Camadas contrastantes e sobreposição de estilos marcam a arquitetura de Berlim, cujo conglomerado urbano é composto de palácios barrocos, blocos comunistas, habitações plurais, monumentos ostensivos, modernos arranha-céus envidraçados e edifícios históricos que ganham novas funções com o tempo.
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Isso faz da capital alemã um dos principais laboratórios arquitetônicos da Europa, desafiando profissionais do setor a conciliar memória, funcionalidade e inovação em cada projeto. Afinal, o território — que testemunhou a grandiosidade da era prussiana e a devastação de guerras e rupturas políticas — está em constante transformação.
Ao fundo, a famosa torre de TV (Berliner Fernsehturm) de Berlim, idealizada pelo arquiteto Hermann Henselmann, com participação de outros arquitetos, entre eles: Fritz Dieter, Günter Franke e Werner Neumann
Wolfgang Scholvien/visitBerlin
A monarquia da Prússia, reino que existiu entre 1701 e 1918, deixou de herança construções barrocas e neoclássicas, a exemplo do Portão de Brandemburgo, concluído em 1791, projetado pelo arquiteto Carl Gotthard Langhans, inspirado nos pórticos da Grécia Antiga.
O Portão de Brandemburgo, construído entre 1788 e 1791, é um dos principais pontos turísticos da capital alemã atualmente. Durante a Guerra Fria, o monumento ficou ‘fechado’, pois estava dentro da área restrita que separava os limites de Berlim Oriental e Berlim Ocidental
Dagmar Schwelle/visitBerlin
Outro ícone prussiano é a Catedral de Berlim. Sua implantação ocorreu de 1894 a 1905, mas sua história começa antes: o terreno abriga espaços religiosos desde o século 15, erguidos e reformados por vários arquitetos. Um deles foi Karl Friedrich Schinkel, que chegou a remodelar a catedral entre 1817 e 1822.
A catedral de Berlim, localizada na Ilha dos Museus, foi inaugurada em 1905
Visumate GmbH/visitBerlin
Seis décadas depois, o imperador Wilhelm II achava a estrutura modesta e encomendou uma remodelação, a qual foi comandada pelo arquiteto Julius Raschdorff, unindo referências do Barroco e da Alta Renascença para torná-la opulenta.
O edifício Reichstag, a sede do parlamento federal alemão, foi construído entre 1884 e 1894, com projeto do arquiteto Paul Wallot. Nos anos 1990, foi redesenhado pelo arquiteto Norman Fosterpara simbolizar a Alemanha unificada. A cúpula de vidro foi criada pelo artista e arquiteto Gottfried Böhm
Wolfgang Scholvien/visitBerlin
Ritmo acelerado
A partir de 1918 a cidade muda radicalmente. “Com a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial e o fim da monarquia, a chegada da República de Weimar transforma o urbanismo. No contexto de muita pobreza, a república não visava privilégios para a elite, e sim habitações para o povo”, afirma Mauro Feola, mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e guia turístico da empresa Destino: Berlim.
Construída entre 1894 e 1896, ponte Oberbaum foi usada, durante a Guerra Fria, como fronteira pedestre na Alemanha dividida. A estrutura é um dos símbolos arquitetônicos de Berlim
Wolfgang Scholvien/visitBerlin
Além disso, com a revolução cultural que aconteceu mundialmente na década de 1920, a capital alemã tornou-se centro do modernismo europeu e um dos berços da Bauhaus, escola que revolucionou o design e a arquitetura ao prezar por linhas retas e funcionalidade.
Edifício do Instituto de Arquitetura da Universidade Técnica (TU) de Berlim, uma das instituições de arquitetura mais importantes da Alemanha
Angela Kroell/visitBerlin
No final da década de 1920, um dos fundadores da Bauhaus, Walter Gropius, participou com mais cinco arquitetos — Hans Scharoun, Hugo Haring, Fred Forbat, Otto Bartning e Paul Henning — do projeto do conjunto habitacional Siemensstadt, declarado Patrimônio Mundial da Unesco em 2008.
Na época de sua construção, o complexo chamou atenção por ter apartamentos do mesmo tamanho com boa iluminação e ventilação naturais. A ideia foi criar lares que prezavam pela qualidade de vida.
