Sítio Roberto Burle Marx: a expressão máxima do paisagista no Rio de Janeiro

Era 1949 quando Guilherme Siegfried Burle Marx, irmão mais novo do paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994), saiu pelo Rio de Janeiro em busca de um novo local de trabalho. Precisava de um terreno com abundância de água para cultivar as plantas que abasteceriam versões dos célebres jardins projetados por Roberto em todo o Brasil. Na Barra de Guaratiba, encontrou um espaço que pertencera a padres jesuítas desde o séc. 17. Ali, a cerca de uma hora e meia do escritório no bairro do Leme, no então Sítio Santo Antônio da Bica, consolidou-se a parceria de dois irmãos de perfis distintos e complementares.
LEIA MAIS
Vai construir ou reformar? Seleção Archa + Casa Vogue ajuda você a encontrar o melhor arquiteto para o seu projeto
Detalhe de um eucalipto-arco-íris
Filippo Bamberghi
Roberto assumiu a pesquisa e o cultivo de espécies em viveiros e áreas ajardinadas junto da Mata Atlântica local, dando origem a um ecossistema extraordinário – hoje com mais de 3,5 mil espécies de plantas exóticas, raras e nativas. A Sieg coube a administração e a expansão desse patrimônio, que incorporou terrenos vizinhos até alcançar a impressionante marca de 400 mil m². Em 1985, o sítio recebeu o nome definitivo de Sítio Roberto Burle Marx ao ser doado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Trinta e seis anos depois, em 2021, foi reconhecido pela Unesco como Patrimônio Mundial, celebrado por seu valor natural, artístico e cultural.
+ Brasileiríssima, casa de vila preserva memórias do interior no meio da cidade
Vista dos fundos do espaço de trabalho, com pedras de cantaria
Filippo Bamberghi
A sala de estar do ateliê exibe mesa de centro e banco de Maurício Azeredo, obras de arte popular e criações de Roberto Burle Marx, como o lustre e o desenho no teto
Filippo Bamberghi
A cascata, que emerge do espelho d’água situado sobre a laje da construção, deságua no lago ao lado do salão
Filippo Bamberghi
Na parede do salão de festas, conhecido como cozinha de pedra, projetado por Rubem Breitman e Haroldo Barroso Beltrão, figura o painel de cerâmica de autoria de Burle Marx
Filippo Bamberghi
A sala de jantar tem mesa com toalha que reproduz desenhos de Burle Marx e coleção de cristais
Filippo Bamberghi
Uma das melhores formas de compreender esse universo verde e poético é seguir os passos de Ana Cecilia Burle Marx, filha de Sieg e sobrinha de Roberto, criada imersa naquele ambiente. “Era uma casa grande, de família, onde tudo podia ser arte e intelectualidade”, recorda. Da pintura e escultura excepcionais à arquitetura que reinventa o colonial com um brutalismo de pedras empilhadas – sem esquecer, claro, do paisagismo exuberante –, tudo ali reflete a criação de Roberto, um artista completo. Quase todo o acervo que ele reuniu ao longo da vida (cerâmicas pré-colombianas e brasileiras, arte sacra barroca, obras de outros artistas, objetos e o mobiliário original) está hoje em exposição na casa-museu.
+ Ode ao moderno: a casa do gastrônomo João Grinspum Ferraz, em São Paulo
Na sala de música, coleção de cerâmicas pré-colombianas
Filippo Bamberghi
Um dos banheiros da residência
Filippo Bamberghi
Vista da varanda da Casa de Roberto
Filippo Bamberghi
A loggia é revestida por um painel de azulejos de Burle Marx
Filippo Bamberghi
O jardim em frente à Casa de Roberto é amparado por parede escultórica com cascata e bromélias
Filippo Bamberghi
“A música vinha do piano de cauda da minha avó e da voz desse anfitrião-barítono, que cantava com alma os lieder alemães de Schubert, Schumann e Mozart. Eu o acompanhava em muitas sessões musicais”, relembra Ana. Nos fins de semana, os longos almoços reuniam a intelligentsia brasileira e internacional – de Jorge Amado a Pablo Neruda, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes a Paco de Lucía. A culinária, marcada por cores, texturas e temperos vindos do mundo inteiro, tinha um perfume inconfundível de peixes e frutos do mar. “Tudo girava em torno de uma grande mesa, onde os convidados mergulhavam em sensações ainda não vividas. Na Casa de Roberto, uma entre as sete construções do sítio, com seus sete lagos e pontes, a banalidade simplesmente não existia.”
+ Guá Arquitetura cria moradia permeada por cultura e artesanato locais em Belém
Em uma das varandas, a fotografia mostra Roberto Burle Marx pintando uma de suas obra
Filippo Bamberghi
Na sala de cerâmicas, teto de maruflagem
Filippo Bamberghi
Na varanda do ateliê, escultura Cristo dos Afogados, de Mestre Cizi
Filippo Bamberghi
Escultura de Jesus Cristo, de Mestre Nicola
Filippo Bamberghi
Painel de azulejos de Roberto Burle Marx
Filippo Bamberghi
Um dos sete lagos da propriedade
Filippo Bamberghi
Para ela, “tio Roberto era um homem generoso, um diplomata hilário e histriônico, que desenhava, pintava de telas a tecidos, fazia murais e esculpia”. Sobre o pai, Ana acrescenta: “Meu pai estudou engenharia nos Estados Unidos e cuidou de toda a administração, resolvendo questões fundamentais do sítio – como o complexo sistema hidráulico – e também da empresa de paisagismo, a Burle Marx e Cia. Ltda.”. O trabalho intenso e os projetos fantásticos aconteciam em duas casas em Laranjeiras, após o período no Leme. “Mas o sítio era o refúgio da alma: ali estavam a evasão, a beleza, a arte e a música.”
*Matéria originalmente publicada na edição de novembro/2025 da Casa Vogue (CV 478), disponível em versão impressa, na nossa loja virtual e para assinantes no app Globo Mais.
🏡 Casa Vogue agora está no WhatsApp! Clique aqui e siga nosso canal

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima