A importância da decoração nos restaurantes de Renata Vanzetto

Misturar os sentidos, tomar um pelo outro, borrar a fronteira entre o ver e o degustar, transformá-los em metonímia sensorial: há quem diga que o apetite começa pelos olhos. Para Renata Vanzetto é exatamente assim, o ambiente onde se serve a comida também precisa ter sabor. Idealizadora dos restaurantes Mamma Vanzetto, Motel, Me Gusta, Mi.Ado, Matilda, Muquifo, Mé e o recém-fechado Ema, a chef paulistana não apenas assina os cardápios, ela desenha, escolhe, pinta, arrasta móveis, martela quadros e compõe atmosferas inteiras a partir de uma estética, antes de tudo, visceral. “Meus restaurantes são a minha cara. Não abro mão de me envolver no projeto do começo ao fim.”
Ambiente do Muquifo, onde impera o estilo “casa de vó”, com azulejos de estampas florais e itens garimpados
Gui Gomes
O interesse pela decoração não é algo adquirido recentemente. Desde cedo, esse olhar caminhou lado a lado com a cozinha. Crescida em Ilhabela, SP, foi com a mãe, a decoradora e artista autodidata Silvia Camargo, que aprendeu a importância das composições visuais. Depois de a família perder tudo e se mudar para o litoral, Silvia começou um novo negócio. “Ela comprava casinhas velhas, reformava, decorava e vendia. Tinha zero planejamento e zero verba, mas chamavam a atenção porque ficavam realmente muito bonitinhas”, lembra. Ao lado dela, Renata participou de inúmeras mudanças de casa e acompanhou de perto os improvisos criativos que moldaram seu repertório. Foi nesse cenário de reinvenção estética constante que a semente da gastronomia começou a germinar. Aos 13 anos, Renata viu sua casa se transformar em restaurante, o Quintal. Montado no próprio lar e decorado pela mãe com toques kitsch, o espaço causava impacto à primeira vista. “Tanto a gastronomia quanto esse meu lado artístico vêm 100% das mulheres da minha família, em especial da minha mãe e da minha avó Cida.”
Detalhe revela o guardanapo (emoldurado) que levou ao nascimento do Muquifo: “Eu estava com o meu cunhado, vestido com uma calça verde, um moletom rosa, sentado numa poltrona verde, em frente a uma parede rosa. Todo esse conjunto me fez ter o estalo de criar o Muquifo
Gui Gomes
De blazer Framed + Nathalie Edenburg e brincos de acervo, Renata come uma massa no Mamma Vanzetto, onde listras azul-índigo marcam o décor contemporâneo e levemente industrial
Gui Gomes
Na vida adulta, a inventividade ganhou novos contornos. Não só pela experiência em cozinhas ao redor do planeta, como a do restaurante dinamarquês Noma, eleito consecutivas vezes o melhor do mundo pelo 50 Best, premiação da revista inglesa Restaurant, mas também pelas relações com arquitetos e designers que a cercam: o sócio e amigo Fernando Ferri, responsável por boa parte dos projetos de seus negócios, e o marido, o arquiteto Cassiano Bonjardim, autor da ambientação do Motel, um dos espaços mais provocativos e comentados de sua trajetória. “Eles me conhecem profundamente, sabem o que eu quero, e a gente fala a mesma língua”, pontua.
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Fotos da família do sócio Fabricio Kobashi decoram o restaurante Mi.Ado
Gui Gomes
Cada restaurante tem identidade própria, mas compartilham entre si um espírito irreverente, uma informalidade proposital e um toque de humor. O visual “meio destroyed”, como a própria Renata define, aparece como resposta tanto a escolhas quanto a limitações – financeiras, espaciais ou temporais. No Mi.Ado, por exemplo, o banheiro ganhou papel de parede feito com jornal japonês como saída charmosa para uma urgência de obra. “É um combo proposital, mas barato”, diz, rindo.
Um quadro comprado em um brechó em Ilhabela faz parte da ambientação do Me Gusta desde o seu primeiro endereço, no litoral
Gui Gomes
E, ao contrário do que se imagina, o cardápio nunca vem primeiro. “Penso no ambiente antes de pensar na comida. A identidade visual acaba definindo os pratos”, conta. No caso do Motel, o nome e o conceito foram guiados por um repertório vintage e ligeiramente cafona, que se traduz nos pratos com bom humor, como o coquetel de camarão, o merengue finalizado com uma cereja no topo e o chocolate em forma de cigarro.
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No italiano Mamma Vanzetto, com uma pitada industrial, Renata criou uma composição de quadros com imagens da escritora e amiga Camila Fremder e outros elementos pessoais. No Me Gusta, bar de drinques e comidinhas com influência mexicana, poltronas e sofás comprados em bazares, um quadro trazido de Ilhabela e a colaboração de amigos pautaram o ambiente, que nasceu do improviso. Já o recém-fechado Ema, projeto autoral que marcou sua independência criativa, surgiu de uma obsessão por emas e pelas pinturas que começou a fazer em um momento de luto pela morte de um namorado.
O Motel, com projeto assinado por Cassiano Bonjardim, é seu primeiro para o grupo Eme
Gui Gomes
O Muquifo, por sua vez, é um dos espaços mais afetivos e despretensiosos do grupo. Com logo escrito à mão pela avó, apela para a memória, incluindo azulejos florais, objetos garimpados e comida simples, que abraça.
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Viajar também é motor criativo para Renata. Recentemente, passou por Nova York e Lisboa em pesquisas que uniram visitas a restaurantes, antiquários e museus. “O simples fato de entrar num café em outro país, ver os objetos, as pessoas, já me dá ideias”, diz. Do português Prado ao nova-iorquino Altro Paradiso, ela absorve detalhes que despertam os sentidos e a inspiram a buscar, nos próprios projetos, uma atmosfera vibrante. “É isto que eu quero criar: uma sensação que não assuste, que acolha.”
No Motel, o vermelho e uma aura “brega cool” caracterizam o décor
Gui Gomes
Além dos restaurantes e da Mercearia Maravilha, loja de objetos de cozinha, decoração e acessórios, Renata acaba de estrear como jurada no reality Chef de Alto Nível, da TV Globo, expandindo seu universo criativo também para a televisão.
Penso no ambiente antes de pensar na comida. A identidade visual acaba definindo os pratos
Renata, de look Neriage, brincos Animale e sandálias Schutz, posa em outro canto do Motel
Gui Gomes
Quando questionada se há um elemento que se repete nos projetos, Renata responde: “O coentro aparece em todos os cardápios”. Um ato falho, talvez – a pergunta era sobre decoração. Mas é exatamente nesse ponto que tudo faz sentido: para ela, não existe divisão entre o que é comestível e o que é visual. Tudo é expressão, tudo é criação num universo em que formas, cores e objetos se articulam com a mesma espontaneidade e intenção, seja em um espaço de personalidade única, seja em um prato autoral.
*Matéria originalmente publicada na edição de agosto/2025 da Casa Vogue (CV 475), disponível em versão impressa, na nossa loja virtual e para assinantes no app Globo Mais.
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