maioria dos locatários compromete mais da metade de sua renda bruta com moradia.
Esses problemas são reflexo, em parte, da financeirização dos imóveis. Como analisa a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e coordenadora do Laboratório Direito à Cidade e Espaço Público, “o solo urbano — inclusive o residencial — transformou-se em ativo financeiro global, deixando de ser visto como direito ou necessidade básica e passando a ser tratado como investimento”.
LEIA MAIS
Vai construir ou reformar? Seleção Archa + Casa Vogue ajuda você a encontrar o melhor arquiteto para seu projeto
“A City We Can Afford”
Em primeiro lugar, Raquel Rolnik explica que o termo “congelamento” de aluguéis não é tecnicamente preciso. “A medida não busca paralisar os valores, mas estabelecer limites para as correções, que são aprovadas pelo Conselho de Diretrizes de Aluguel (Rent Guidelines Board)”, esclarece. Esse órgão é responsável por determinar os ajustes anuais de aluguel para apartamentos e lofts estabilizados na cidade de Nova York.
Vale ressaltar que a proposta ainda incide sobre um tipo específico de imóvel: os apartamentos com aluguéis controlados ou estabilizados, que somam quase 1 milhão de unidades em Nova York. O regime de rent stabilization abrange edifícios com seis ou mais unidades construídos entre 1947 e 1973, enquanto o rent control é ainda mais antigo, aplicando-se a imóveis erguidos antes de 1947, geralmente com inquilinos de longa data.
“Desde os anos 1970, há uma legislação que protege os aluguéis residenciais, garantindo que os reajustes acompanhem a inflação, sem o componente especulativo. Mas, com a financeirização da moradia — especialmente a partir dos anos 1990 —, esses mecanismos foram sendo enfraquecidos”, explica Raquel. Assim, a proposta de Mamdani visa frear aumentos abusivos e fortalecer o estoque de moradias acessíveis. “Essa história de ‘congelamento’ é fake news — o que existe é controle de aluguéis”, complementa a urbanista.
Além de tornar a moradia mais acessível, a medida traz efeitos indiretos sobre o bem-estar da população. “Quando as famílias gastam menos com aluguel, sobra mais para alimentação, educação e lazer. Isso melhora a saúde pública, reduz endividamento e quebra o ciclo da pobreza”, destaca Rodrigo Iacovini, coordenador do setor Escola da Cidadania do Instituto Pólis, uma ONG que se dedica à promoção do Direito à Cidade desde 1987. “Para os proprietários, a medida é equitativa. A cidade melhora como um todo: menos desigualdade significa menos violência e mais segurança. A proposta só é negativa para grandes fundos imobiliários, que lucram com especulação e mantêm imóveis vazios esperando valorização”, completa.
Initial plugin text
O plano de Mamdani também prevê reforço no investimento em habitação social. A New York City Housing Authority (NYCHA), agência pública responsável pelas moradias acessíveis da cidade, administra cerca de 170 mil unidades — o maior estoque público dos EUA. Ainda assim, havia 241.178 famílias na lista de espera por uma unidade até dezembro de 2023, segundo dados oficiais da agência. “Essas mudanças são reformistas, não revolucionárias. Buscam apenas tornar o sistema mais justo e sustentável”, avalia Rodrigo. O lema da campanha de Mamdani, portanto, resume o espírito de suas propostas: “A City We Can Afford” — “Uma cidade que podemos pagar”, em tradução livre.
Direito de ir e vir
Os ônibus de Nova York são considerados os mais lentos do Brasil
LeoPatrizi/Getty Images
Outra bandeira central do novo prefeito é a gratuidade e eficiência do transporte público por ônibus. Atualmente, a tarifa é de US$ 2,90, e a velocidade média, de apenas 13 km/h, conferindo à Nova York o posto de cidade com os ônibus mais lentos dos Estados Unidos, segundo dados da Metropolitan Transportation Authority (MTA) e do Generalized Transit Feed Specification (GTFS).
