No sertão do Ceará, onde o sol desenha sombras fortes nas pedras e o vento levanta a poeira avermelhada das estradas, encontrei duas histórias que se cruzam na arte e na resistência: a de Espedito Seleiro, mestre do couro, e a de Zé Lourenço, guardião da xilogravura popular.
Leia mais
O mestre do couro colorido
Em Nova Olinda, entre moldes, fivelas, couros curtidos e tintas vibrantes, o ateliê de Espedito Seleiro pulsa como um organismo vivo. As paredes exibem sandálias, bolsas, painéis e até poltronas revestidas com o mesmo couro que, há gerações, vestiu vaqueiros do sertão.
O artesão Espedito Seleiro mostra seu ateliê e seus processos de trabalho com o couro
Juliana Pippi/Acervo Pessoal
Espedito herdou do pai o ofício e reinventou o que parecia imutável. Quando o couro perdeu espaço para o plástico e o nylon, ele respondeu com cor e desenho, transformando o que era vestimenta de trabalho em arte e identidade.
Hoje, o ateliê é também uma escola: filhos, netos e aprendizes continuam a riscar o couro com compasso e navalha, reproduzindo símbolos geométricos que nasceram da observação do cotidiano — o sol, o gado, o chapéu, o sertão.
Em couro, a sela foi produzida manualmente por Espedito Seleiro
Juliana Pippi/Acervo Pessoal
Uma curiosidade: Espedito ainda guarda o molde da sandália que fez para Lampião, o lendário cangaceiro. Ele conta, com brilho nos olhos, que o molde nunca saiu do ateliê — como um talismã de história e de destino.
A sandália feita por Espedito Seleiro para o cangaceiro Lampião fica guardada no seu ateliê em Nova Olinda, CE
Juliana Pippi/Acervo Pessoal
O traço e a lâmina de Zé Lourenço
A poucos quilômetros dali, em Juazeiro do Norte, o som do buril corta a madeira na oficina de Zé Lourenço, um dos grandes mestres da xilogravura nordestina.
O cheiro do pó de madeira, misturado à tinta preta e ao papel seco ao sol, compõe uma espécie de sinfonia silenciosa.
As xilogravuras de José Lourenço representam cenas da alma popular nordestina
Juliana Pippi/Acervo Pessoal
Cada gravura conta um fragmento do povo: romarias, rezas, festas, promessas. Zé Lourenço aprendeu o ofício aos 10 anos, imprimindo capas de folhetos de cordel. Hoje, suas gravuras circulam o mundo — mas continuam nas feiras, onde tudo começou.
Ele costuma dizer: “O que a gente faz é gravar o que o povo sente, pra não se apagar”. Essa frase ficou ecoando em mim — como se fosse uma ponte entre o couro de Espedito e a madeira de Zé. Ambos materializam a memória brasileira: um pelo desenho em relevo, outro pelo corte no couro. Assim, traduzem o gesto ancestral de fazer com as mãos o que o tempo insiste em esquecer.
Oficina de xilogravura de José Lourenço, um dos grandes mestres da arte nordestina
Juliana Pippi/Acervo Pessoal
Um Brasil que se faz à mão
Visitar o Cariri é encontrar um Brasil que resiste ao tempo — não por nostalgia, mas por vitalidade. Ali, a arte não é ornamento: é sustento, é fé, é comunicação. Em cada couro recortado e em cada madeira gravada, há um pedaço da alma nordestina.
Leia mais
Foi impossível não pensar que, de alguma forma, cada traço desses dois mestres conversa com tudo o que busco em meus projetos: a força do artesanal, o poder do símbolo e a beleza do que nasce do cotidiano.
Mãos Brasileiras: Cariri, Ceará
Leia mais
O mestre do couro colorido
Em Nova Olinda, entre moldes, fivelas, couros curtidos e tintas vibrantes, o ateliê de Espedito Seleiro pulsa como um organismo vivo. As paredes exibem sandálias, bolsas, painéis e até poltronas revestidas com o mesmo couro que, há gerações, vestiu vaqueiros do sertão.
O artesão Espedito Seleiro mostra seu ateliê e seus processos de trabalho com o couro
Juliana Pippi/Acervo Pessoal
Espedito herdou do pai o ofício e reinventou o que parecia imutável. Quando o couro perdeu espaço para o plástico e o nylon, ele respondeu com cor e desenho, transformando o que era vestimenta de trabalho em arte e identidade.
Hoje, o ateliê é também uma escola: filhos, netos e aprendizes continuam a riscar o couro com compasso e navalha, reproduzindo símbolos geométricos que nasceram da observação do cotidiano — o sol, o gado, o chapéu, o sertão.
Em couro, a sela foi produzida manualmente por Espedito Seleiro
Juliana Pippi/Acervo Pessoal
Uma curiosidade: Espedito ainda guarda o molde da sandália que fez para Lampião, o lendário cangaceiro. Ele conta, com brilho nos olhos, que o molde nunca saiu do ateliê — como um talismã de história e de destino.
A sandália feita por Espedito Seleiro para o cangaceiro Lampião fica guardada no seu ateliê em Nova Olinda, CE
Juliana Pippi/Acervo Pessoal
O traço e a lâmina de Zé Lourenço
A poucos quilômetros dali, em Juazeiro do Norte, o som do buril corta a madeira na oficina de Zé Lourenço, um dos grandes mestres da xilogravura nordestina.
O cheiro do pó de madeira, misturado à tinta preta e ao papel seco ao sol, compõe uma espécie de sinfonia silenciosa.
As xilogravuras de José Lourenço representam cenas da alma popular nordestina
Juliana Pippi/Acervo Pessoal
Cada gravura conta um fragmento do povo: romarias, rezas, festas, promessas. Zé Lourenço aprendeu o ofício aos 10 anos, imprimindo capas de folhetos de cordel. Hoje, suas gravuras circulam o mundo — mas continuam nas feiras, onde tudo começou.
Ele costuma dizer: “O que a gente faz é gravar o que o povo sente, pra não se apagar”. Essa frase ficou ecoando em mim — como se fosse uma ponte entre o couro de Espedito e a madeira de Zé. Ambos materializam a memória brasileira: um pelo desenho em relevo, outro pelo corte no couro. Assim, traduzem o gesto ancestral de fazer com as mãos o que o tempo insiste em esquecer.
Oficina de xilogravura de José Lourenço, um dos grandes mestres da arte nordestina
Juliana Pippi/Acervo Pessoal
Um Brasil que se faz à mão
Visitar o Cariri é encontrar um Brasil que resiste ao tempo — não por nostalgia, mas por vitalidade. Ali, a arte não é ornamento: é sustento, é fé, é comunicação. Em cada couro recortado e em cada madeira gravada, há um pedaço da alma nordestina.
Leia mais
Foi impossível não pensar que, de alguma forma, cada traço desses dois mestres conversa com tudo o que busco em meus projetos: a força do artesanal, o poder do símbolo e a beleza do que nasce do cotidiano.
Mãos Brasileiras: Cariri, Ceará



