A contribuição de João Filgueiras Lima, o Lelé, para a arquitetura brasileira

A história da arquitetura brasileira não pode ser contada sem mencionar um dos nomes mais marcantes: João Filgueiras Lima (1932-2014), mais conhecido como Lelé. Sua obra transcende a estética e se firma como um compromisso profundo com a função social da arquitetura. Ao longo de sua carreira, Lelé demonstrou que a inovação técnica pode caminhar lado a lado com a responsabilidade ambiental e humana, criando espaços que não apenas abrigam pessoas, mas contribuem com saúde, educação e qualidade de vida.
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Lelé acreditava que a arquitetura deveria ser uma ferramenta de transformação social. Sua busca por soluções construtivas industrializadas e sustentáveis o tornou referência mundial, especialmente no campo da arquitetura hospitalar. Mais do que edifícios, ele projetou ambientes que favorecem a recuperação, o aprendizado e a convivência, deixando um legado que continua inspirando novas gerações de arquitetos e urbanistas.
Trajetória de Lelé
Nascido em 10 de janeiro de 1932, no Rio de Janeiro, João Filgueiras Lima era filho de João da Gama Filgueiras Lima Filho e Maria Emília Ribeiro Filgueiras Lima. Formou-se em Arquitetura e Urbanismo em 1955 pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pouco tempo depois, em 1957, mudou-se para Brasília, ainda em construção, onde participou dos primeiros canteiros de obras da nova capital.
Colaborou com Oscar Niemeyer, detalhando e construindo diversos edifícios, como o Instituto Central de Ciências da Universidade de Brasília, conhecido como Minhocão. Também projetou os “apartamentos da Colina” para professores da Universidade de Brasília (UNB). Foi nesse contexto que começou a se destacar pela busca de racionalização construtiva e pela criação de soluções que uniam técnica e função social.
Lelé e a filha, a também arquiteta Adriana Filgueiras, na obra do hospital da Rede Sarah do Rio de Janeiro
Celso Brando/Divulgação
Lelé casou-se em 1960 com Alda Rabello Cunha, com quem teve três filhas: Luciana, Adriana (também arquiteta) e Sônia.
Sua carreira foi marcada pela experimentação e pela ousadia técnica. Foi pioneiro na industrialização da construção civil no Brasil, desenvolvendo sistemas de pré-fabricação e o uso da argamassa armada, que permitiam maior rapidez, economia e sustentabilidade nas obras. “Meu pai acreditava que a pré-fabricação atenderia às questões mais urgentes da sociedade, de forma rápida e econômica, mas o sistema da construção civil nunca absorveu isso”, diz a filha, Adriana.
Projetado por Lelé em 1974, o Edifício Morro Vermelho fica em Brasília
Manuel Sá/Divulgação
Mais tarde, em Salvador, BA, Lelé consolidou sua trajetória com projetos voltados à saúde e à educação. José Fernando Marinho Minho, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), conheceu o arquiteto em 1979 e iniciou sua colaboração em 1980, na Companhia de Renovação Urbana de Salvador (RENURB), onde Lelé atuava como coordenador técnico.
A parceria se estendeu até 2011, no Instituto Brasileiro de Tecnologia do Habitat (IBTH), última iniciativa profissional do arquiteto. “Ele era extremamente disciplinado, consciente do compromisso com a cidade e com as pessoas que a habitavam. Daí sua exigência em relação a tudo que pudesse impactar essa população”, relembra José Fernando.
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A prática profissional de Lelé sempre esteve ligada à ideia de que a arquitetura deveria responder às necessidades sociais, e não apenas às demandas estéticas. Ele cultivava paixões que revelavam sua sensibilidade e completavam sua visão de mundo: era músico – tocava piano, acordeon e violão – e muito ligado à natureza.
Segundo Adriana, a família tinha uma casa repleta de animas ao redor. A filha também ressalta a obstinação do pai: “Ele desenhava em qualquer lugar, até no vidro do carro”.
Até hoje ela guarda todos os caderninhos de desenho e lembra que, mesmo em tratamento contra o câncer, em seus últimos anos, Lelé continuava viajando e produzindo, movido por um amor enorme pela profissão. Lelé faleceu em 21 de maio de 2014, em Salvador.
Características Arquitetônicas
A obra de Lelé é marcada por uma forte preocupação com o conforto ambiental e a sustentabilidade. Sempre muito influenciado pela arquitetura moderna, principalmente Mies van der Rohe, ele desenvolveu sistemas construtivos que privilegiavam a ventilação cruzada e a iluminação natural, reduzindo a necessidade de recursos artificiais e garantindo ambientes mais saudáveis.