Edifício projetado pelo arquiteto Hans Scharoun para o conjunto habitacional Siemensstadt, que também conta com prédios assinados pelos arquitetos Hugo Haring, Fred Forbat, Otto Bartning, Paul Henning e Walter Gropius. A construção aconteceu entre 1929 e 1931
Angela Kroell/visitBerlin
“O que de fato transformou a cidade foi sua expansão territorial, indo de 66 km² para 891 km², e o surgimento de conjuntos nos subúrbios para que a população saísse dos cortiços insalubres que pipocaram no século 19”, diz Mauro.
Para explicar: em 1862, o engenheiro James Hobrecht criou um plano para organizar o crescimento desordenado da capital alemã. O documento previu a canalização, o levantamento de ruas largas e quarteirões densos, onde surgiram os Mietskasernen, blocos de apartamentos alugados, organizados ao redor de vários pátios internos.
Imagem aérea na região de Charlottenburg, no início do século 20, mostra os blocos de apartamentos chamados ‘Mietskasernen’, os quais eram construídos ao redor de pátios internos
GettyImages
Esses prédios abrigavam diferentes classes sociais: o primeiro, com fachada decorada, era para os ricos; o pátio seguinte, rodeado por edifícios abertos e iluminados, era da classe média; os demais imóveis, aos fundos, apertados, escuros e precários, ficavam com as famílias operárias.
Fachadas restauradas de edifícios antigos, localizados na rua Oderberger Strasse, no bairro de Prenzlauer Berg, em Berlim
GettyImages
“O famoso complexo de pátios Hackesche Höfe, no bairro de Mitte, tem outra origem. Inaugurado em 1907 e com estilo art nouveau, nasceu no movimento de Reforma da Vida, que ganhou força entre o fim do século 19 e o começo do 20, com propostas de melhorias nas cidades industriais, lotadas e poluídas”, conta Maristela Pimentel Alves, arquiteta e urbanista, fundadora da Areas-Berlin, plataforma de conteúdos e visitas guiadas sobre a arquitetura berlinense.
“A ideia era criar uma convivência saudável e equilibrada entre moradia, cultura e comércio, aproveitando os pátios de maneira integrada”, ela acrescenta.
Hackesche Höfe, maior complexo de pátios da Alemanha, projetado pelo arquiteto Kurt Berndt, com a fachada art nouveau assinada pelo arquiteto August Endell
Wolfgang Scholvien/Visit Berlin
A habitação social, então, foi uma significativa ferramenta de inovação na República de Weimar, período em que também houve avanços no uso do concreto armado e do vidro, além dos conceitos já citados da Bauhaus — servindo de referência para Bruno Taut, Hans Scharoun e Martin Wagner, todos arquitetos e urbanistas, outros nomes que modernizaram os subúrbios do município.
Tensão dinâmica
Esse florescimento arquitetônico, porém, foi interrompido com a ascensão do nazismo em 1933. O regime rejeitava o modernismo e impôs uma estética monumental e grandiosa, inspirada na Roma Imperial e alinhada à sua ideologia autoritária. No mesmo ano, a Bauhaus, que tinha mudado a sede para Berlim, é banida e fechada.
O memorial do Holocausto, projetado pelo arquiteto Peter Eisenman, é composto por 2.711 blocos com diferentes alturas, dispostos em um amplo terreno
Pierre Adenis/visitBerlin
O principal arquiteto desse período foi Albert Speer, criador do plano Welthauptstadt Germania, que previa transformar a metrópole na capital de um império mundial, com avenidas imensas e edifícios colossais.
Maquete do plano ‘Welthauptstadt Germania’ (Capital Mundial da Germânia, em tradução livre), projetada pelo arquiteto Albert Speer, que fazia parte da visão de Adolf Hitler para o futuro da Alemanha nazista. A peça foi exibida na mostra ‘Submundos de Berlim’ (Berliner Unterwelten), realizada na cidade em 2017
GettyImages
No entanto, poucos projetos foram realmente construídos por conta dos bombardeiros da Segunda Guerra Mundial e o enfraquecimento do hitlerismo. Aliás, as estruturas que restaram dessa época, como o antigo Ministério da Aviação, hoje Ministério das Finanças, são tratadas com cuidado histórico, social e político.
