Colecionar arte é mais do que adquirir objetos esteticamente atraentes: é construir um diálogo contínuo entre ideias e paixões. Entre intuição e pesquisa, desejo e contexto, o colecionismo se revela como uma prática que atravessa fronteiras culturais, refletindo tanto a personalidade de quem coleciona quanto as transformações do próprio mundo da arte. Em um cenário de mudanças aceleradas, entender o que move colecionadores significa, também, observar como essas forças se expressam nos números, nos comportamentos e nas escolhas que moldam o mercado global.
Nesse panorama, dados recentes reunidos pela Arts Economics em colaboração com o UBS ajudam a iluminar tendências essenciais. O estudo, realizado na primeira metade de 2025 em 10 mercados — entre eles Brasil, EUA, Reino Unido, França, Suíça e China — ouviu cerca de 3.100 colecionadores de alto patrimônio financeiro. As pistas que emergem vão muito além de números: revelam como novas gerações, plataformas digitais, a força das mulheres e a expansão do interesse por artistas emergentes têm redesenhado o ecossistema artístico.
Um dos sinais dessa mudança está na fatia crescente de riqueza destinada à arte: em 2025, ela chegou a 20% do patrimônio dos entrevistados, acima dos 15% de 2024. Para entender esse e outros movimentos, a Casa Vogue conversou com especialistas do universo da arte e do colecionismo. Confira:
Hábitos de compra e o papel das galerias
Entre as obras de arte presentes neste ambiente da casa de Luis Maluf, destaque para a intervenção suspensa de Janet Vollebregt, o políptico de Edu Silva e a escultura de Licida Vidal, tudo na Galeria Luis Maluf
Ruy Teixeira
Embora o mercado de arte esteja mais diversificado, as galerias e os marchands seguem como o principal canal de aquisição. Ao mesmo tempo, as feiras ganham tração: entre 2024 e 2025, 58% dos colecionadores fizeram compras nesse ambiente — avanço expressivo em relação aos 39% de 2023. “Neste século, a proporção de vendas nas feiras tem sido alta. Isso porque as feiras são centros de gravidade do mercado contemporâneo”, explica Fernanda Feitosa, criadora e diretora da SP-Arte, principal feira da América Latina. “Elas concentram, em poucos dias, algo que normalmente levaria meses: ver galerias, comparar artistas, conversar com curadores, identificar tendências, entender preços e dialogar diretamente com agentes do sistema.”
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Isso não diminui a relevância das galerias, que continuam essenciais no desenvolvimento de carreiras artísticas. “As galerias seguem sendo as principais parceiras dos artistas, ajudam a posicionar carreiras e orientam colecionadores”, afirma Kátia Gondo, diretora da galeria Luisa Strina, fundada em 1974 e representante de mais de 40 artistas brasileiros e estrangeiros. Para Daniel Roesler, sócio da galeria Nara Roesler, com unidades em São Paulo, Rio de Janeiro e Nova York, o diferencial está na profundidade: “É a compreensão profunda da obra dos artistas que faz com que os colecionadores se interessem e comprem.”
Obra de Bruno Lyfe, que pertence à série ‘Look Mom, I Can Fly’, adorna o hall de entrada da nova residência de Anitta, no Rio de Janeiro
André Klotz | Estilo: Adriana Frattini | Produção: Manuela Figueiredo
Além do mercado tradicional, outro espaço vem ganhando força: as redes sociais. Porta de entrada para artistas independentes e canal de visibilidade para profissionais já consolidados, o Instagram se afirma como plataforma relevante para negociações. Entre 2024 e 2025, 51% dos entrevistados haviam feito ao menos uma compra via Instagram sem ver a obra pessoalmente (acima dos 41% em 2023), e 18% afirmaram preferir comprar por lá. “Hoje, a obra não vive só na parede da galeria, do colecionador e dos museus, ela também circula na tela do celular”, observa o artista Bruno Lyfe. “A internet cria pontes improváveis e aproxima pessoas que, em outro contexto, talvez nunca se encontrassem.”
Para Luiza Adas, pesquisadora, influenciadora e colunista da Casa Vogue, as redes sociais se consolidam como ferramenta essencial de pesquisa. “Com elas, as pessoas conseguem ter muito mais acesso às produções dos artistas, o que contribui para o entendimento de como é o desenvolvimento dessa produção. Porém, o papel da galeria não se perde com o avanço das redes sociais”. Bruno Lyfe, representado pela galeria Anita Schwartz, concorda: “As galerias e feiras estruturam uma parte fundamental da trajetória de um artista. Elas oferecem visibilidade, contexto crítico, mediação qualificada e inserção institucional. O online amplia, mas não substitui esse ecossistema”. O estudo confirma essa percepção: visitas presenciais a galerias continuam essenciais para a decisão de compra de 33% dos colecionadores. Já o Brasil é o país que menos adere ao Instagram como plataforma de compra: apenas 8% afirmam preferir essa via.
O protagonismo das mulheres no mercado da arte
No living do Casa Vogue Experience 2025, quadro Sem Título, de Yolanda Maholy, escultura Wilde Leute 8 (2024), de Paloma Varga Weisz, escultura Touro, da coleção Sem Pé Nem Cabeça, de André Lacerda e diversas outras obras de arte
André Klotz
As mulheres também vêm ocupando um espaço cada vez maior como colecionadoras. Entre 2024 e 2025, o gasto médio feminino com arte e antiguidades foi 46% maior que o dos homens. “Realmente, o meu público é majoritariamente feminino. Sinto que as mulheres são mais sensíveis à arte e também mais curiosas”, comenta Luiza Adas. Além disso, elas compram mais obras de artistas mulheres — 49% dos trabalhos adquiridos, contra 40% entre os homens — e demonstram maior abertura a novos talentos: 55% relatam adquirir com frequência obras de artistas desconhecidos.
Initial plugin text
“Mulheres sempre tiveram papel importante no mercado de arte — muitas de nossas principais galerias são comandadas por mulheres, por exemplo — e as colecionadoras estão desempenhando um papel transformador no mercado. Elas têm um olhar mais atento à diversidade de narrativas, maior abertura para práticas experimentais e um interesse particular em acompanhar artistas ao longo do tempo — não apenas adquirir obras isoladas”, ressalta Fernanda Feitosa.
Novas gerações, novos comportamentos
No lounge de apartamento assinado por Sig Bergamin e Murilo Lomas, console Clash 460, de Hervé Van Der Straeten, par de poltronas Curve Club, design Patrick Naggar para a Ralph Pucci, e mesa da Vermeil – na parede, tela Los Musicos, de Fernando Botero
Fran Parente
Artistas emergentes também ganham protagonismo: 66% dos colecionadores adquiriram obras de artistas recém-descobertos entre 2024 e 2025, um crescimento de 8% em relação ao ano anterior e um salto expressivo frente aos 43% de 2022. O número cresce ainda mais quando analisamos o recorte geracional: entre os millennials, esse número chega a 71%; na geração Z, 63%; na geração X, 60%; entre boomers, 46%.
Fernanda Feitosa atribui essa tendência a três fatores: o desejo de acompanhar processos; a abertura a temas contemporâneos — como identidade, sustentabilidade e tecnologia —; e a renovação geracional. “Millennials e Gen Z não vêem fronteiras rígidas entre arte, design, tecnologia, moda, arquitetura e cultura digital. Eles transitam entre essas linguagens com mais naturalidade do que as gerações anteriores. Isso cria um colecionismo mais interdisciplinar, fluido e sem preconceitos”, continua. Bruno Lyfe ainda destaca: “Percebo uma geração mais jovem menos presa aos cânones e mais aberta a narrativas pessoais, identitárias e políticas. Há uma busca por obras que dialoguem diretamente com questões sociais, raciais e afetivas”.
Ambiente do Casa Vogue Experience 2024 é decorado com quadro Paisagem platibanda (2023), de Delson Uchôa, na Galeria Marco Zero e na Almeida & Dale Galeria
Habitado Projeto | Estilo: Adriana Frattini | Produção: Lucas Freitas
Os dados reforçam essa mudança: além de comprarem mais obras de artistas mulheres (45%), os jovens colecionadores se destacam pelo interesse em novos formatos. Na Gen Z, 63% adquiriram ao menos uma obra digital em 2024 ou 2025. Eles também são os que mais gastam em segmentos como obras sobre papel (média pouco abaixo de US$ 230 mil), arte digital, fotografia e obras em filme e vídeo.
