Por que todos os arquitetos querem estar em Tirana?

Lembram do boom de Dubai no início do século XXI? Aquelas construções luxuosas (e polêmicas) de The Palm, o glorioso Burj Al Arab e a reconversão futurista de um antigo vilarejo de pescadores de pérolas em uma cidade que desafiava os limites da realidade. Pois algo semelhante acontece agora em Tirana, capital da Albânia, cujo centro histórico aponta para o céu por meio de uma intensa onda de construção de arranha-céus e edifícios.
Para muitos, esse movimento é resultado de um governo assumidamente fã de arquitetura e arte, daí o interesse em atrair diversos escritórios e arquitetos para seu novo hub criativo. No entanto, para muitos outros, “há algo por trás”, especialmente quando falamos do quarto país com o PIB mais baixo da Europa. Bem-vindos ao futuro vertical do Leste Europeu.
Tirana, uma cidade única cobiçada por diversas culturas que deixaram sua marca de muitas maneiras
Tirana sempre foi uma cidade única, cobiçada por diversas culturas que deixaram sua marca de muitas maneiras, incluindo na arquitetura: desde as construções ilírias do século V, que ainda sobrevivem em sua parte antiga, passando pelas influências do período otomano até o início do século XX e, claro, o acento da União Soviética ao longo de 45 anos.
LEIA MAIS
Vai construir ou reformar? Seleção Archa + Casa Vogue ajuda você a encontrar o melhor arquiteto para seu projeto
Precisamente, o primeiro indício de que Tirana buscava se desvincular da estética soviética já dava sinais no início dos anos 1990, quando Edi Rama, um extravagante artista contemporâneo, tornou-se prefeito da cidade e decidiu pintar os sinistros edifícios em cores vibrantes. Era sua forma de conduzir Tirana a uma nova era, cuja ambição só tem aumentado nos últimos anos.
Oricon 2, o novo projeto da OODA em colaboração com Eduardo Souto de Moura, ergue-se na avenida Dritan Hoxha como um portal urbano que conecta gerações e estilos arquitetônicos no coração de Tirana
OODA
Após abrir uma convocatória internacional para projetos de desenvolvimento urbano por meio de áreas verdes, avenidas e um transporte público alinhado aos novos tempos, Tirana vem se transformando em um hub arquitetônico para grandes escritórios internacionais como 51n4e, Archea, BIG, Zaha Hadid, MVRDV, Grimshaw, DAR, Bjarke Ingels, Massimiliano Fuksas, Bofill ou Alejandro Aravena, entre muitos outros.
O resultado é um boom que, atualmente, se traduz na construção de um arranha-céu de 300 metros de altura, seis edifícios com mais de 200 metros e outros 21 acima dos 100. Além disso, quatro torres foram inauguradas em Tirana nos últimos cinco anos, incluindo a já icônica Downtown One, dos holandeses MVRDV.
Tudo isso sem esquecer o redesenho da Praça Skanderbeg, realizado pelo escritório 51n4e, de Bruxelas, por meio de um plano focado em trazer a natureza para o centro da cidade.
Edifício Downtown One, desenvolvido pelo escritório MVRDV, em Tirana
MVRDV/Divulgação
A transformação arquitetônica de Tirana hoje modifica um centro que se tornou o principal aliado desse “Plano Tirana 2030” não oficial de que todos falam. Na verdade, centenas de famílias jovens já começaram a migrar dos típicos edifícios soviéticos para novos complexos, como o Magnet, um conjunto residencial em forma de meia-lua projetado pelo estúdio alemão Libeskind.
Ao mesmo tempo, também proliferam projetos culturais como os museus Bunk’Art, Bunk’Art 2 e a Casa das Folhas; o pavilhão do arquiteto japonês Sou Fujimoto em frente à Galeria Nacional; ou o Teatro Nacional, nas mãos do escritório BIG, de Copenhague. O objetivo parece claro: atrair outras regiões para um centro futurista que sirva de cartão de visita ao mundo. No entanto, há um “porém”: como uma cidade de tamanho semelhante ao de Múrcia e com o quarto menor PIB da Europa pode bancar esse revival?