O prédio do Ministério Federal das Finanças ocupa o que foi, durante o regime nazista Terceiro Reich (1933-1945), o Ministério da Aviação
GettyImages
Nos pós-guerra, o território alemão passa a ser dividido entre Ocidental e Oriental. Antes mesmo da construção do Muro de Berlim, em 1961, os dois governos — capitalista (liderado pelos Estados Unidos) e socialista (da União Soviética) — travaram disputas para ver qual lado se reconstruiria da “melhor” maneira.
O prédio amarelo Berliner Philharmonie, sede da Orquestra Filarmônica da cidade, foi projetado pelo arquiteto Hans Scharoun em 1963, durante a Guerra Fria, e fica numa área que era da Alemanha Ocidental. A construção substituiu a antiga Filrarmônica, destruída na Segunda Guerra Mundial
Nathalia Fabro/Editora Globo
“Havia um déficit habitacional absurdo e demanda para construir rápido. O funcionalismo e o estilo internacional dominariam os projetos”, aponta Mauro. “O leste priorizou a habitação coletiva, enquanto o oeste focou na modernização”, completa Maristela.
Prédio com a típica arquitetura soviética localizado na avenida Karl-Marx-Allee, que foi um importante destino na Berlim Oriental
GettyImages
Um dos principais símbolos do urbanismo soviético é a avenida Karl-Marx-Allee, concebida para abrigar moradias, principalmente apartamentos, e comércios significativos culturalmente, como o restaurante Cafe Moskau. O brutalismo também marca muitas estruturas socialistas levantadas no período da Guerra Fria.
Cafe Moskau, restaurante localizado na avenida Karl-Marx-Allee, cuja construção seguiu a linha pré-fabricada da arquitetura soviética
visitBerlin/Divulgação
Em resposta à construção da Karl-Marx-Allee, iniciada em 1952, os capitalistas idealizaram a exposição internacional de arquitetura, a Interbau, realizada em 1957 no bairro Hansaviertel, onde arquitetos renomados do mundo todo — incluindo o brasileiro Oscar Niemeyer — projetaram prédios residenciais modernistas.
Imagem mostra a construção de edifícios residenciais em Hansaviertel após a Interbau 1957. À esquerda da rua Altonaer Strasse (ao centro), prédio idealizado pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer. À direita, construção assinada pelos arquitetos Fritz Jaenecke e Sten Samuelson. Ao fundo, o obelisco Siegessäule (Coluna da Vitória), desenhada Heinrich Strack para celebrar a vitória da Prússia na Guerra dos Ducados de 1864
GettyImages
Vinte anos depois, em comemoração ao seu 750º aniversário, Berlim sediou outro evento, a Exposição Internacional de Construção (IBA). “Foram projetados novos edifícios, além de feitas reformas em imóveis antigos e áreas públicas, visando sanar a falta de moradias e adotando o pós-modernismo, que resgatava referências históricas e valorizava a diversidade estética”, pontua Maristela.
Bartningallee 7, prédio projetado pelos arquitetos holandeses Jacob Berend Bakema e Johannes Hendrik van den Broek após a Interbau 1957, visando à revitalização do bairro Hansaviertel
Angela Kroell/visitBerlin
O fim da Guerra Fria, simbolizado pela queda do Muro em 1989, trouxe mais mudanças radicais. Partes preservadas do próprio muro viraram espaços artísticos, a exemplo da East Side Gallery, onde estão pinturas de cunho social e político.
Trecho do East Side Gallery, arte urbana feita no antigo Muro de Berlim. No total, o mural tem 1,316 metros
Dagmar Schwelle/visitBerlin
Densa união
Desde a década de 1990, a integração dos tecidos urbanos em Berlim se desenvolveu sob diferentes ideologias e abordagens. “Muitas edificações soviéticas foram demolidas, mesmo estruturalmente preservados e com potencial para adaptações. Várias que sobreviveram continuam ameaçadas de demolição”, fala a arquiteta.
Relógio Mundial na praça Alexanderplatz, projetado pelo governo da antiga Alemanha Oriental
GettyImages
O debate sobre reconstruir, implodir ou revitalizar segue até hoje, com projetos que unem memória e modernidade — como a região da Alexanderplatz, que reúne edificações de eras distintas: Igreja de Santa Maria (1380), Prefeitura Vermelha (1869) e Torre de TV (1969) —, visando ao futuro sem deixar de observar as cicatrizes do passado.
