Quantas famílias têm o privilégio de manter consigo uma casa de fazenda por tantas gerações? Em 1921, na cidade de Morrinhos, GO, Beraldino Jesuíno de Sousa ergueu uma morada simples, rodeada por cafezais. Nesse cenário cresceu seu filho Nicanor, que teve Vasco Jesuíno de Sousa. A morada ganhou dinamismo anos depois, com os cinco filhos de Vasco, que passavam as férias lá – entre eles Leonardo Jesuíno Romano de Sousa, um menino atento aos detalhes. O tempo correu e, até Vasco herdar a propriedade, ela atravessou um período de 20 anos fechada. Oito anos atrás, quando ele, já idoso, reuniu os filhos para dividir o patrimônio, lançou uma missão: “‘Quem se anima a recuperar a casa?’, perguntou, já sabendo que eu era a pessoa”, diz Leo Romano, arquiteto (Casa Vogue 50) e artista plástico.
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Leo e Marcelo vestem pijamas indianos e preparam uma massa na cozinha, cujo fogão de cimento queimado foi tingido de amarelo, mesmo tom do piso
Filippo Bamberghi
Preservei o local do fogão como um símbolo que elegi para manter as lembranças
O casarão estava destruído e o quintal, tomado pelo abandono. Havia muito trabalho a fazer e a restauração começou naquele momento. Aos poucos, Leo restaurou os espaços originais e transformou antigos anexos, como a casa do café e do pilão, em acomodações para hóspedes. Hoje, quando ele chega para passar os fins de semana, é gritar “João” e o ganso vem correndo. A magia está de volta. “Não deixo vender nem matar as vacas, assim como as galinhas exóticas – tem, inclusive, uma de topete. Vou povoando também com pavões, peru, cachorros e cavalos”, conta. Os fins de tarde se colorem ainda mais com as revoadas de araras, e a região, mesmo bastante desmatada, está em um cinturão verde rico em água. “Internamente, é um relicário.”
+ Brasileiríssima, casa de vila preserva memórias do interior no meio da cidade
A fachada da casa teve janelas e porta recuperadas e agora segue os tons de azul e branco característicos da arquitetura colonial – o toque irreverente surge com a anta de fibra de vidro, de Siron Franco
Filippo Bamberghi
Na antessala dos quartos, luminária Horse Lamp, da Moooi, na Illuminato, sofá Millôr, de Sergio Rodrigues, poltrona Quadrada, de Leo Romano, e poltrona Siesta, de Ingmar Relling, sobre tapetes de Istambul e de feira de antiguidades do Rio de Janeiro
Filippo Bamberghi
O living leva poltronas Millôr, de Sergio Rodrigues, aparador e mesa lateral desenhados por Leo Romano e executados pela Movelaria Brasileira, sofá rosa arrematado em leilão e tapete trazido da Índia
Filippo Bamberghi
O arquiteto fala com calma sobre a planta, típica do Brasil rural, com um corredor distribuindo quartos para a família e “para quem pedia pouso”. A casa de 270 m² tem três suítes e conserva o piso original de peroba, levemente elevado, com telhas e janelas da época da construção. Próximos à cozinha estão um banheiro e uma grande despensa. “Preservei o local do fogão como um símbolo que elegi para manter as lembranças”, explica Leo. Nos dias frios, típicos desta época em Goiás, é perto dele que se revivem antigas tradições, como beliscar doces no tacho.
É engraçado… Toda vez que volto da fazenda tenho o mesmo desejo: precisamos passar mais tempo
A copa ganhou mesa redonda vinda de uma feira de antiguidades, cadeiras Bossa, de Jader Almeida, e tela de Pitágoras
Filippo Bamberghi
Poltronas de Giuseppe Scapinelli, na Pé Palito, figuram no ambiente adjacente à cozinha
Filippo Bamberghi
Com quase 30 anos de formação, Leo viu seu portfólio ganhar maturidade ao observar como as pessoas se relacionam com o lar. “Gosto da arquitetura contemporânea e limpa, mas que também conte a história de quem mora, que fale sobre as sensações de habitar. Imagino todos os detalhes, do acordar ao dormir, até para onde as pessoas olham quando tomam banho. Eu me prendo na construção de uma história.” Entram nessa atmosfera obras de arte – por vezes, anônimas –, móveis de leilão, garimpos de Comporta, em Portugal, e peças que vieram de seu apartamento na cidade, perfeitamente ajustadas ao clima da roça, caso da luminária em forma de cavalo da Moooi.
