Ampelmännchen: a história e a importância dos semáforos de bonecos em Berlim

Ao andar pelas ruas de Berlim é praticamente impossível não admirar os simpáticos semáforos de “bonequinhos”, os chamados Ampelmännchen. Esse elemento urbano foi criado nos anos 1960 no território da então Alemanha Oriental, a fim de facilitar a circulação dos pedestres — mas seu impacto foi muito maior, tornando-se um grande símbolo cultural e pop da cidade.
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O desenho surgiu em 13 outubro de 1961 pelas mãos de Karl Peglau (1927–2009), psicólogo de tráfego que trabalhava para a República Democrática Alemã (RDA). Ele percebeu que os sinais tradicionais, apenas com luzes vermelhas e verdes, não eram totalmente eficazes, especialmente para crianças e idosos.
O alemão Karl Peglau (1927–2009), psicólogo de trânsito e criador do icônico Ampelmännchen
Flickr/Lisa Ampelfrau/Creative Commons
Assim, Karl propôs figuras humanas claras e expressivas, que transmitiam o sentido da ação: em vermelho, o homenzinho aparece parado, com braços abertos e postura firme; em verde, o mesmo homenzinho dá passos largos e decididos.
A figura do Ampelmännchen é vista como símbolo afetivo que surgiu na Alemanha Oriental, com seu design simpático e emocional
AMPELMANN GmbH/Wikimedia Commons
Um detalhe charmoso é que o boneco usa chapéu, um toque criativo, mas intencional: o psicólogo queria que o ícone fosse amigável, ao ponto que os pedestres criassem uma simpatia por ele, visto que transmitiria confiança e humanidade. Outro fato interessante é que o acessório na cabeça foi idealizado por Anneliese Wegner, secretária de Karl, que adorava desenhar e contribuir com os projetos do profissional.
Esboço original com desenhos de Karl Peglau para os semáforos da Alemanha Oriental. Além do Ampelmännchen, há uma opção com figura de trem e uma com formas geométricas — mas foi o bonequinho que ganhou
©AMPELMANN GmbH/Divulgação
Após a apresentação dos conceitos, o Ampelmännchen só começou a ser implementado oficialmente em 1969. Nos anos e décadas seguintes, o bonequinho se espalhou por várias cidades da Alemanha Oriental, tornando-se parte do imaginário coletivo da população.
Imagem antiga mostra um cruzamento em Berlim com o Ampelmännchen em primeiro plano
Flickr/Lisa Ampelfrau/Creative Commons
Em 1989, com a queda do Muro de Berlim, e consequentemente o fim da Guerra Fria, o desenho poderia desaparecer das ruas. O governo unificado do país queria padronizar os semáforos, substituindo-os pelo design ocidental — mais simples e sem figuras personalizadas.
Mas o público reagiu. Campanhas como Rettet das Ampelmännchen! (salvem o homenzinho do semáforo, em tradução livre) mobilizaram os cidadãos e até a imprensa. O argumento não era apenas estético ou nostálgico: estudos mostravam que o desenho era mais facilmente reconhecido e, portanto, mais seguro para pedestres. Graças à pressão popular, a figura sobreviveu — e passou a ser instalada no lado oeste da capital alemã.
Do socialismo para o capitalismo
Hoje, o Ampelmännchen é muito mais do que um simples sinal de tráfego. Em 2010, foi eleito “símbolo mais popular de Berlim” em uma pesquisa turística, superando a própria Torre de TV da praça Alexanderplatz, importante ponto turístico da cidade.
Semáforo com o icônico Ampelmännchen em primeiro plano, com a Torre de TV de Berlim ao fundo, importante ponto turístico da cidade
LucasGM58/Wikimedia Commons
O boneco também virou marca registrada — chamada Ampelmann —, criada pelo designer de produto Markus Heckhausen, que conseguiu os direitos de uso da figura diretamente com Karl Peglau.
“Sou do Sul da Alemanha e me mudei para Berlim em 1995. Fiquei muito impressionado com todas as diferenças entre os lados Ocidental e Oriental, mesmo com a reunificação. Também percebi que muitos cidadãos da antiga União Soviética estavam perdendo sua identidade, pois rótulos, histórias, moda, música e referências culturais estavam sendo apagadas. E o homenzinho do semáforo entrava nessa lista”, ele conta em entrevista à Casa e Jardim.
O designer de produto Markus Heckhausen, que idealizou a marca Ampelmann para resgatar a figura do Ampelmännchen
©AMPELMANN GmbH/Divulgação
“Foi aí que pensei: é uma pena jogar fora um design tão bom. Até os sapatos tinham formato de seta para reforçar a mensagem. Desenhei uma luminária baseada na figura, e quando vi o primeiro modelo no meu quarto, percebi que era realmente um bom produto. Então me perguntei: como posso vendê-lo? Eu poderia fazer publicidade, mas aprendi que, se você tem uma boa história, os jornais se interessam”, ele continua.
Em 1º de agosto de 1996, o designer Markus Heckhausen apresentou em Berlim luminárias inspiradas no Ampelmännchen, criadas para manter vivo o desenho como elemento da cultura da Alemanha Oriental
Karl Mittenzwei/Picture Alliance/Getty Images
Dessa maneira, Markus escreveu artigos sobre preservar o Ampelmännchen e outros elementos da Alemanha Oriental. “Era difícil para os ocidentais admitirem que algo do leste era melhor, mas a história funcionou muito bem. Para os orientais, foi algo curativo. Deu orgulho”, relembra.
Os designers alemães Markus Heckhausen e Karl Peglau, quando trabalharam juntos no início dos anos 2000 para a preservação da figura do Ampelmännchen
©AMPELMANN GmbH/Divulgação
Pouco tempo depois, ele foi apresentado pessoalmente ao criador da figura e logo começaram a trabalhar juntos. “A princípio, Karl ficou orgulhoso, mas cauteloso. Ele havia perdido o emprego, a confiança. Tinha cerca de 60 anos, não conseguia mais trabalho, e se sentia descartado. Com a reunificação do país, disseram para jogar fora seu passado. Isso é duro”, revela Markus.
“Mas ele ficou feliz que alguém se importava com sua obra. Fizemos juntos o primeiro livro do Ampelmann. Não foi fácil — até fazer um contrato com ele foi difícil, mas conseguimos.”
Até balinhas de goma coloridas ganharam uma versão inspirada no Ampelmännchen. Os sabores são de cereja (vermelho) e woodruff (verde) — erva aromática da espécie ‘Galium odoratum’, típica na culinária alemã
©AMPELMANN GmbH/Divulgação
Após a primeira luminária e o livro escrito pelos dois, hoje o ícone estampa inúmeros produtos turísticos e colecionáveis: canecas, camisetas, abridor de garrafas, meias, chaveiros e até balas e biscoitos.
Uma das lojas oficias da marca Ampelmann em Berlim, na qual onde o icônico homenzinho do semáforo ganha vida em produtos criativos
Flickr/Lisa Ampelfrau/Creative Commons
Além disso, existem mais de cinco lojas oficiais, as chamadas Ampelmann Shops, espalhadas por toda a cidade — a principal delas está localizada na via Unter den Linden 35, bem perto do cruzamento com a rua Friedrichstraße, onde o semáforo com um Ampelmännchen foi instalado pela primeira vez em 1969.
Siga em frente
Em 1996, o designer alemão Hans-Jürgen Ellenberger desenvolveu a Ampelfrau, variação feminina da figura. Anos depois, em 2000, Markus registrou oficialmente o modelo como design protegido, garantindo seus direitos de uso. A criação da versão mais popular em 2004, entretanto, é atribuída ao designer Joachim Roßberg.
Semáforo com a Ampelfrau, versão feminina do icônico semáforo berlinense Ampelmännchen
©Raimond Spekking/CC BY-SA 4.0/Wikimedia Commons | Montagem: Casa e Jardim
A mulher foi desenhada com tranças e saia, não apenas como recurso estilístico, mas também por razões técnicas: esses elementos aumentam a área iluminada do sinal, melhorando a visibilidade para os pedestres. Assim como o boneco masculino, a Ampelfrau logo se tornou objeto de debates sobre inclusão e identidade urbana.
A Ampelfrau teve múltiplos “pais” criativos — não há um designer oficialmente reconhecido como seu único criador
Ilona Studre/Getty Images
Diversas cidades alemãs adotaram o novo símbolo, como Zwickau, Dresden, Magdeburg, Heidelberg, Kassel e o distrito de Köln-Ehrenfeld (Colônia). A boneca, porém, não foi bem aceita em Berlim: a proposta foi rejeitada sob o argumento de que a figura com tranças e saia reforça estereótipos de gênero.
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“Antes do nosso livro, ninguém prestava atenção se o boneco era homem ou mulher — ele estava lá, vermelho e verde. Porém, com mais visibilidade, as pessoas começaram a pensar nisso e eu acho ótimo. É parte da emancipação. São pequenas mudanças do dia a dia que podemos impulsionar”, comenta Markus.
O desenho do Ampelmännchen está presente em semáforos, lojas, souvenirs, campanhas educativas e até em discussões sobre identidade nacional
Flickr/Chris Juden/Creative Commons
Essa história traduz o poder do design no urbanismo. Diversos pesquisadores estudaram a relação dos desenhos com psicologia urbana e marketing. Por exemplo, um relatório publicado na revista científica Frontiers in Psychology em maio de 2017, que envolveu a participação de 30 pessoas, mostrou que não houve diferença significativa — tanto em precisão quanto em tempo de reação — entre os dois modelos de semáforo.
No entanto, os participantes responderam mais rapidamente aos sinais que correspondiam ao seu próprio gênero, o que sugere um efeito de identificação social nos processos de percepção visual.
Desenvolver produtos e ações que estimulem a educação e a segurança no trânsito são novas motivações para a marca Ampelmann
©AMPELMANN GmbH/Divulgação
Para o futuro, Markus revela que deseja expandir a atuação da marca. “Queremos desenvolver produtos voltados para educação no trânsito, especialmente para crianças. Elas adoram o personagem e precisam aprender a se locomover com segurança. Estamos com a ideia de fazer capacetes, acessórios para bicicleta e itens refletivos”, detalha.
Atualmente, o Ampelmännchen e a Ampelfrau são ícones culturais da Alemanha. O que começou como uma solução de trânsito se transformou em patrimônio, evidenciando como pequenos passos podem atravessar décadas de história.

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