À esquerda, a Rotes Rathaus (Prefeitura Vermelha). À direita, a Marienkirche (igreja de Santa Maria). Ao fundo, prédio de apartamentos construído no lado da antiga Alemanha Oriental
GettyImages
*A jornalista viajou a convite do visitBerlin
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Isso faz da capital alemã um dos principais laboratórios arquitetônicos da Europa, desafiando profissionais do setor a conciliar memória, funcionalidade e inovação em cada projeto. Afinal, o território — que testemunhou a grandiosidade da era prussiana e a devastação de guerras e rupturas políticas — está em constante transformação.
Ao fundo, a famosa torre de TV (Berliner Fernsehturm) de Berlim, idealizada pelo arquiteto Hermann Henselmann, com participação de outros arquitetos, entre eles: Fritz Dieter, Günter Franke e Werner Neumann
Wolfgang Scholvien/visitBerlin
A monarquia da Prússia, reino que existiu entre 1701 e 1918, deixou de herança construções barrocas e neoclássicas, a exemplo do Portão de Brandemburgo, concluído em 1791, projetado pelo arquiteto Carl Gotthard Langhans, inspirado nos pórticos da Grécia Antiga.
O Portão de Brandemburgo, construído entre 1788 e 1791, é um dos principais pontos turísticos da capital alemã atualmente. Durante a Guerra Fria, o monumento ficou ‘fechado’, pois estava dentro da área restrita que separava os limites de Berlim Oriental e Berlim Ocidental
Dagmar Schwelle/visitBerlin
Outro ícone prussiano é a Catedral de Berlim. Sua implantação ocorreu de 1894 a 1905, mas sua história começa antes: o terreno abriga espaços religiosos desde o século 15, erguidos e reformados por vários arquitetos. Um deles foi Karl Friedrich Schinkel, que chegou a remodelar a catedral entre 1817 e 1822.
A catedral de Berlim, localizada na Ilha dos Museus, foi inaugurada em 1905
Visumate GmbH/visitBerlin
Seis décadas depois, o imperador Wilhelm II achava a estrutura modesta e encomendou uma remodelação, a qual foi comandada pelo arquiteto Julius Raschdorff, unindo referências do Barroco e da Alta Renascença para torná-la opulenta.
O edifício Reichstag, a sede do parlamento federal alemão, foi construído entre 1884 e 1894, com projeto do arquiteto Paul Wallot. Nos anos 1990, foi redesenhado pelo arquiteto Norman Fosterpara simbolizar a Alemanha unificada. A cúpula de vidro foi criada pelo artista e arquiteto Gottfried Böhm
Wolfgang Scholvien/visitBerlin
Ritmo acelerado
A partir de 1918 a cidade muda radicalmente. “Com a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial e o fim da monarquia, a chegada da República de Weimar transforma o urbanismo. No contexto de muita pobreza, a república não visava privilégios para a elite, e sim habitações para o povo”, afirma Mauro Feola, mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e guia turístico da empresa Destino: Berlim.
Construída entre 1894 e 1896, ponte Oberbaum foi usada, durante a Guerra Fria, como fronteira pedestre na Alemanha dividida. A estrutura é um dos símbolos arquitetônicos de Berlim
Wolfgang Scholvien/visitBerlin
Além disso, com a revolução cultural que aconteceu mundialmente na década de 1920, a capital alemã tornou-se centro do modernismo europeu e um dos berços da Bauhaus, escola que revolucionou o design e a arquitetura ao prezar por linhas retas e funcionalidade.
Edifício do Instituto de Arquitetura da Universidade Técnica (TU) de Berlim, uma das instituições de arquitetura mais importantes da Alemanha
Angela Kroell/visitBerlin
No final da década de 1920, um dos fundadores da Bauhaus, Walter Gropius, participou com mais cinco arquitetos — Hans Scharoun, Hugo Haring, Fred Forbat, Otto Bartning e Paul Henning — do projeto do conjunto habitacional Siemensstadt, declarado Patrimônio Mundial da Unesco em 2008.
Na época de sua construção, o complexo chamou atenção por ter apartamentos do mesmo tamanho com boa iluminação e ventilação naturais. A ideia foi criar lares que prezavam pela qualidade de vida.