Além disso, Lelé tinha forte influência do trabalho de Oscar Niemeyer, “tanto profissionalmente quanto em sua formação pessoal”, de acordo com Adriana. “Meu pai mostrava a Oscar todos os seus projetos, buscando sua opinião”, lembra.
Em seus projetos, o uso da pré-fabricação e da argamassa armada permitia rapidez na execução das obras e economia de materiais, além de possibilitar a criação de estruturas leves e flexíveis. Sua arquitetura é funcional, mas ao mesmo tempo sensível, pensada para servir às pessoas e melhorar suas vidas.
O Centro de Reabilitação da Rede Sarah na Ilha da Pombeba, no Rio de Janeiro, leva a assinatura de Lelé
Celso Brando/Divulgação
José Fernando destaca que a sustentabilidade já estava presente nas primeiras obras de Lelé, visível no desenho, no detalhamento, no uso dos materiais, na preocupação como desperdício e no controle de custos. Segundo ele, os espaços refletiam essas preocupações, sendo generosos, iluminados e ventilados naturalmente, com acabamento impecável e integração de obras de arte, como na colaboração com o artista plástico Athos Bulcão.
Adriana também destaca essa preocupação ambiental e social de Lelé e reforça que “ele sempre dizia: o que vai destruir o planeta é o desperdício”. Ainda segundo ela, o pai nunca separava projeto e obra, detalhava cada construção para evitar sobras e acreditava que o socialismo era a única saída para preservar o planeta.
Lelé utilizava os materiais no limite de suas capacidades, não apenas por economia, mas por respeito ao uso racional dos recursos. “Sendo assim, acho que ele estava sempre estimulado a melhorar o seu desenho para se adequar ao emprego mais racional dos insumos e recursos”, afirma José Fernando.
Para conciliar técnica e compromisso social, Lelé buscava tecnologias que reduzissem tempo e custo de execução, mas que fossem viáveis no contexto econômico do país. “Por esta razão, se aproximou da pesquisa sobre argamassa armada desenvolvida pela Escola de Engenharia de São Carlos em São Paulo, conseguindo industrializar o material para a produção de sistema de saneamento básico para Salvador, além de escolas, creches, passarelas, hospitais e prédios para instituições públicas em várias unidades da Federação”, conta José Fernando.
Além disso, Lelé implantou diversas fábricas no Brasil para produzir mobiliário e equipamentos públicos baseados em pré-fabricação em concreto, argamassa armada e aço.
Detalhe arquitetônico do hospital da Rede Sarah, no Rio de Janeiro, assinado pelo arquiteto Lelé
Celso Brando/Divulgação
Após a construção de Brasília, da qual participou como colaborador de Oscar Niemeyer, Lelé iniciou sua carreira acadêmica como professor na UNB. Nesse período, segundo José Fernando, “foi enviado aos países do leste europeu para visitar as fábricas e obras em pré-fabricados de concreto que ali se faziam para a recuperação das cidades no pós-guerra”. Esse contato internacional foi decisivo para sua trajetória.
Lelé trouxe para o Brasil o conhecimento sobre a industrialização da construção, aplicando-o tanto em projetos de Oscar Niemeyer — como o Instituto Central de Ciências (ICC) — quanto em obras próprias para a UNB, como os Galpões de Serviços Gerais e os prédios de apartamentos destinados a professores da universidade.
O envolvimento pessoal de Lelé na execução dessas obras foi fundamental, proporcionando novos conhecimentos e práticas, que se refletiram em projetos posteriores de grande relevância em Brasília e seu entorno, como o Hospital de Taguatinga, a Disbrave, a Planalto de Automóveis e a sede da Camargo Corrêa.
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Em síntese, a experiência no leste europeu não apenas ampliou o repertório técnico de Lelé, mas consolidou sua convicção de que a pré-fabricação era o caminho para unir eficiência construtiva, economia de recursos e compromisso social.
“Lelé fez uma arquitetura ampla, de maneira realmente industrial, ecológica, com um custo honesto, em um canteiro de obra humanizado e lidando de frente com a interface política do Brasil”, declara arquiteto e fotógrafo de interiores Manuel Sá.
Manuel destaca ainda o nível de detalhamento suíço dos projetos, pensados na escala 1:1 e executados com precisão, citando como exemplo o projeto que Lelé desenvolveu para o Minha Casa Minha Vida, que seria revolucionário. “Sempre me impressionou ver o nível de acabamento das obras de Lelé em Salvador, onde é nítido que tudo que foi desenhado e pensado, foi executado como tal”, afirma.