Muitos demonstram preocupação com um gasto que ainda requer financiamento para se tornar realidade. Segundo especialistas, a condição de Tirana como destino favorito de muitos criminosos internacionais para lavagem de dinheiro pode ser uma das peças-chave. Além disso, Tirana foi incluída na lista cinza do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), um organismo global de vigilância contra lavagem de dinheiro que destaca a fragilidade do setor imobiliário da cidade.
Ao mesmo tempo, o Escritório da Direção-Geral para a Prevenção da Lavagem de Dinheiro da Albânia observou “investimentos imobiliários consideráveis com fonte de recursos desconhecida”, que classificou como “suspeitos”. Enquanto os dedos apontam para diferentes frentes, os preços dos imóveis sobem 6%, em contraste com a economia retraída do país desde o período da pandemia.
Estádio Quemal Stafa de Tirana
© Gledisa Golikja via Unsplash
Por fim, cabe perguntar qual é o papel do patrimônio cultural ao abrir espaço para essa “nova cidade”. Após demolir o antigo Teatro Nacional, o governo justificou-se afirmando que o monumento nunca esteve incluído na lista de patrimônio protegido. Um primeiro sinal de alerta que levou o conselho diretivo da ONG arquitetônica Europa Nostra a defender a importância de proteger o passado de Tirana diante de qualquer intenção de acelerar rumo ao futuro.
Mas isso não parece suficiente para conter a mudança: os edifícios se multiplicam no centro, uma nova família vinda de uma região rural abre os olhos para o futuro, a natureza quer entrar e mais um escritório se instala. Só o tempo dirá se as intenções de Tirana correspondem à sua realidade.
Os novos projetos de Tirana
Downtown One, de MVRDV
Downtown One, de MVRDV
MVRDV
A MVRDV iniciou a construção do Downtown One, uma torre de uso misto com 140 metros de altura em Tirana que se tornará o edifício mais alto da Albânia. O elemento mais marcante da torre de 37 andares é o seu relevo formado por moradias e escritórios em balanço, criando um “mapa” pixelado da Albânia, no qual cada volume representa uma cidade ou vilarejo. Assim, o edifício se transforma em um ícone no coração de Tirana, desenvolvido pela Kastrati Construction, com conclusão prevista para o final deste ano. Sem dúvida, um dos projetos mais ambiciosos do futuro de Tirana.
Intercontinental Hotel Tirana, de Atelier 4
Intercontinental Hotel Tirana, de Atelier 4
Atelier 4
O InterContinental Hotel Tirana é um hotel localizado na esquina entre a Praça Skanderbeg e o Boulevard Zogu I. Inaugurado no início deste ano e projetado pelo estúdio Atelier 4, este símbolo da prosperidade turística da capital albanesa possui 133,5 metros de altura e está dividido em 33 andares. O proprietário da construção é a rede IHG Hotels & Resorts Group.
Puzzle Tower, da Network of Architecture (NOA) e Atelier 4
Puzzle Tower, da Network of Architecture (NOA) e Atelier 4
Network of Architecture (NOA) e Atelier4
Embora ainda esteja em fase de projeto preliminar, um dos grandes marcos previstos para a capital albanesa é o Puzzle Tirana. Esta torre, desenhada pelos escritórios Network of Architecture (NOA) e Atelier 4, teria 71 metros de altura e até 32.700 m² de espaço comercial, apartamentos, coberturas e um hotel. Uma fantasia em forma de blocos de casas que se sobrepõem por meio de volumes empilhados que evocam “a casa arquetípica das aldeias albanesas, com telhado de duas águas”. Resta aguardar o resultado.
Pylli Vertikal, de Stefano Boeri Architetti
Pylli Vertikal, de Stefano Boeri Architetti
Stefano Boeri Architetti
Concluído em 2024, o chamado Bosque Vertical (em albanês: Pylli Vertikal) é um edifício de uso misto que alcança 75 metros de altura distribuídos em 21 andares. O escritório Stefano Boeri Architetti, já conhecido por seus bosques verticais em Milão e Xangai, é o responsável por este projeto que materializa o conceito de silvicultura urbana progressiva como parte do Plano Diretor Tirana 2030, que prevê ampliar as áreas verdes no centro da cidade — incluindo mais de 145 árvores em suas fachadas.