Edifício projetado pelo arquiteto Hans Scharoun para o conjunto habitacional Siemensstadt, que também conta com prédios assinados pelos arquitetos Hugo Haring, Fred Forbat, Otto Bartning, Paul Henning e Walter Gropius. A construção aconteceu entre 1929 e 1931
Angela Kroell/visitBerlin
“O que de fato transformou a cidade foi sua expansão territorial, indo de 66 km² para 891 km², e o surgimento de conjuntos nos subúrbios para que a população saísse dos cortiços insalubres que pipocaram no século 19”, diz Mauro.
Para explicar: em 1862, o engenheiro James Hobrecht criou um plano para organizar o crescimento desordenado da capital alemã. O documento previu a canalização, o levantamento de ruas largas e quarteirões densos, onde surgiram os Mietskasernen, blocos de apartamentos alugados, organizados ao redor de vários pátios internos.
Imagem aérea na região de Charlottenburg, no início do século 20, mostra os blocos de apartamentos chamados ‘Mietskasernen’, os quais eram construídos ao redor de pátios internos
GettyImages
Esses prédios abrigavam diferentes classes sociais: o primeiro, com fachada decorada, era para os ricos; o pátio seguinte, rodeado por edifícios abertos e iluminados, era da classe média; os demais imóveis, aos fundos, apertados, escuros e precários, ficavam com as famílias operárias.
Fachadas restauradas de edifícios antigos, localizados na rua Oderberger Strasse, no bairro de Prenzlauer Berg, em Berlim
GettyImages
“O famoso complexo de pátios Hackesche Höfe, no bairro de Mitte, tem outra origem. Inaugurado em 1907 e com estilo art nouveau, nasceu no movimento de Reforma da Vida, que ganhou força entre o fim do século 19 e o começo do 20, com propostas de melhorias nas cidades industriais, lotadas e poluídas”, conta Maristela Pimentel Alves, arquiteta e urbanista, fundadora da Areas-Berlin, plataforma de conteúdos e visitas guiadas sobre a arquitetura berlinense.
“A ideia era criar uma convivência saudável e equilibrada entre moradia, cultura e comércio, aproveitando os pátios de maneira integrada”, ela acrescenta.
Hackesche Höfe, maior complexo de pátios da Alemanha, projetado pelo arquiteto Kurt Berndt, com a fachada art nouveau assinada pelo arquiteto August Endell
Wolfgang Scholvien/Visit Berlin
A habitação social, então, foi uma significativa ferramenta de inovação na República de Weimar, período em que também houve avanços no uso do concreto armado e do vidro, além dos conceitos já citados da Bauhaus — servindo de referência para Bruno Taut, Hans Scharoun e Martin Wagner, todos arquitetos e urbanistas, outros nomes que modernizaram os subúrbios do município.
Tensão dinâmica
Esse florescimento arquitetônico, porém, foi interrompido com a ascensão do nazismo em 1933. O regime rejeitava o modernismo e impôs uma estética monumental e grandiosa, inspirada na Roma Imperial e alinhada à sua ideologia autoritária. No mesmo ano, a Bauhaus, que tinha mudado a sede para Berlim, é banida e fechada.
O memorial do Holocausto, projetado pelo arquiteto Peter Eisenman, é composto por 2.711 blocos com diferentes alturas, dispostos em um amplo terreno
Pierre Adenis/visitBerlin
O principal arquiteto desse período foi Albert Speer, criador do plano Welthauptstadt Germania, que previa transformar a metrópole na capital de um império mundial, com avenidas imensas e edifícios colossais.
Maquete do plano ‘Welthauptstadt Germania’ (Capital Mundial da Germânia, em tradução livre), projetada pelo arquiteto Albert Speer, que fazia parte da visão de Adolf Hitler para o futuro da Alemanha nazista. A peça foi exibida na mostra ‘Submundos de Berlim’ (Berliner Unterwelten), realizada na cidade em 2017
GettyImages
No entanto, poucos projetos foram realmente construídos por conta dos bombardeiros da Segunda Guerra Mundial e o enfraquecimento do hitlerismo. Aliás, as estruturas que restaram dessa época, como o antigo Ministério da Aviação, hoje Ministério das Finanças, são tratadas com cuidado histórico, social e político.
O prédio do Ministério Federal das Finanças ocupa o que foi, durante o regime nazista Terceiro Reich (1933-1945), o Ministério da Aviação
GettyImages
Nos pós-guerra, o território alemão passa a ser dividido entre Ocidental e Oriental. Antes mesmo da construção do Muro de Berlim, em 1961, os dois governos — capitalista (liderado pelos Estados Unidos) e socialista (da União Soviética) — travaram disputas para ver qual lado se reconstruiria da “melhor” maneira.