Principais projetos
Rede de Hospitais Sarah Kubitschek
Talvez as obras mais emblemáticas de Lelé, os hospitais Sarah Kubitschek se tornaram referência mundial em reabilitação. São espaços pensados para favorecer a recuperação dos pacientes, integrando arquitetura e medicina.
Adriana destaca o Sarah Rio de Janeiro, com sistema de ventilação natural e integração com a paisagem, e lamenta o abandono do imóvel na Ilha da Pombeba, que foi sucateado após a morte de Lelé. “Meu pai gostava muito desse prédio”, revela.
O Centro de Reabilitação Sarah Rio, na Ilha da Pombeba, foi projetado pelo arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé
Celso Brando/Divulgação
Lelé projetou ambientes amplos, iluminados e ventilados naturalmente, com jardins internos e áreas de convivência que humanizam o tratamento. A racionalização construtiva, com uso de pré-fabricação e argamassa armada, permitiu rapidez na execução e flexibilidade para adaptações futuras.
Para Manuel Sá, todas as obras da rede Sarah são essenciais para compreender a trajetória do arquiteto, pois revelam sua inquietação constante com as técnicas construtivas.
Hospital Sarah Kubitschek do Rio de Janeiro, projetado por João Filgueiras Lima, o Lelé
Celso Brando/Divulgação
Adriana relembra episódios marcantes, como a passarela construída entre dois edifícios do Hospital Sarah em Brasília, montada antes mesmo do alvará: “A passarela está em pleno funcionamento até hoje”. Também cita a escavação manual de uma garagem subterrânea, que evitou danos ao hospital.
Vista aérea da passarela construída entre dois edifícios do Hospital Sarah em Brasília
Celso Brando
Palácio Tomé de Sousa
O Palácio Tomé de Sousa é um exemplo emblemático da busca de Lelé por eficiência e inovação na arquitetura. Erguido em 1986 para abrigar a prefeitura de Salvador, o edifício impressiona pela rapidez de execução: sua estrutura metálica foi montada em apenas duas semanas, resultado de um processo industrializado que reduziu custos e tempo sem comprometer a qualidade.
Construído em 1986, o Palácio Tomé de Sousa é a sede da prefeitura de Salvador
Gabriel Fernandes/Wikimedia Commons
Com linhas modernas em aço e vidro e cerca de 2 mil m², o palácio se integra ao cenário da Praça Tomé de Sousa, oferecendo vista para a Baía de Todos-os-Santos e o Elevador Lacerda. Mais do que sede administrativa, tornou-se símbolo da capacidade de Lelé de transformar a construção civil em um exercício de racionalidade e beleza.
Hospital Regional de Taguatinga
O Hospital Regional de Taguatinga, no Distrito Federal, é um marco da arquitetura hospitalar brasileira. Inaugurado em 1968, o edifício foi concebido a partir de um sistema pré-fabricado de concreto armado, solução que permitiu rapidez na construção e garantiu flexibilidade para futuras expansões.
O Hospital Regional de Taguatinga, em Brasília, foi projetado em 1968 por Lelé e construído a partir de um sistema pré-fabricado de concreto armado
Lúcio Bernardo Jr/Agência-Brasília/Flickr/Creative Commons
Implantado em um terreno de acentuada inclinação, o hospital se organiza em quatro níveis, aproveitando a topografia para distribuir fluxos e facilitar o acesso. A proposta de Lelé não se limitou à eficiência estrutural: ele buscou criar um ambiente humanizado, com iluminação natural abundante, ventilação cruzada e conforto térmico.
Centro de Exposições do Centro Administrativo da Bahia
O Centro de Exposições do Centro Administrativo da Bahia é uma obra que traduz sua ousadia técnica e estética. Construído em 1974, o edifício chama atenção por estar suspenso a cinco metros do solo, apoiado em duas torres laterais que concentram os acessos e liberam o espaço térreo para circulação. Essa solução estrutural, executada em concreto aparente moldado no próprio local, confere monumentalidade e leveza ao conjunto, ao mesmo tempo em que revela a lógica construtiva característica do arquiteto.
Suspenso a cinco metros acima do solo, o Centro de Exposições do Centro Administrativo da Bahia foi projetado por Lelé em 1974
Laurent Salanderr/Flickr/Creative Commons
O resultado é um espaço de grande impacto visual, que se integra ao Centro Administrativo da Bahia como símbolo da modernidade e da experimentação arquitetônica.