LEIA MAIS
Pyramid of Tirana, da MVRDV
Pyramid of Tirana, da MVRDV
MVRDV
O jovem escritório MVRDV concluiu em 2023 a exuberante Pyramid of Tirana, construída originalmente como um museu dedicado ao ditador comunista Enver Hoxha e transformada em um centro cultural. A equipe reutilizou a estrutura original de concreto para convertê-la em uma escultura aberta dentro de um novo parque que abriga um conjunto de caixas coloridas que, por sua vez, recebem cafés, estúdios, oficinas, espaços para startups, incubadoras, festivais e salas de aula onde a juventude albanesa poderá aprender gratuitamente diferentes matérias relacionadas à tecnologia.
Torre multifuncional, de Chybik + Kristof
Torre multifuncional, de Chybik + Kristof
Chybik + Kristof
O projeto vencedor do concurso de arquitetura do hub cultural de Tirana, organizado em 2023, é a Torre Multifuncional de 97 metros de altura, do escritório Chybik + Kristof. A construção, concebida como um conector visual de todos os edifícios do eixo cultural, desenha uma nova esquina em uma futura praça, interligando os principais espaços públicos. A fachada em forma de cascata cria, por sua vez, terraços verdes na cobertura para diversos apartamentos em cada andar, equipados com loggias sombreadas passivas.
New Boulevard Tower, de Chybik + Kristof
Chybik + Kristof
Ao mesmo tempo, outro dos projetos paralelos do escritório, que iniciou suas obras no início de 2025, é a New Boulevard Tower, com foco muito mais residencial e uma fachada com texturas e pigmentos mais ligados ao contexto local. Além disso, a construção incluiria varandas envolventes que maximizam as vistas do skyline e também funcionaria como um fio condutor entre os espaços públicos e as áreas verdes do centro.
Lake Views, de JA Joubert Architecture
Lake Views, de JA Joubert Architecture
JA Joubert Architecture
O estúdio holandês JA Joubert Architecture concluiu um complexo de torres ondulantes de uso misto localizado próximo ao Park Lake de Tirana. Assim, o Lake Views, com 135.000 m² e até 1.150 residências, evoca uma forma sinuosa pensada para “inclinar-se e dobrar-se no terreno”, evitando o uso de blocos repetitivos. Para captar luz natural e oferecer vistas panorâmicas da paisagem ao redor, as torres de uso misto são envolvidas por terraços ajardinados em cascata, projetados para imitar as montanhas próximas.
Rruga Adem Jashari, de Valerio Olgiati
Rruga Adem Jashari, de Valerio Olgiati
Valerio Olgiati
O complexo Rruga Adem Jashari apresenta três torres em tons avermelhados, com 150, 192 e 266 metros de altura, além de uma pirâmide branca em forma escalonada. A construção, localizada entre o centro urbano e um parque periférico, utiliza concreto pigmentado envolto por vegetação. O conceito arquitetônico se baseia em uma disposição ordenada de blocos empilhados e foi concebido pelo escritório suíço Valerio Olgiati, que empregou cores terrosas para simbolizar o crescimento do edifício a partir do solo em direção a um céu de Tirana que todos parecem querer tocar (assim como ocorre em Benidorm e seu mais recente arranha-céu).
Festival City, de Archi-Tectonics
Festival City, de Archi-Tectonics
Archi-Tectonics
A Archi-Tectonics também apresenta o Festival City, um masterplan de uso misto com 180.000 m² que reimagina o crescimento urbano ao combinar densidade, ecologia e vida comunitária no bairro residencial de Laprakë. O projeto repensa a clássica quadra urbana ao entrelaçar residências, comércios e espaços públicos em um ecossistema de áreas construídas e abertas. Em seu interior, o plano prioriza a infraestrutura verde como o pulsar da qualidade de vida no ambiente urbano.
*Matéria originalmente publicada na Architectural Digest Espanha
🏡 Casa Vogue agora está no WhatsApp! Clique aqui e siga nosso canal
Revistas Newsletter

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima