A história da alimentação e as comidas mais antigas do mundo

Pão, cerveja e vinho estão entre algumas das comidas mais antigas do mundo. Conheça a origem desses alimentos! A história da alimentação está intrinsecamente ligada a trajetória humana e às práticas culturais de cada região do mundo. Desde os tempos pré-históricos, quando as primeiras populações se alimentavam de frutas e raízes oriundas da coleta, até o surgimento da agricultura e o consumo de carne, a busca por alimento moldou hábitos e tradições. Parte dessas práticas permanecem, inclusive, na atualidade.
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A busca pelos pratos e bebidas mais antigos do mundo é um desafio, pois suas origens exatas são difíceis de serem determinadas. No entanto, evidências arqueológicas e históricas sugerem que civilizações antigas praticavam fermentação, panificação e conservação há milhares de anos.
Embora haja dificuldades para datar com precisão o surgimento de cada alimento, é possível elencar alguns tipos a partir dessas evidências. As descobertas científicas derivadas das interpretações diante desses vestígios e certas permanências nos hábitos alimentares fornecem informações valiosas sobre a história da alimentação e também da humanidade.
Da Pré-História a Idade Contemporânea
Os estudos mais recentes sobre a história da alimentação apontam que o homem teria começado a consumir frutos e raízes após observar o comportamento de outros animais. “A alimentação se baseava na caça e coleta do que se encontrava na natureza”, explica Fabio Freitas, engenheiro-agrônomo e pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) na área de conservação de recursos genéticos junto a comunidades indígenas. Depois, a espécie humana teria passado a ingerir carne crua e moluscos in natura.
A arte rupestre oferece informações valiosas sobre os hábitos alimentares e a relação dos humanos com a natureza no período pré-histórico. Pintura rupestre registrada no Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí
Leonardo Ramos/Wikimedia Commons
“A descoberta do fogo revolucionou a alimentação, permitindo o processamento dos alimentos, como o cozimento. Provavelmente, caldos e sopas foram algumas das primeiras preparações”, indica o engenheiro. No entanto, no período Paleolítico, entre 500.000 a.C. e 1.000 a.C., a subsistência era garantida com a coleta de, além da pesca e caça bastante diversificada de animais, com o uso de instrumentos rudimentares, feitos de ossos, madeira ou lascas de pedra.
A escassez de alimentos e a hostilidade do meio ambiente obrigavam os grupos humanos a viver como nômades. Porém, com a chegada do período Neolítico, entre 10.000 a.C. e 4.000 a.C., aconteceram grandes transformações. “Um grande salto ocorreu com a domesticação de espécies. Ao domesticar plantas e animais, o ser humano passou a ter maior controle e garantia sobre o alimento, levando-o para diferentes locais”, comenta Fabio.
Inicialmente, domesticaram-se animais como cachorro, gato, gado e ovelha. Entre as plantas, destacam-se milho, trigo e arroz. Também começam a ser produzidas bebidas e alimentos líquidos com o emprego de cereais: raízes, caules, grãos, vagens, brotos, cozidos, ensopados e condimentos.
“A partir desse período, há um conhecimento maior dos hábitos alimentares da população humana”, pontua o engenheiro agrônomo. Evidências históricas mostram o conhecimento de diferentes culturas sobre a alimentação e os seus benefícios. Em textos de Hipócrates, célebre médico da Grécia antiga, revelam alguns produtos alimentícios, como favas, grão-de-bico, pescados, pequenos animais de criação, consumidos pelos gregos, e o uso no tratamento de doenças.
Quadro “Interno di cucina con cena in emmaus”, de Floris van Schooten, feito por volta de 1610, que retrata o ambiente de uma cozinha na transição da Idade Medieval para a Idade Moderna
Museu Cívico Ala Ponzone/Wikimedia Commons
Com a Idade Média, a alimentação começa a ser marcada pelo uso de especiarias, como temperos, açúcar e sal. Sabores mais ácidos referentes ao vinagre, ao vinho e aos sucos de frutas cítricas também se tornam mais comum. Já na Idade Moderna, entre os séculos 15 a 18, a agricultura que antes era de subsistência, passa a ter fins comerciais. Produtos como tomate, batata, milho, arroz e outras espécies alimentares se tornam importantes na alimentação ocidental.
As atividades agropecuárias, inclusive de mercado, continuaram crescendo nos séculos 19 e 20. O consumo do açúcar, até então restrito às elites sociais, difundiu-se na alimentação popular. Houve também aumento no consumo de ovos e, especialmente, de gorduras.
“É interesse pensar que, com a modernização, apesar da ampliação da agricultura e pecuária, a diversidade dos alimentos consumidos foi sendo reduzida, por pressões da indústria, do mercado e do modo de vida atual”, salienta Fabio.
Comidas mais antigas do mundo
Para mapear as comidas cuja origem é mais antiga na história da humanidade, as pesquisas caminham em duas frentes principais, sendo elas a arqueológica ou histórica, e a etnográfica ou antropológica. “A primeira se baseia na análise de vestígios materiais encontrados em sítios arqueológicos. Isso inclui ossadas de animais, restos vegetais, utensílios de cozinha, áreas de preparo de alimentos e até mesmo o DNA preservado nesses vestígios”, explica Fabio.
Através da datação desses materiais e da comparação entre diferentes sítios, os pesquisadores conseguem traçar um panorama da alimentação em períodos remotos. Documentos históricos também podem ser usados nesse mapeamento, como tábuas de madeiras e registros gráficos deixados por essas populações.
Outra possibilidade é uma análise etnoarqueológica e antropológica. Essa se dá a partir de uma análise dos hábitos que permanecem preservados no presente em comunidades tradicionais. “Ao observar o que cultivam, como preparam, processam e armazenam seus alimentos, e até mesmo a sua linguagem relacionada à comida, os pesquisadores conseguem trazer hipóteses sobre as práticas alimentares que permaneceram ao longo da história de uma determinada população ou cultura”, destaca Fabio.
Confira a lista e a origem das seis comidas mais antigas do mundo!
Pão
Até pouco tempo, acreditava-se que o pão mais antigo datava de 6.600 a.C. da região da Turquia. Porém, mais recentemente, em publicação da revista científica PNAS, cientistas descobriram dois edifícios na Jordânia, cada um contendo uma grande lareira onde foram encontradas migalhas de pão carbonizadas, que datam de 14.000 a.C. As pessoas que viviam na região eram caçadores e os pesquisadores apontam que o pão possa ter sido feito para uma espécie de celebração.
A origem mais aceita atualmente do pão é da região da Jordânia
Freepik/Creative Commons
Cerveja
Descobertas da pesquisa liderada por Li Liu, do Centro de Arqueologia da Universidade Stanford e publicada no Journal of Archaeological Science: Reports, apontam que a cerveja possivelmente surgiu em torno de 13.000 a.C. na Caverna Raqefet, em Israel. As pesquisam apontam que esses povoados usavam pilões de rocha para triturar e cozinhar alimentos vegetais, incluindo a fabricação de cerveja à base de trigo e cevada, provavelmente servida em festas rituais.
A cerveja lager é uma das mais populares no Brasil e, em 2022, representou 97% do volume total de vendas no varejo
Pexels/Cottonbro Studio/Creative Commons
Tamales
Os tamales se originaram na região da América Central entre 10 e 7 mil anos atrás e se espalharam para o México, a Guatemala e o restante da América Latina. A palavra “tamale” deriva da palavra náhuatl (“tamal”), uma das principais línguas dos astecas durante seu império. No entanto, quando foi feito pela primeira vez, não havia milho como o de hoje, então o precursor foi o teocintle, que era a base do tamale.
Tamales é um prato típico que surgiu na região da Mesoamérica
Freepik/Creative Commons
Vinho
Arqueólogos descobriram fragmentos de cerâmica usados ​​para armazenar e fermentar vinho, que datam do período Neolítico, por volta de 8 mil anos atrás, na região da Geórgia. Os fragmentos de cerâmica são as primeiras evidências de produção de vinho conhecidas no mundo e foram focos de uma pesquisa em colaboração entre a Universidade de Toronto e o Museu Nacional da Geórgia.
O vinho é uma das bebidas mais antigas e a sua origem data de 8 mil anos atrás
Pexels/Polina/Creative Commons
Hidromel
O hidromel é uma bebida alcoólica obtida por meio da fermentação de água e mel. As pesquisas indicam que o surgimento possível da bebida foi fruto do acaso em torno de 10 mil anos atrás. O mel que era armazenado em potes de barro passou pela fermentação ao entrar em contato com a água devido a sensibilidade do mel. Há indícios do produto nas civilizações do Egito, Grécia, Império Romano, Idade Média, de povos nórdicos e indígenas.
O consumo do hidromel, que já foi muito popular em civilizações ancestrais, tem crescido globalmente e, hoje, tem um patamar gourmet na gastronomia
Iara Venanzi/Editora Globo | Produção: Bruna Pereira/Divulgação
Queijo
Cientistas da equipe liderada por Richard Evershed, da Universidade de Bristol, na Inglaterra, encontraram na Polônia os sinais mais antigos da produção de queijo pela humanidade. O estudo analisou vestígios em fragmentos de cerâmica com substâncias presentes na gorduras, que comprovaram que o recipiente tinha sido usado no tratamento de laticínios. As amostras datam de cerca de 7,5 mil anos atrás.
Vestígios em fragmentos de cerâmica foram base do estudo da origem do queijo
Freepik/Creative Commons
E no Brasil?
A alimentação brasileira na sua origem recebe influências da cultura indígena, da cozinha portuguesa e europeia e de países do continente africano devido a vinda da mão-de-obra escravizada durante o período colonial do Brasil. “Em uma perspectiva mais ampla, povos indígenas consumiam mandioca, milho, peixe, carne de caça, palmito, frutas, como o caju, e pimenta.
A mandioca é um dos alimentos comuns a diferentes povos indígenas brasileiros e está na base da história alimentar do país
Freepik/Creative Commons
“Com a colonização, novos alimentos, como feijão, arroz e carne de gado, foram introduzidos”, comenta Vanessa Rodrigues, doutora e pesquisadora em arqueologia e preservação do patrimônio pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Essas influências se misturam e geram inúmeras variações, desde os ingredientes usados até nomes e combinações culinária. Um exemplo disso é o caso do prato conhecido como cozido. Em Portugal, a receita usa variados derivados de porco, já no Brasil, a receita é farta em legumes e carne de vaca.
O pesquisador da Embrapa indica que as populações indígenas originárias brasileiras tinham uma dieta diversa e variava conforme a oferta disponível de alimento e as condições ambientais de cada região. “Entre os povos indígenas do Brasil, alguns, como os do Xingu, eram mais agricultores. Para eles, a base alimentar era mandioca e peixe”, exemplifica Fabio. Além disso, entre algumas etnias, foi significativa também, como parte da troca cultural, a incorporação de novas práticas alimentares.
Espécies vegetais foram, inclusive, domesticadas no Brasil por essas populações. Achados arqueológicos analisados em artigo liderado por Jennifer Watling com resultados publicados no jornal científico on-line PLOS ONE, mostram que a região do Alto Rio Madeira, no Sudeste da Amazônia, foi um importante polo de domesticação de plantas.
A mandioca teria sido domesticada ali entre 8 mil e 10 mil anos atrás. “O amendoim, embora o gênero seja brasileiro, a espécie domesticada foi na Bolívia, chegando rapidamente ao Brasil. A batata-doce e o abacaxi também são originários da América do Sul”, pontua Fabio.
Uma das espécies de amendoim teve a sua domesticação no Brasil
Freepik/Creative Commons
Um estudo interdisciplinar da alimentação
A alimentação é normalmente associada ao campo da nutrição e suas pesquisas. Os hábitos alimentares, suas práticas e os benefícios dos alimentos podem ser entendidos por essa perspectiva. Porém, para além do campo da nutrição, o estudo da alimentação pode ser realizado por diferentes enfoques, a partir de uma perspectiva interdisciplinar.
“A abordagem biológica engloba a literatura médica, estatística, dados censitários e registros oficiais, envolvendo a botânica e a zoologia. Já o enfoque social, trata principalmente da inserção, aceitação ou rejeição de um determinado alimento”, explica Vanessa.
Os achados arqueológicos ajudam a compreender a história da alimentação e as suas relações com aspectos culturais
Arqueologia.chodlik/Wikimedia Commons
Existe também um aspecto econômico, que avalia a obtenção de determinado alimento considerando a época e o contexto que se encontrava inserido. Além disso, essa abordagem compreende as etapas do sistema alimentar como a produção, o abastecimento, as safras, os preços, os mercados, o consumo, a circulação e o transporte, considerando a urbanização e industrialização.
Já uma abordagem filosófica discorre sobre o apreço pela satisfação em comer. “Esse aspecto avalia as responsabilidades subjacentes, os princípios morais relacionados a hospitalidade, bem como a ética na alimentação, consideração pela vida animal e a moralidade das biotecnologias”, afirma Vanessa.
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Há ainda o aspecto cultural, uma vez que a cultura pode ser refletida através dos hábitos alimentares dos grupos sociais e pode variar de uma localidade para outra. “A alimentação reflete as hierarquias sociais e relações econômicas. Analisar historicamente os hábitos alimentares ajuda a entender a estrutura social, econômica e cultural de uma comunidade”, afirma Vanessa.
Conhecer a história da alimentação ajuda também compreender a seleção que foi feita ao longo do tempo dos alimentos. “Existem comidas que consumíamos e nem sabemos mais. Quanto mais conhecermos a história da alimentação, considerando, inclusive, os saberes das comunidades tradicionais, mais compreendemos as dinâmicas sociais de determinado local”, finaliza Fabio.

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