“Com o aumento do custo de vida, o transporte se tornou um fator central da exclusão urbana. A falta de moradia acessível empurrou os trabalhadores para longe do centro, aumentando a dependência do transporte público”, explica Raquel. Como a gestão do sistema é pública — feita pela MTA —, Mamdani pretende fortalecer a agência e ampliar sua eficiência. A estimativa é que o programa de gratuidade custe menos de US$ 800 milhões por ano.
Além dos benefícios promovidos aos usuários, a medida vai além: “É capaz de reduzir o uso do transporte individual motorizado, melhorar o ar, diminuir o trânsito e contribuir para o combate às mudanças climáticas”, diz Rodrigo Iacovini.
A realidade brasileira
No Brasil, o peso do aluguel também compromete o orçamento familiar. Um estudo do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), encomendado pelo QuintoAndar, mostra que 24,1% da renda das famílias paulistanas é destinada ao aluguel. Entre famílias com renda entre R$ 1.908 e R$ 2.860, o percentual sobe para 28,9%, e chega ao ápice de 44,3% entre as que ganham até R$ 1.908.
LEIA MAIS
O contraste é ainda mais alarmante diante dos 87.427 imóveis vazios no centro de São Paulo, conforme informa o Censo 2022 do IBGE. Segundo o estudo Morar no centro como estratégia de mitigação climática, realizado pelo Instituto Pólis em 2024, existem também 3.408 terrenos ociosos nesta região, que somam 2,5 milhões de m². Com o aproveitamento desse potencial construtivo, seria possível erguer 114.876 novas moradias — o suficiente para atender 100% da população em situação de rua ou 91% dos moradores de áreas de risco.
São Paulo também enfrenta uma crise habitacional
StockLapse/Getty Images
Para Rodrigo, a regulação dos aluguéis é um passo essencial para conter a especulação imobiliária. “Seria muito importante que o Brasil se inspirasse em algumas experiências internacionais para regular melhor os aluguéis. Há um mito de que regular desestimula locações ou prejudica pequenos proprietários. Na verdade, a regulação protege o inquilino, que é o elo mais frágil da relação”, afirma.
Entretanto, os especialistas alertam que a regulação sozinha não resolve a crise habitacional brasileira. “O mercado residencial aqui é muito diferente do norte-americano. Vivemos uma emergência habitacional grave, e o foco federal em crédito subsidiado para compra da casa própria não atende as famílias de baixa renda (que ganham até três salários mínimos). Precisamos pensar em políticas de locação social, por exemplo”, defende Raquel Rolnik.
Ainda, segundo levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), 145 municípios brasileiros já oferecem transporte público gratuito, seja total ou parcial. Em São Paulo, porém, a tarifa zero é restrita aos domingos, medida considerada ineficaz pelos especialistas. “É o dia de menor demanda. Se aplicada em dias úteis, traria impactos reais e dados concretos para aprimorar o sistema”, avalia Rodrigo.
No Brasil, o transporte coletivo é gerido pelo poder público, mas operado majoritariamente por empresas privadas, por meio de concessões ou parcerias público-privadas. Nesse contexto, tramita no Congresso a PEC 25/2023, que propõe a criação do Sistema Único de Mobilidade (SUM) — um modelo semelhante ao SUS, com gestão integrada entre União, estados e municípios, e financiamento voltado à tarifa zero.
“O pagamento da tarifa nunca garantiu qualidade. É um mito, difundido por setores empresariais e públicos, que a gratuidade piora o serviço. Não há dados que sustentem isso”, diz Rodrigo. “O modelo atual, baseado na tarifa como principal fonte de receita, é falido: privilegia linhas lucrativas e deixa as periferias desatendidas. Precisamos discutir novas formas de financiamento e um modelo que priorize o direito à mobilidade”, conclui Raquel.
🏡 Casa Vogue agora está no WhatsApp! Clique aqui e siga nosso canal
Revistas Newsletter

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima