Recebi de amigos arquitetos uma reportagem que falava sobre as maravilhas que o Chat GPT fazia ao, em segundos, gerar uma imagem de alta definição de um projeto. As ferramentas prometem poupar semanas de empenho e ajustes, apenas fornecendo informações sobre estilo e uma base de desenho 3D sem acabamentos para ele trabalhar.
Fiquei curioso e fui testar a ferramenta, enviando algumas palavras-chave junto ao meu desenho cru. Em menos de um minuto chegou o resultado: uma imagem de boa definição, iluminada, bem sombreada e com texturas bonitas. Entretanto, o meu projeto havia virado um Frankenstein pasteurizado de referências genéricas e simplificadas, na proposição gerada.
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O que eu suspeitava se mostrou real: a falta do olhar humanizado da chamada inteligência artificial. A ferramenta carece de aspectos do pensar, da experiência de vivências para projetar e ambientar um espaço.
Haverá clientes que vão olhar essas imagens autoprojetadas e irão amar, se identificar e achar bonito. Mas, a próxima pergunta que eu faria é: esses clientes são os que gostaríamos de atingir e trabalhar?
Ou estamos buscando quem deseja uma opinião não baseada em algoritmos e modismos? Pessoas que valorizam o processo criativo, a troca, o entendimento das necessidades, quem capte informações e necessidades, para além apenas da arquitetura. Que buscam profissionais que façam o intermédio entre o gosto de quem irá utilizar os espaços e suas demandas, mantendo a qualidade arquitetônica.
A tecnologia e a inteligência artificial podem facilitar processos, mas não substituem o papel dos profissionais criativos de arquitetura e design
Freepik/Creative Commons
Outra argumentação que já ouvi algumas vezes, inclusive, relacionado aos meus textos aqui na coluna de Casa e Jardim, era que eu deveria usar essa ferramenta para construir minhas narrativas, que me auxiliaria muito. Eu, que gosto de escrever com opinião do que vivo e reflito a partir disso, certamente, iria me irritar sendo pautado por uma base de dados com informações superficiais e que provavelmente nem se conectam ao que está na minha cabeça.
Além disso, não consigo crer que é possível sustentar leitores com um texto estilo básico, falando mais do mesmo que uma busca no Google informaria. Afinal, não haveria sentido em manter uma coluna de opinião dessa forma.
Projeto do Estúdio Guto Requena, o WZ Hotel em São Paulo, é revestido por chapas metálicas que projetam iluminação de diferentes cores, que através de sensores de som, capta o movimento da avenida onde está localizado, e reflete a paisagem sonora na fachada do edifício. O exemplo mostra a incorporação de ferramentas de forma pensada e articulada com a arquitetura
Guto Requena/Divulgação
Frequentemente, me perguntam qual seria meu estilo na arquitetura. Como responder isso, e ainda mais, como descrever isso para uma ferramenta em palavras?
Eu gosto do que me faz bem aos olhos, daquilo que me gera sensações agradáveis e faz querer permanecer, voltar, que vira uma referência. É uma colcha de referências das mais diversas, que, muitas vezes, nem se comunicam diretamente, mas que vão conformando nas nossas mentes sinônimos de coisas agradáveis.
Acredito que criar fala sobre isso. Talvez nem tudo que é concebido precise ter essa poesia. Porém, para se propor uma qualidade arquitetônica, certamente, esses são elementos fundamentais.
O Wonderwood Vertical Forest, projeto do escritório Stefano Boeri, nos Países Baixos, é uma floresta vertical, com diversos sistemas construtivos com tecnologia para aproveitar melhor recursos naturais. A torre gira em torno do próprio eixo, para melhor aproveitamento solar e diferentes visuais da cidade
Stefano Boeri Architetti/Divulgação
A evolução da tecnologia nos traz facilidades que vão desde otimizar estudos mais rápidos com ideias de layout, desenvolver uma ambientação básica, noções de espacialidade, até recolher e analisar dados de forma ágil e precisa, em áreas como estudo do solo e eventos climáticos.
O mesmo se aplica em questões de sustentabilidade conectadas ao uso correto de recursos, sombreamento, inteligência de máquinas para redução de desperdício, otimização da climatização de edificações, proposição de alternativas para melhor efetividade na construção, bioenergia, e, até mesmo, propostas com interface sensorial com arquitetura. Já é possível encontrar projetos interessantes.
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A Arquitetura Paramétrica, por exemplo, é um método de projeto que utiliza algoritmos e softwares especializados para gerar formas e estruturas complexas. O método usa um conjunto de variáveis ou “parâmetros” que auxiliam a conceber o design. É possível utilizá-la na criação de peças com desenho orgânico e personalizado, moldado conforme as informações captadas.
Essas ferramentas incríveis não substituem, claro, a importância humana, pois é esta que ainda faz a correta programação desses dados para elaboração de propostas de qualidade.
A instalação Sensing Strems, do gurpo japonês Rhizomatiks, capta ondas eletromagnéticas com o auxílio de uma antena e torna as frequências dessas ondas audíveis e visíveis em tempo real, por uma tela de LED interativa. Um exemplo de como a tecnologia também levou a arte interativa a um novo patamar
Sapporo International Art Festival Executive Committee/Keizo Kioku/Divulgação
Vamos falar agora sobre outro ponto. São criados belos contextos, visualmente harmônicos, ali no estático. Mas, e transformar isso em realidade? Compatibilizar todas as questões que uma obra traz, acompanhar, verificar mudanças, imprevistos, paredes tortas, materiais que precisam se encontrar, que tem dilatações diferentes? Conversar com equipes de mão de obra, alinhar expectativas, lidar com execução?
Uma imagem perfeita aceita tudo, no entanto, ela é apenas uma imagem: uma junção de pixeis em uma foto gerada em alta qualidade. Nada além.
Conseguir transformar isso em realidade pressupõe outros aspectos, que só a experiência da realidade traz. Inclusive, para entender o que é factível, como quais são os limites — financeiros, de execução, de gravidade e de estruturação.
É possível conciliar saberes locais e o uso de tecnologias. O Centro Cultural de Midia Juapú, junto do território do povo de mesmo nome, em Rondônia, usou da mescla de métodos construtivos locais de antepassados da região, com tecnologia moderna. A estrutura foi erguida com madeira apreendida em fiscalizações do Ministério Público. Projeto da Plataforma Cidade Floresta
Flickr/Gabriel Uchida/Creative Commmons
A tecnologia não é vilã no mercado da arquitetura, ela apenas precisa aprender a ser bem utilizada para nosso progresso. É andar para trás, não concordar que o mundo não voltará a ser analógico e ignorar as ferramentas que já estão nos fazendo mudar de patamar em maneiras de projetar.
Mas, a relevância do profissional criativo e a nossa capacidade de criar espaços, que ajudarão a definir as relações e qualidade de vida, são elementos do legado humano, que alimenta a tal da evolução digital.
Fiquei curioso e fui testar a ferramenta, enviando algumas palavras-chave junto ao meu desenho cru. Em menos de um minuto chegou o resultado: uma imagem de boa definição, iluminada, bem sombreada e com texturas bonitas. Entretanto, o meu projeto havia virado um Frankenstein pasteurizado de referências genéricas e simplificadas, na proposição gerada.
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O que eu suspeitava se mostrou real: a falta do olhar humanizado da chamada inteligência artificial. A ferramenta carece de aspectos do pensar, da experiência de vivências para projetar e ambientar um espaço.
Haverá clientes que vão olhar essas imagens autoprojetadas e irão amar, se identificar e achar bonito. Mas, a próxima pergunta que eu faria é: esses clientes são os que gostaríamos de atingir e trabalhar?
Ou estamos buscando quem deseja uma opinião não baseada em algoritmos e modismos? Pessoas que valorizam o processo criativo, a troca, o entendimento das necessidades, quem capte informações e necessidades, para além apenas da arquitetura. Que buscam profissionais que façam o intermédio entre o gosto de quem irá utilizar os espaços e suas demandas, mantendo a qualidade arquitetônica.
A tecnologia e a inteligência artificial podem facilitar processos, mas não substituem o papel dos profissionais criativos de arquitetura e design
Freepik/Creative Commons
Outra argumentação que já ouvi algumas vezes, inclusive, relacionado aos meus textos aqui na coluna de Casa e Jardim, era que eu deveria usar essa ferramenta para construir minhas narrativas, que me auxiliaria muito. Eu, que gosto de escrever com opinião do que vivo e reflito a partir disso, certamente, iria me irritar sendo pautado por uma base de dados com informações superficiais e que provavelmente nem se conectam ao que está na minha cabeça.
Além disso, não consigo crer que é possível sustentar leitores com um texto estilo básico, falando mais do mesmo que uma busca no Google informaria. Afinal, não haveria sentido em manter uma coluna de opinião dessa forma.
Projeto do Estúdio Guto Requena, o WZ Hotel em São Paulo, é revestido por chapas metálicas que projetam iluminação de diferentes cores, que através de sensores de som, capta o movimento da avenida onde está localizado, e reflete a paisagem sonora na fachada do edifício. O exemplo mostra a incorporação de ferramentas de forma pensada e articulada com a arquitetura
Guto Requena/Divulgação
Frequentemente, me perguntam qual seria meu estilo na arquitetura. Como responder isso, e ainda mais, como descrever isso para uma ferramenta em palavras?
Eu gosto do que me faz bem aos olhos, daquilo que me gera sensações agradáveis e faz querer permanecer, voltar, que vira uma referência. É uma colcha de referências das mais diversas, que, muitas vezes, nem se comunicam diretamente, mas que vão conformando nas nossas mentes sinônimos de coisas agradáveis.
Acredito que criar fala sobre isso. Talvez nem tudo que é concebido precise ter essa poesia. Porém, para se propor uma qualidade arquitetônica, certamente, esses são elementos fundamentais.
O Wonderwood Vertical Forest, projeto do escritório Stefano Boeri, nos Países Baixos, é uma floresta vertical, com diversos sistemas construtivos com tecnologia para aproveitar melhor recursos naturais. A torre gira em torno do próprio eixo, para melhor aproveitamento solar e diferentes visuais da cidade
Stefano Boeri Architetti/Divulgação
A evolução da tecnologia nos traz facilidades que vão desde otimizar estudos mais rápidos com ideias de layout, desenvolver uma ambientação básica, noções de espacialidade, até recolher e analisar dados de forma ágil e precisa, em áreas como estudo do solo e eventos climáticos.
O mesmo se aplica em questões de sustentabilidade conectadas ao uso correto de recursos, sombreamento, inteligência de máquinas para redução de desperdício, otimização da climatização de edificações, proposição de alternativas para melhor efetividade na construção, bioenergia, e, até mesmo, propostas com interface sensorial com arquitetura. Já é possível encontrar projetos interessantes.
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A Arquitetura Paramétrica, por exemplo, é um método de projeto que utiliza algoritmos e softwares especializados para gerar formas e estruturas complexas. O método usa um conjunto de variáveis ou “parâmetros” que auxiliam a conceber o design. É possível utilizá-la na criação de peças com desenho orgânico e personalizado, moldado conforme as informações captadas.
Essas ferramentas incríveis não substituem, claro, a importância humana, pois é esta que ainda faz a correta programação desses dados para elaboração de propostas de qualidade.
A instalação Sensing Strems, do gurpo japonês Rhizomatiks, capta ondas eletromagnéticas com o auxílio de uma antena e torna as frequências dessas ondas audíveis e visíveis em tempo real, por uma tela de LED interativa. Um exemplo de como a tecnologia também levou a arte interativa a um novo patamar
Sapporo International Art Festival Executive Committee/Keizo Kioku/Divulgação
Vamos falar agora sobre outro ponto. São criados belos contextos, visualmente harmônicos, ali no estático. Mas, e transformar isso em realidade? Compatibilizar todas as questões que uma obra traz, acompanhar, verificar mudanças, imprevistos, paredes tortas, materiais que precisam se encontrar, que tem dilatações diferentes? Conversar com equipes de mão de obra, alinhar expectativas, lidar com execução?
Uma imagem perfeita aceita tudo, no entanto, ela é apenas uma imagem: uma junção de pixeis em uma foto gerada em alta qualidade. Nada além.
Conseguir transformar isso em realidade pressupõe outros aspectos, que só a experiência da realidade traz. Inclusive, para entender o que é factível, como quais são os limites — financeiros, de execução, de gravidade e de estruturação.
É possível conciliar saberes locais e o uso de tecnologias. O Centro Cultural de Midia Juapú, junto do território do povo de mesmo nome, em Rondônia, usou da mescla de métodos construtivos locais de antepassados da região, com tecnologia moderna. A estrutura foi erguida com madeira apreendida em fiscalizações do Ministério Público. Projeto da Plataforma Cidade Floresta
Flickr/Gabriel Uchida/Creative Commmons
A tecnologia não é vilã no mercado da arquitetura, ela apenas precisa aprender a ser bem utilizada para nosso progresso. É andar para trás, não concordar que o mundo não voltará a ser analógico e ignorar as ferramentas que já estão nos fazendo mudar de patamar em maneiras de projetar.
Mas, a relevância do profissional criativo e a nossa capacidade de criar espaços, que ajudarão a definir as relações e qualidade de vida, são elementos do legado humano, que alimenta a tal da evolução digital.