+ Ode ao moderno: a casa do gastrônomo João Grinspum Ferraz, em São Paulo
Em um dos quartos, cadeira Mancebo, da Moooi, telas de Pitágoras, fotografia de Leo Romano e roupa de cama das Meninas do Pano, na Entreposto
Filippo Bamberghi
O quarto da mãe de Leo tem cômoda com espelho da Móveis Cimo e poltrona Butterfly, de Antonio Bonet, Juan Kurchan e Jorge Ferrari Hardoy, sobre tapete de Istambul
Filippo Bamberghi
Leo, de camisa Lacoste, calça Issey Miyake e botas Hunter, e Marcelo, de camisa Comme des Garçons, calça Gucci e botas Hunter, caminham acompanhados dos cães Liz, Barack e Michelle
Filippo Bamberghi
Essa relação com a natureza, os bichos e o céu, diante da lareira, torna tudo especial
Do mobiliário original, só restou um banco na chapelaria. “Compus tudo de forma muito livre, sem regras, com objetos que faziam parte do meu cotidiano e tinham sinergia com a fazenda”, detalha. A casa pedia cor e tinha, no passado, um tom de amarelo desbotado com verde, que parecia jamais ter sido retocado. Os afrescos internos caíram no dia em que a residência foi colocada no eixo: “Aquele foi um momento simbólico, para começar um ciclo novo”. Agora em branco e azul, ela segue a arquitetura colonial goiana com forros pintados – o da cozinha, de laranja, acompanhando o piso de cimento queimado amarelo. Ali, ele prepara comidinhas ao lado do marido, o arquiteto Marcelo José Trento Costa, no mesmo ritmo em que a obra foi feita, sem pressa, com equipe pequena. “Quando estamos aqui, à noite, desligamos todas as luzes e sentamos na praça da lareira. Dali, contemplamos o céu estrelado que podemos chamar de nosso infinito particular”, compartilha Marcelo.
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A área externa tem piscina de água natural e varanda com cadeiras Adirondack, de Thomas Lee
Filippo Bamberghi
A capelinha que costumava ser garagem
Filippo Bamberghi
Leo, de camisa Comme des Garçons, abraça o ganso João, a quem chama pelo nome assim que chega à fazenda
Filippo Bamberghi
Dias antes de seu Vasco falecer, ele foi à fazenda restaurada, parou diante da casa, olhou demoradamente para o filho e disse: “Será que seu avô imaginaria que ela ficaria bonita de novo?”, Leo lembra. “A casa se tornou um ponto de encontro importante para nós. Virou tradição a festa junina na data que seria o aniversário do meu pai”, completa. É o espírito simples e alegre dos Jesuínos de Sousa que marca essa história, ao som da banda sertaneja raiz e das bandeirolas no quintal. Leo confessa que nunca foi apaixonado pela fazenda, mas se vê em um dilema curioso quando sai de Morrinhos. “É engraçado… Toda vez que volto de lá tenho o mesmo desejo: precisamos passar mais tempo.”
*Matéria originalmente publicada na edição de julho/2025 da Casa Vogue (CV 474), disponível em versão impressa, na nossa loja virtual e para assinantes no app Globo Mais.
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Preservei o local do fogão como um símbolo que elegi para manter as lembranças
O casarão estava destruído e o quintal, tomado pelo abandono. Havia muito trabalho a fazer e a restauração começou naquele momento. Aos poucos, Leo restaurou os espaços originais e transformou antigos anexos, como a casa do café e do pilão, em acomodações para hóspedes. Hoje, quando ele chega para passar os fins de semana, é gritar “João” e o ganso vem correndo. A magia está de volta. “Não deixo vender nem matar as vacas, assim como as galinhas exóticas – tem, inclusive, uma de topete. Vou povoando também com pavões, peru, cachorros e cavalos”, conta. Os fins de tarde se colorem ainda mais com as revoadas de araras, e a região, mesmo bastante desmatada, está em um cinturão verde rico em água. “Internamente, é um relicário.”
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Filippo Bamberghi
Na antessala dos quartos, luminária Horse Lamp, da Moooi, na Illuminato, sofá Millôr, de Sergio Rodrigues, poltrona Quadrada, de Leo Romano, e poltrona Siesta, de Ingmar Relling, sobre tapetes de Istambul e de feira de antiguidades do Rio de Janeiro
Filippo Bamberghi
O living leva poltronas Millôr, de Sergio Rodrigues, aparador e mesa lateral desenhados por Leo Romano e executados pela Movelaria Brasileira, sofá rosa arrematado em leilão e tapete trazido da Índia
Filippo Bamberghi
O arquiteto fala com calma sobre a planta, típica do Brasil rural, com um corredor distribuindo quartos para a família e “para quem pedia pouso”. A casa de 270 m² tem três suítes e conserva o piso original de peroba, levemente elevado, com telhas e janelas da época da construção. Próximos à cozinha estão um banheiro e uma grande despensa. “Preservei o local do fogão como um símbolo que elegi para manter as lembranças”, explica Leo. Nos dias frios, típicos desta época em Goiás, é perto dele que se revivem antigas tradições, como beliscar doces no tacho.