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“Na nossa experiência, o que mais atrai esses colecionadores é a possibilidade de conviver com a arte de um jeito que realmente expanda a percepção, que ‘abra a cabeça’. É menos sobre seguir uma linha tradicional e mais sobre encontrar obras que provoquem novas formas de olhar e pensar, algo que dialogue com sua experiência cotidiana”, explica Daniel Roesler.
O que esperar do futuro?
Na sala de jantar da casa do galerista Luis Maluf, cadeiras de Jorge Zalszupin, na Pé Palito, e pendente de Max Ingrand, na Fontana Arte – na parede, duas telas de Chico da Silva, e, no piso, duas esculturas de Ismael de Dedé
Ruy Teixeira
De acordo com a pesquisaThe Art Basel and UBS Survey of Global Collecting 2025, o mercado global de arte permaneceu em uma fase desafiadora no primeiro semestre de 2025, com incerteza e relativa estagnação. As vendas agregadas caíram 12% em 2024, somando US$ 57,5 bilhões. Mesmo assim, 84% dos colecionadores seguem otimistas quanto ao futuro próximo. Entre eles, 40% planejam comprar mais arte nos próximos 12 meses — número que chega a 72% no Brasil.
Outro dado relevante consiste em que 90% dos colecionadores da Gen Z que herdaram obras tenham decidido mantê-las. No total geral, 80% pretendem passar suas coleções para filhos ou cônjuges. “O legado familiar carrega memória, afetos, referências estéticas, relações construídas ao longo dos anos… Isso não se desmancha tão facilmente”, afirma Kátia Gondo.
Neste apartamento em Porto Alegre, projetado por Sig Bergamin e Murilo Lomas, o espaço é adornado por escultura da série Las Meninas, de Manolo Valdés, na Opera Gallery
Fran Parente
Ao mesmo tempo, 25% planejam doar obras — um movimento que fortalece a filantropia cultural. Nesse cenário, Daniel Roesler destaca a necessidade de melhorar a infraestrutura pública: “Quando pensamos nas coleções que passam por transições geracionais, surge a pergunta: para onde essa arte pode ir? O ideal seria que uma parte significativa das boas coleções, bem cuidadas ao longo do tempo, encontrasse destino em espaços públicos — museus que pudessem preservá-las e disponibilizá-las ao público. Mas, para isso, essas instituições precisam ser fortalecidas. Uma perspectiva de futuro mais positiva passa justamente pelo fortalecimento dos museus e pela criação de incentivos que facilitem a doação de obras ao domínio público”, analisa.
Para Fernanda Feitosa, outro desafio essencial é formar novos públicos. “Por isso, temos investido em programas de iniciação, como conversas, mediação e conteúdos educativos para tornar o colecionismo menos intimidante e mais acessível”. Para Luiza Adas, isso começa com a aproximação do público da arte de forma geral. “Na minha opinião, a importância de democratizar o acesso e o conhecimento sobre arte é todo e total. A arte diz não só sobre o mundo, mas também e principalmente sobre aquilo que existe dentro de nós — sobre como nós nos enxergamos perante esse mundo. Isso é fundamental”, conclui.
Fontes:
Fernanda Feitosa, criadora e diretora da SP–Arte, principal feira de arte da América Latina, fundada em 2005. É uma das figuras mais influentes do mercado de arte brasileiro, atuando na internacionalização das galerias e no fortalecimento do ecossistema cultural no país.
Kátia Gondo, diretora da Galeria Luisa Strina, fundada em 1974 em São Paulo e referência histórica no mercado latino-americano. Atua na gestão de portfólios de artistas brasileiros e internacionais, além da articulação institucional da galeria.
Daniel Roesler, sócio da Galeria Nara Roesler, com sedes em São Paulo, Rio de Janeiro e Nova York. Trabalha no desenvolvimento de carreiras artísticas, interlocução institucional e expansão internacional da galeria.
Bruno Lyfe, artista visual brasileiro representado pela Galeria Anita Schwartz, no Rio de Janeiro. Sua produção transita entre linguagens contemporâneas, investigando identidade, corpo, tecnologia e experiências digitais.
Luiza Adas, pesquisadora, influenciadora digital e colunista da Casa Vogue, com atuação voltada a crítica de arte, mercado, colecionismo, artistas emergentes e tendências contemporâneas.
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Nesse panorama, dados recentes reunidos pela Arts Economics em colaboração com o UBS ajudam a iluminar tendências essenciais. O estudo, realizado na primeira metade de 2025 em 10 mercados — entre eles Brasil, EUA, Reino Unido, França, Suíça e China — ouviu cerca de 3.100 colecionadores de alto patrimônio financeiro. As pistas que emergem vão muito além de números: revelam como novas gerações, plataformas digitais, a força das mulheres e a expansão do interesse por artistas emergentes têm redesenhado o ecossistema artístico.
Um dos sinais dessa mudança está na fatia crescente de riqueza destinada à arte: em 2025, ela chegou a 20% do patrimônio dos entrevistados, acima dos 15% de 2024. Para entender esse e outros movimentos, a Casa Vogue conversou com especialistas do universo da arte e do colecionismo. Confira:
Hábitos de compra e o papel das galerias
Entre as obras de arte presentes neste ambiente da casa de Luis Maluf, destaque para a intervenção suspensa de Janet Vollebregt, o políptico de Edu Silva e a escultura de Licida Vidal, tudo na Galeria Luis Maluf
Ruy Teixeira
Embora o mercado de arte esteja mais diversificado, as galerias e os marchands seguem como o principal canal de aquisição. Ao mesmo tempo, as feiras ganham tração: entre 2024 e 2025, 58% dos colecionadores fizeram compras nesse ambiente — avanço expressivo em relação aos 39% de 2023. “Neste século, a proporção de vendas nas feiras tem sido alta. Isso porque as feiras são centros de gravidade do mercado contemporâneo”, explica Fernanda Feitosa, criadora e diretora da SP-Arte, principal feira da América Latina. “Elas concentram, em poucos dias, algo que normalmente levaria meses: ver galerias, comparar artistas, conversar com curadores, identificar tendências, entender preços e dialogar diretamente com agentes do sistema.”
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Vai construir ou reformar? Seleção Archa + Casa Vogue ajuda você a encontrar o melhor arquiteto para seu projeto
Isso não diminui a relevância das galerias, que continuam essenciais no desenvolvimento de carreiras artísticas. “As galerias seguem sendo as principais parceiras dos artistas, ajudam a posicionar carreiras e orientam colecionadores”, afirma Kátia Gondo, diretora da galeria Luisa Strina, fundada em 1974 e representante de mais de 40 artistas brasileiros e estrangeiros. Para Daniel Roesler, sócio da galeria Nara Roesler, com unidades em São Paulo, Rio de Janeiro e Nova York, o diferencial está na profundidade: “É a compreensão profunda da obra dos artistas que faz com que os colecionadores se interessem e comprem.”
Obra de Bruno Lyfe, que pertence à série ‘Look Mom, I Can Fly’, adorna o hall de entrada da nova residência de Anitta, no Rio de Janeiro
André Klotz | Estilo: Adriana Frattini | Produção: Manuela Figueiredo
Além do mercado tradicional, outro espaço vem ganhando força: as redes sociais. Porta de entrada para artistas independentes e canal de visibilidade para profissionais já consolidados, o Instagram se afirma como plataforma relevante para negociações. Entre 2024 e 2025, 51% dos entrevistados haviam feito ao menos uma compra via Instagram sem ver a obra pessoalmente (acima dos 41% em 2023), e 18% afirmaram preferir comprar por lá. “Hoje, a obra não vive só na parede da galeria, do colecionador e dos museus, ela também circula na tela do celular”, observa o artista Bruno Lyfe. “A internet cria pontes improváveis e aproxima pessoas que, em outro contexto, talvez nunca se encontrassem.”
Para Luiza Adas, pesquisadora, influenciadora e colunista da Casa Vogue, as redes sociais se consolidam como ferramenta essencial de pesquisa. “Com elas, as pessoas conseguem ter muito mais acesso às produções dos artistas, o que contribui para o entendimento de como é o desenvolvimento dessa produção. Porém, o papel da galeria não se perde com o avanço das redes sociais”. Bruno Lyfe, representado pela galeria Anita Schwartz, concorda: “As galerias e feiras estruturam uma parte fundamental da trajetória de um artista. Elas oferecem visibilidade, contexto crítico, mediação qualificada e inserção institucional. O online amplia, mas não substitui esse ecossistema”. O estudo confirma essa percepção: visitas presenciais a galerias continuam essenciais para a decisão de compra de 33% dos colecionadores. Já o Brasil é o país que menos adere ao Instagram como plataforma de compra: apenas 8% afirmam preferir essa via.
O protagonismo das mulheres no mercado da arte
No living do Casa Vogue Experience 2025, quadro Sem Título, de Yolanda Maholy, escultura Wilde Leute 8 (2024), de Paloma Varga Weisz, escultura Touro, da coleção Sem Pé Nem Cabeça, de André Lacerda e diversas outras obras de arte
André Klotz
As mulheres também vêm ocupando um espaço cada vez maior como colecionadoras. Entre 2024 e 2025, o gasto médio feminino com arte e antiguidades foi 46% maior que o dos homens. “Realmente, o meu público é majoritariamente feminino. Sinto que as mulheres são mais sensíveis à arte e também mais curiosas”, comenta Luiza Adas. Além disso, elas compram mais obras de artistas mulheres — 49% dos trabalhos adquiridos, contra 40% entre os homens — e demonstram maior abertura a novos talentos: 55% relatam adquirir com frequência obras de artistas desconhecidos.
Initial plugin text
“Mulheres sempre tiveram papel importante no mercado de arte — muitas de nossas principais galerias são comandadas por mulheres, por exemplo — e as colecionadoras estão desempenhando um papel transformador no mercado. Elas têm um olhar mais atento à diversidade de narrativas, maior abertura para práticas experimentais e um interesse particular em acompanhar artistas ao longo do tempo — não apenas adquirir obras isoladas”, ressalta Fernanda Feitosa.
Novas gerações, novos comportamentos
No lounge de apartamento assinado por Sig Bergamin e Murilo Lomas, console Clash 460, de Hervé Van Der Straeten, par de poltronas Curve Club, design Patrick Naggar para a Ralph Pucci, e mesa da Vermeil – na parede, tela Los Musicos, de Fernando Botero
Fran Parente
Artistas emergentes também ganham protagonismo: 66% dos colecionadores adquiriram obras de artistas recém-descobertos entre 2024 e 2025, um crescimento de 8% em relação ao ano anterior e um salto expressivo frente aos 43% de 2022. O número cresce ainda mais quando analisamos o recorte geracional: entre os millennials, esse número chega a 71%; na geração Z, 63%; na geração X, 60%; entre boomers, 46%.
Fernanda Feitosa atribui essa tendência a três fatores: o desejo de acompanhar processos; a abertura a temas contemporâneos — como identidade, sustentabilidade e tecnologia —; e a renovação geracional. “Millennials e Gen Z não vêem fronteiras rígidas entre arte, design, tecnologia, moda, arquitetura e cultura digital. Eles transitam entre essas linguagens com mais naturalidade do que as gerações anteriores. Isso cria um colecionismo mais interdisciplinar, fluido e sem preconceitos”, continua. Bruno Lyfe ainda destaca: “Percebo uma geração mais jovem menos presa aos cânones e mais aberta a narrativas pessoais, identitárias e políticas. Há uma busca por obras que dialoguem diretamente com questões sociais, raciais e afetivas”.
Ambiente do Casa Vogue Experience 2024 é decorado com quadro Paisagem platibanda (2023), de Delson Uchôa, na Galeria Marco Zero e na Almeida & Dale Galeria
Habitado Projeto | Estilo: Adriana Frattini | Produção: Lucas Freitas
Os dados reforçam essa mudança: além de comprarem mais obras de artistas mulheres (45%), os jovens colecionadores se destacam pelo interesse em novos formatos. Na Gen Z, 63% adquiriram ao menos uma obra digital em 2024 ou 2025. Eles também são os que mais gastam em segmentos como obras sobre papel (média pouco abaixo de US$ 230 mil), arte digital, fotografia e obras em filme e vídeo.