O prédio amarelo Berliner Philharmonie, sede da Orquestra Filarmônica da cidade, foi projetado pelo arquiteto Hans Scharoun em 1963, durante a Guerra Fria, e fica numa área que era da Alemanha Ocidental. A construção substituiu a antiga Filrarmônica, destruída na Segunda Guerra Mundial
Nathalia Fabro/Editora Globo
“Havia um déficit habitacional absurdo e demanda para construir rápido. O funcionalismo e o estilo internacional dominariam os projetos”, aponta Mauro. “O leste priorizou a habitação coletiva, enquanto o oeste focou na modernização”, completa Maristela.
Prédio com a típica arquitetura soviética localizado na avenida Karl-Marx-Allee, que foi um importante destino na Berlim Oriental
GettyImages
Um dos principais símbolos do urbanismo soviético é a avenida Karl-Marx-Allee, concebida para abrigar moradias, principalmente apartamentos, e comércios significativos culturalmente, como o restaurante Cafe Moskau. O brutalismo também marca muitas estruturas socialistas levantadas no período da Guerra Fria.
Cafe Moskau, restaurante localizado na avenida Karl-Marx-Allee, cuja construção seguiu a linha pré-fabricada da arquitetura soviética
visitBerlin/Divulgação
Em resposta à construção da Karl-Marx-Allee, iniciada em 1952, os capitalistas idealizaram a exposição internacional de arquitetura, a Interbau, realizada em 1957 no bairro Hansaviertel, onde arquitetos renomados do mundo todo — incluindo o brasileiro Oscar Niemeyer — projetaram prédios residenciais modernistas.
Imagem mostra a construção de edifícios residenciais em Hansaviertel após a Interbau 1957. À esquerda da rua Altonaer Strasse (ao centro), prédio idealizado pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer. À direita, construção assinada pelos arquitetos Fritz Jaenecke e Sten Samuelson. Ao fundo, o obelisco Siegessäule (Coluna da Vitória), desenhada Heinrich Strack para celebrar a vitória da Prússia na Guerra dos Ducados de 1864
GettyImages
Vinte anos depois, em comemoração ao seu 750º aniversário, Berlim sediou outro evento, a Exposição Internacional de Construção (IBA). “Foram projetados novos edifícios, além de feitas reformas em imóveis antigos e áreas públicas, visando sanar a falta de moradias e adotando o pós-modernismo, que resgatava referências históricas e valorizava a diversidade estética”, pontua Maristela.
Bartningallee 7, prédio projetado pelos arquitetos holandeses Jacob Berend Bakema e Johannes Hendrik van den Broek após a Interbau 1957, visando à revitalização do bairro Hansaviertel
Angela Kroell/visitBerlin
O fim da Guerra Fria, simbolizado pela queda do Muro em 1989, trouxe mais mudanças radicais. Partes preservadas do próprio muro viraram espaços artísticos, a exemplo da East Side Gallery, onde estão pinturas de cunho social e político.
Trecho do East Side Gallery, arte urbana feita no antigo Muro de Berlim. No total, o mural tem 1,316 metros
Dagmar Schwelle/visitBerlin
Densa união
Desde a década de 1990, a integração dos tecidos urbanos em Berlim se desenvolveu sob diferentes ideologias e abordagens. “Muitas edificações soviéticas foram demolidas, mesmo estruturalmente preservados e com potencial para adaptações. Várias que sobreviveram continuam ameaçadas de demolição”, fala a arquiteta.
Relógio Mundial na praça Alexanderplatz, projetado pelo governo da antiga Alemanha Oriental
GettyImages
O debate sobre reconstruir, implodir ou revitalizar segue até hoje, com projetos que unem memória e modernidade — como a região da Alexanderplatz, que reúne edificações de eras distintas: Igreja de Santa Maria (1380), Prefeitura Vermelha (1869) e Torre de TV (1969) —, visando ao futuro sem deixar de observar as cicatrizes do passado.
À esquerda, a Rotes Rathaus (Prefeitura Vermelha). À direita, a Marienkirche (igreja de Santa Maria). Ao fundo, prédio de apartamentos construído no lado da antiga Alemanha Oriental
GettyImages
*A jornalista viajou a convite do visitBerlin