É engraçado… Toda vez que volto da fazenda tenho o mesmo desejo: precisamos passar mais tempo
A copa ganhou mesa redonda vinda de uma feira de antiguidades, cadeiras Bossa, de Jader Almeida, e tela de Pitágoras
Filippo Bamberghi
Poltronas de Giuseppe Scapinelli, na Pé Palito, figuram no ambiente adjacente à cozinha
Filippo Bamberghi
Com quase 30 anos de formação, Leo viu seu portfólio ganhar maturidade ao observar como as pessoas se relacionam com o lar. “Gosto da arquitetura contemporânea e limpa, mas que também conte a história de quem mora, que fale sobre as sensações de habitar. Imagino todos os detalhes, do acordar ao dormir, até para onde as pessoas olham quando tomam banho. Eu me prendo na construção de uma história.” Entram nessa atmosfera obras de arte – por vezes, anônimas –, móveis de leilão, garimpos de Comporta, em Portugal, e peças que vieram de seu apartamento na cidade, perfeitamente ajustadas ao clima da roça, caso da luminária em forma de cavalo da Moooi.
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Em um dos quartos, cadeira Mancebo, da Moooi, telas de Pitágoras, fotografia de Leo Romano e roupa de cama das Meninas do Pano, na Entreposto
Filippo Bamberghi
O quarto da mãe de Leo tem cômoda com espelho da Móveis Cimo e poltrona Butterfly, de Antonio Bonet, Juan Kurchan e Jorge Ferrari Hardoy, sobre tapete de Istambul
Filippo Bamberghi
Leo, de camisa Lacoste, calça Issey Miyake e botas Hunter, e Marcelo, de camisa Comme des Garçons, calça Gucci e botas Hunter, caminham acompanhados dos cães Liz, Barack e Michelle
Filippo Bamberghi
Essa relação com a natureza, os bichos e o céu, diante da lareira, torna tudo especial
Do mobiliário original, só restou um banco na chapelaria. “Compus tudo de forma muito livre, sem regras, com objetos que faziam parte do meu cotidiano e tinham sinergia com a fazenda”, detalha. A casa pedia cor e tinha, no passado, um tom de amarelo desbotado com verde, que parecia jamais ter sido retocado. Os afrescos internos caíram no dia em que a residência foi colocada no eixo: “Aquele foi um momento simbólico, para começar um ciclo novo”. Agora em branco e azul, ela segue a arquitetura colonial goiana com forros pintados – o da cozinha, de laranja, acompanhando o piso de cimento queimado amarelo. Ali, ele prepara comidinhas ao lado do marido, o arquiteto Marcelo José Trento Costa, no mesmo ritmo em que a obra foi feita, sem pressa, com equipe pequena. “Quando estamos aqui, à noite, desligamos todas as luzes e sentamos na praça da lareira. Dali, contemplamos o céu estrelado que podemos chamar de nosso infinito particular”, compartilha Marcelo.
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A capelinha que costumava ser garagem
Filippo Bamberghi
Leo, de camisa Comme des Garçons, abraça o ganso João, a quem chama pelo nome assim que chega à fazenda
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Dias antes de seu Vasco falecer, ele foi à fazenda restaurada, parou diante da casa, olhou demoradamente para o filho e disse: “Será que seu avô imaginaria que ela ficaria bonita de novo?”, Leo lembra. “A casa se tornou um ponto de encontro importante para nós. Virou tradição a festa junina na data que seria o aniversário do meu pai”, completa. É o espírito simples e alegre dos Jesuínos de Sousa que marca essa história, ao som da banda sertaneja raiz e das bandeirolas no quintal. Leo confessa que nunca foi apaixonado pela fazenda, mas se vê em um dilema curioso quando sai de Morrinhos. “É engraçado… Toda vez que volto de lá tenho o mesmo desejo: precisamos passar mais tempo.”
*Matéria originalmente publicada na edição de julho/2025 da Casa Vogue (CV 474), disponível em versão impressa, na nossa loja virtual e para assinantes no app Globo Mais.
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