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“Na nossa experiência, o que mais atrai esses colecionadores é a possibilidade de conviver com a arte de um jeito que realmente expanda a percepção, que ‘abra a cabeça’. É menos sobre seguir uma linha tradicional e mais sobre encontrar obras que provoquem novas formas de olhar e pensar, algo que dialogue com sua experiência cotidiana”, explica Daniel Roesler.
O que esperar do futuro?
Na sala de jantar da casa do galerista Luis Maluf, cadeiras de Jorge Zalszupin, na Pé Palito, e pendente de Max Ingrand, na Fontana Arte – na parede, duas telas de Chico da Silva, e, no piso, duas esculturas de Ismael de Dedé
Ruy Teixeira
De acordo com a pesquisaThe Art Basel and UBS Survey of Global Collecting 2025, o mercado global de arte permaneceu em uma fase desafiadora no primeiro semestre de 2025, com incerteza e relativa estagnação. As vendas agregadas caíram 12% em 2024, somando US$ 57,5 bilhões. Mesmo assim, 84% dos colecionadores seguem otimistas quanto ao futuro próximo. Entre eles, 40% planejam comprar mais arte nos próximos 12 meses — número que chega a 72% no Brasil.
Outro dado relevante consiste em que 90% dos colecionadores da Gen Z que herdaram obras tenham decidido mantê-las. No total geral, 80% pretendem passar suas coleções para filhos ou cônjuges. “O legado familiar carrega memória, afetos, referências estéticas, relações construídas ao longo dos anos… Isso não se desmancha tão facilmente”, afirma Kátia Gondo.
Neste apartamento em Porto Alegre, projetado por Sig Bergamin e Murilo Lomas, o espaço é adornado por escultura da série Las Meninas, de Manolo Valdés, na Opera Gallery
Fran Parente
Ao mesmo tempo, 25% planejam doar obras — um movimento que fortalece a filantropia cultural. Nesse cenário, Daniel Roesler destaca a necessidade de melhorar a infraestrutura pública: “Quando pensamos nas coleções que passam por transições geracionais, surge a pergunta: para onde essa arte pode ir? O ideal seria que uma parte significativa das boas coleções, bem cuidadas ao longo do tempo, encontrasse destino em espaços públicos — museus que pudessem preservá-las e disponibilizá-las ao público. Mas, para isso, essas instituições precisam ser fortalecidas. Uma perspectiva de futuro mais positiva passa justamente pelo fortalecimento dos museus e pela criação de incentivos que facilitem a doação de obras ao domínio público”, analisa.
Para Fernanda Feitosa, outro desafio essencial é formar novos públicos. “Por isso, temos investido em programas de iniciação, como conversas, mediação e conteúdos educativos para tornar o colecionismo menos intimidante e mais acessível”. Para Luiza Adas, isso começa com a aproximação do público da arte de forma geral. “Na minha opinião, a importância de democratizar o acesso e o conhecimento sobre arte é todo e total. A arte diz não só sobre o mundo, mas também e principalmente sobre aquilo que existe dentro de nós — sobre como nós nos enxergamos perante esse mundo. Isso é fundamental”, conclui.
Fontes:
Fernanda Feitosa, criadora e diretora da SP–Arte, principal feira de arte da América Latina, fundada em 2005. É uma das figuras mais influentes do mercado de arte brasileiro, atuando na internacionalização das galerias e no fortalecimento do ecossistema cultural no país.
Kátia Gondo, diretora da Galeria Luisa Strina, fundada em 1974 em São Paulo e referência histórica no mercado latino-americano. Atua na gestão de portfólios de artistas brasileiros e internacionais, além da articulação institucional da galeria.
Daniel Roesler, sócio da Galeria Nara Roesler, com sedes em São Paulo, Rio de Janeiro e Nova York. Trabalha no desenvolvimento de carreiras artísticas, interlocução institucional e expansão internacional da galeria.
Bruno Lyfe, artista visual brasileiro representado pela Galeria Anita Schwartz, no Rio de Janeiro. Sua produção transita entre linguagens contemporâneas, investigando identidade, corpo, tecnologia e experiências digitais.
Luiza Adas, pesquisadora, influenciadora digital e colunista da Casa Vogue, com atuação voltada a crítica de arte, mercado, colecionismo, artistas emergentes e tendências contemporâneas.
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