Igreja do Centro Administrativo da Bahia
A Igreja do Centro Administrativo da Bahia, também chamada de Igreja da Ascensão do Senhor, é uma das obras mais expressivas de Lelé em Salvador. Projetada na década de 1970, se destaca pela forma escultural em concreto aparente, que remete a elementos orgânicos e transmite uma sensação de movimento e leveza.
Visão frontal da Igreja da Ascensão do Senhor, em Salvador, projetada por Lelé em 1975
Argemiropgarcia/Wikimedia Commons
Implantada em meio ao conjunto administrativo, a igreja foi pensada para dialogar com o entorno natural, preservando o relevo e a vegetação e criando um espaço de contemplação que une monumentalidade e espiritualidade.
Disbrave
O edifício da Disbrave, projetado em 1965, foi pensado para abrigar oficinas mecânicas, escritórios e um posto de gasolina. O conjunto se organiza em três volumes distintos que dialogam entre si. O bloco das oficinas, horizontal e adaptado ao terreno irregular, utiliza vigas pré-fabricadas em concreto com abas curvas que se unem em forma de Y, criando uma cobertura leve e dinâmica.
Dividido em três volumes principais e distintos, o conjunto edificado da Concessionária Disbrave, em Brasília, foi projetado por Lelé em 1965
Flickr/Grupo Desbrave/Creative Commons
Em contraste, a torre vertical de escritórios, com cinco pavimentos, reforça a monumentalidade e a presença urbana do projeto. O posto de gasolina completa o programa.
Residência Nivaldo Borges
Projetada em 1972 e concluída em 1978, a Residência Nivaldo Borges é também conhecida como Casa dos Arcos. A construção utiliza grandes estruturas em concreto aparente que se repetem em ritmo contínuo, criando uma volumetria marcante e ao mesmo tempo integrada ao terreno amplo onde foi implantada.
Com 2.500 m² de área construída e 30 mil m² de área total, a Residência Nivaldo Borges fica em Brasília
Manuel Sá/Divulgação
O projeto combina espaços sociais generosos, como salão e auditório, com áreas íntimas voltadas para o jardim, aproveitando iluminação natural e ventilação cruzada. A tonalidade avermelhada do concreto reforça a identidade visual da obra e dialoga com a paisagem.
Memorial Darcy Ribeiro
Entre os projetos que marcaram a fase final da carreira de Lelé, destaca-se o Memorial Darcy Ribeiro, na UNB, concebido em parceria com o antropólogo e educador. A obra foi realizada diretamente no canteiro, utilizando processos de industrialização desenvolvidos pelo próprio arquiteto e sua equipe, sem desperdício de materiais e com soluções de racionalização construtiva.
Também conhecido como Beijódromo, o Memorial Darcy Ribeiro foi construído em um edifício circular, com dois pavimentos. Na parte central há um espaço circular ajardinado com 13 m de diâmetro e pé-direito duplo
Adriana Filgueiras/Divulgação
Inaugurado em 2010, o memorial abriga o acervo Darcy e Berta Ribeiro e o escritório de representação da Fundação Darcy Ribeiro (Fundar) em Brasília. O espaço também é conhecido pelo apelido Beijódromo, dado pelo próprio antropólogo, que queria que fosse um lugar para encontros, serestas e convivência.
O Memorial Darcy Ribeiro abriga o acervo Darcy e Berta Ribeiro e o escritório de representação da FUNDAR em Brasília
Adriana Filgueiras/Divulgação
O projeto simboliza não apenas a capacidade técnica de Lelé, mas também sua ligação afetiva com a UNB, considerada pelo educador como sua “filha”. De acordo com Adriana, “foi muito importante como exemplo de industrialização no canteiro de obras, sem nenhum desperdício. O sonho de Darcy era esse prédio na universidade”.
O auditório do Memorial Darcy Ribeiro tem capacidade para receber até 250 pessoas
Adriana Filgueiras/Divulgação
Sobre a forte parceria de Lelé com Darcy Ribeiro, Adriana conta que era uma verdadeira comunhão de ideias. “Darcy acreditava e apoiava entusiasticamente o trabalho de meu pai, incentivando-o em projetos educacionais inovadores, como as escolas em tempo integral, com foco no atendimento integral às crianças”, ela conta.
Lelé na biblioteca do Memorial Darcy Ribeiro, constituída de 22 mil livros e oito mil periódicos
Adriana Filgueiras/Divulgação
Escolas e centros comunitários
Outro campo de atuação importante foram os projetos voltados à educação e ao convívio social. Lelé desenvolveu escolas e centros comunitários que se destacavam pela simplicidade construtiva e pela eficiência. Esses espaços foram pensados para estimular o aprendizado e a interação, reforçando sua visão de que a arquitetura deve servir às pessoas.
Entre 1985 e 1989, Lelé implantou em Salvador a Fábrica de Equipamentos Comunitários (FAEC), um laboratório de pré-fabricação voltado para atender demandas sociais de forma rápida e econômica. A iniciativa produziu desde bancos e passarelas até creches e escolas, resultando em mais de quarenta unidades escolares espalhadas pela cidade. Além de transformar bairros populares com soluções simples e eficientes, a FAEC forneceu tecnologia para o projeto de revitalização do Centro Histórico de Salvador, conduzido por Lina Bo Bardi.
Sistemas de ventilação e iluminação natural
Uma das grandes contribuições de Lelé foi o desenvolvimento de soluções arquitetônicas que privilegiavam o conforto ambiental. O uso de sheds e estruturas que captavam luz e ar de forma eficiente reduzia a dependência de sistemas artificiais, tornando os edifícios mais sustentáveis e agradáveis. Essa preocupação com o ambiente interno é uma marca registrada de sua obra.
Desenho feito por Lelé do sistema de ventilação do hospital da Rede Sarah no Rio de Janeiro
Cedida por Adriana Filgueiras/Divulgação
Reconhecimento e legado
Ao longo de sua trajetória, Lelé recebeu diversos prêmios e homenagens, entre eles o Colar de Ouro (2000); a Sala Especial que ocupou na Bienal Internacional de Veneza (2000); os prêmios pelo conjunto da obra na IX Bienal Internacional de Buenos Aires (2001) e na III Bienal Ibero-Americana de Arquitetura e Urbanismo (2002); os títulos de Doutor Honoris Causa pela UFBA (2003) e de Professor Emérito da UNB (2005); e a Medalha de Ouro da Federação Pan-Americana de Associações de Arquitetos (2012).
É considerado um dos maiores arquitetos brasileiros do século 20, lembrado por unir tecnologia, sustentabilidade e compromisso social. Seu legado é preservado pela filha Adriana Filgueiras. “Transferi o acervo para Brasília e atualmente está sob meus cuidados. Tenho organizado o material gradualmente. Foi isso que eu prometi a ele, e vou fazer”, comenta. Todo o acervo está uma propriedade da família que foi reformada para isso – uma casa de madeira, circundada por mata ciliar e um lago, no Parque Residencial, adquirida por Lelé.
Recentemente, Adriana firmou parceria com o Instituto Artur Casas para digitalizar os desenhos com os equipamentos instalados na casa, sem que os desenhos originais precisem ser retirados. “Minha única exigência foi que o material digitalizado fosse disponibilizado gratuitamente, com livre acesso para pesquisadores, estudantes e professores”, explica.
Adriana Filgueiras, Lelé e Oscar Niemeyer na inauguração do hospital da Rede SARAH na Ilha da Pombeba, no Rio de Janeiro
Celso Brando
Adriana define o legado de Lelé como inseparável da arquitetura social e da industrialização da construção: “Meu pai acreditava que a pré-fabricação atenderia as questões mais urgentes da sociedade”. Ela lamenta que o sistema da construção civil não tenha absorvido essas soluções por não gerar lucro. “A arquitetura brasileira está indo para outro caminho, principalmente no setor público”, diz.
João Filgueiras Lima, o Lelé, deixa um legado na arquitetura brasileira
Cedida por Adriana Filgueiras/Reprodução
Para José Fernando, a maior contribuição de Lelé foi demonstrar que é possível realizar obras de interesse social dignas e de baixo custo, reduzindo demandas da sociedade em equipamentos públicos e habitação popular. Como professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia – FAUFBA, ele observa o crescente interesse dos alunos pela obra de Lelé, especialmente nas estratégias de conforto ambiental, nos processos de pré-fabricação e no uso racional dos materiais.
O legado de Lelé também é mantido vivo por admiradores e pesquisadores contemporâneos, como o arquiteto e fotógrafo Manuel Sá, que criou um perfil no Instagram dedicado ao arquiteto. “Sou apenas um entusiasta”, afirma.
Suas ideias continuam sendo inspiração para muitos arquitetos e urbanistas que buscam soluções criativas e humanas para os desafios das cidades contemporâneas. Para os jovens arquitetos, Adriana resume o conselho que Lelé sempre dava: “Nunca se afastem da construção”, enfatizando que arquitetura e construção têm que caminhar juntas, sempre.

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