Após a visita ao cemitério da Chacarita, em Buenos Aires, Léa Namer procurou a Sociedade Central de Arquitetos para buscar mais informações sobre o local. A surpresa foi enorme: a arquiteta — algo pouco comum no final dos anos 1940 — era uma mulher, Ítala Fulvia Villa. “Quase ninguém atribui um valor especial a esse lugar. Parecia-me insensato: para mim, é a obra de arquitetura moderna mais impressionante que já vi na Argentina.”
“Lembro-me perfeitamente da primeira vez em que desci aquelas escadas rumo ao submundo do Sexto Panteão do cemitério da Chacarita, em Buenos Aires. Foi um impacto profundo — senti-me como Orfeu descendo aos infernos. Fiquei comovida com a espetacular e insólita organização subterrânea do lugar, sua estética brutalista, a luz e o silêncio. Foi a emoção mais intensa que já vivi como arquiteta”, explica Léa Namer em entrevista à AD para falar sobre o livro Chacarita Moderna: a necrópole brutalista de Buenos Aires, cuja edição bilíngue espanhol/inglês será publicada em junho de 2025. Essa nova edição sucede a publicação em francês/inglês, que contou com o apoio da Graham Foundation. Léa Namer soube da existência de Ítala Fulvia Villa graças a uma edição da revista Nuestra Arquitectura, de 1961, que trazia uma reportagem sobre esse cemitério brutalista — único na arquitetura moderna.
Ítala Fulvia Villa dedicou quase toda a sua carreira ao setor público, como arquiteta e urbanista. Ela nunca fundou seu próprio escritório — não se sabe se por escolha própria ou por falta de oportunidades — e, portanto, não assinava seus projetos com seu próprio nome, o que limitou sua visibilidade na história oficial
@ Cortesia de Léa Namer
O Sexto Panteão do Cemitério da Chacarita, em Buenos Aires: um projeto extraordinário
O Sexto Panteão do Cemitério da Chacarita é a maior obra de arquitetura funerária moderna do mundo — uma necrópole subterrânea de dois níveis, iniciada em 1949, com capacidade para 150 mil nichos. Seu design reinterpreta as catacumbas romanas sob uma perspectiva moderna e funcional, integrando os avanços técnicos da época — como elevadores para visitantes e monta-cargas para caixões — e uma arquitetura brutalista de escala monumental.
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O Sexto Panteão faz parte do Cemitério da Chacarita, o principal cemitério público da cidade de Buenos Aires, tradicionalmente associado à classe média. É um dos três cemitérios públicos da cidade e, com seus 95 hectares, um dos maiores da América Latina. Lá, repousam figuras populares da música e do esporte, como Carlos Gardel, o que reforça sua identidade ligada ao imaginário coletivo portenho
@ Cortesia de Léa Namer
“É um dos poucos casos em que a arquitetura moderna foi aplicada com tamanha ambição ao espaço funerário — um campo que, em grande medida, ficou à margem das transformações do século XX. O Sexto Panteão é também um testemunho da Argentina de meados do século, uma época de grandes obras públicas e de confiança no progresso, em que uma mulher, Ítala Fulvia Villa, pôde receber a encomenda de um projeto dessa envergadura”, detalha Léa Namer.
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Uma solução subterrânea
O Sexto Panteão do cemitério de Chacarita, em Buenos Aires, foi projetado por Ítala Fulvia Villa no final da década de 1940, na fronteira entre o urbanismo e a arquitetura moderna
@ Cortesia de Léa Namer
O Sexto Panteão foi construído em um contexto de forte pressão demográfica e de crise de espaço nas necrópoles de Buenos Aires. Diante da saturação do sistema funerário, essa solução subterrânea — de grande escala e alta capacidade — foi concebida como uma resposta moderna, eficiente e duradoura ao problema do enterro em massa na cidade. Segundo alguns trabalhadores do cemitério, no momento de sua inauguração o Sexto Panteão era um dos lugares mais valorizados para sepultar entes queridos. No entanto, hoje, embora ainda esteja em funcionamento, o espaço vem sendo progressivamente esvaziado, afetado pela falta de manutenção, pelo esquecimento institucional e pelas mudanças nas práticas funerárias contemporâneas.
Este panteão municipal foi concebido especificamente para acolher a classe média, oferecendo um sistema igualitário de sepultamento em contraste com os mausoléus privados, onde cada família busca refletir seu status social. Sua arquitetura funcional expressa os valores de uma sociedade mais equitativa, propondo uma visão coletiva e moderna do espaço funerário.
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Como resgatar a arquitetura moderna esquecida
Na época de sua inauguração, o Sexto Panteão era um dos lugares mais valorizados em Buenos Aires para o sepultamento de entes queridos
@ Cortesia de Léa Namer
Ítala Fulvia Villa trabalhou praticamente toda a sua carreira no setor público, como arquiteta e urbanista. Nunca fundou seu próprio estúdio — não se sabe se por escolha ou por falta de oportunidades — e, por isso, não assinava seus projetos com o próprio nome, o que limitou sua visibilidade na história oficial. O urbanismo foi um de seus temas centrais, e ela foi discípula de um dos primeiros urbanistas argentinos, o engenheiro Carlos María Della Paolera. Trabalhou em órgãos estatais ligados ao planejamento urbano e, em 1945, realizou junto com Horacio Nazar uma proposta de urbanização para o bairro Bajo Flores, pela qual recebeu o Primeiro Prêmio do VI Salão de Arquitetura.
“Por outro lado, dedicou-se a projetos urbanos de grande escala e longo prazo, o que resultou em poucas obras construídas. No entanto, esse panteão subterrâneo demonstra claramente sua visão inovadora e sua capacidade de liderança, ao coordenar uma equipe multidisciplinar que contou com a participação de um jovem Clorindo Testa — arquiteto consagrado internacionalmente, falecido em 2013. Essa obra, situada na fronteira entre o urbanismo e a arquitetura, é testemunho de um olhar complexo e moderno sobre o espaço público”, explica Namer, acrescentando que, ainda assim, sua condição de mulher também desempenhou um papel importante no esquecimento de sua figura. Além disso, Ítala não teve descendentes nem um companheiro, o que tornou ainda mais difícil a preservação e a defesa de seu legado… até hoje.
*Matéria originalmente publicada na Architectural Digest Espanha
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“Lembro-me perfeitamente da primeira vez em que desci aquelas escadas rumo ao submundo do Sexto Panteão do cemitério da Chacarita, em Buenos Aires. Foi um impacto profundo — senti-me como Orfeu descendo aos infernos. Fiquei comovida com a espetacular e insólita organização subterrânea do lugar, sua estética brutalista, a luz e o silêncio. Foi a emoção mais intensa que já vivi como arquiteta”, explica Léa Namer em entrevista à AD para falar sobre o livro Chacarita Moderna: a necrópole brutalista de Buenos Aires, cuja edição bilíngue espanhol/inglês será publicada em junho de 2025. Essa nova edição sucede a publicação em francês/inglês, que contou com o apoio da Graham Foundation. Léa Namer soube da existência de Ítala Fulvia Villa graças a uma edição da revista Nuestra Arquitectura, de 1961, que trazia uma reportagem sobre esse cemitério brutalista — único na arquitetura moderna.
Ítala Fulvia Villa dedicou quase toda a sua carreira ao setor público, como arquiteta e urbanista. Ela nunca fundou seu próprio escritório — não se sabe se por escolha própria ou por falta de oportunidades — e, portanto, não assinava seus projetos com seu próprio nome, o que limitou sua visibilidade na história oficial
@ Cortesia de Léa Namer
O Sexto Panteão do Cemitério da Chacarita, em Buenos Aires: um projeto extraordinário
O Sexto Panteão do Cemitério da Chacarita é a maior obra de arquitetura funerária moderna do mundo — uma necrópole subterrânea de dois níveis, iniciada em 1949, com capacidade para 150 mil nichos. Seu design reinterpreta as catacumbas romanas sob uma perspectiva moderna e funcional, integrando os avanços técnicos da época — como elevadores para visitantes e monta-cargas para caixões — e uma arquitetura brutalista de escala monumental.
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@ Cortesia de Léa Namer
“É um dos poucos casos em que a arquitetura moderna foi aplicada com tamanha ambição ao espaço funerário — um campo que, em grande medida, ficou à margem das transformações do século XX. O Sexto Panteão é também um testemunho da Argentina de meados do século, uma época de grandes obras públicas e de confiança no progresso, em que uma mulher, Ítala Fulvia Villa, pôde receber a encomenda de um projeto dessa envergadura”, detalha Léa Namer.
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Uma solução subterrânea
O Sexto Panteão do cemitério de Chacarita, em Buenos Aires, foi projetado por Ítala Fulvia Villa no final da década de 1940, na fronteira entre o urbanismo e a arquitetura moderna
@ Cortesia de Léa Namer
O Sexto Panteão foi construído em um contexto de forte pressão demográfica e de crise de espaço nas necrópoles de Buenos Aires. Diante da saturação do sistema funerário, essa solução subterrânea — de grande escala e alta capacidade — foi concebida como uma resposta moderna, eficiente e duradoura ao problema do enterro em massa na cidade. Segundo alguns trabalhadores do cemitério, no momento de sua inauguração o Sexto Panteão era um dos lugares mais valorizados para sepultar entes queridos. No entanto, hoje, embora ainda esteja em funcionamento, o espaço vem sendo progressivamente esvaziado, afetado pela falta de manutenção, pelo esquecimento institucional e pelas mudanças nas práticas funerárias contemporâneas.
Este panteão municipal foi concebido especificamente para acolher a classe média, oferecendo um sistema igualitário de sepultamento em contraste com os mausoléus privados, onde cada família busca refletir seu status social. Sua arquitetura funcional expressa os valores de uma sociedade mais equitativa, propondo uma visão coletiva e moderna do espaço funerário.
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“Por outro lado, dedicou-se a projetos urbanos de grande escala e longo prazo, o que resultou em poucas obras construídas. No entanto, esse panteão subterrâneo demonstra claramente sua visão inovadora e sua capacidade de liderança, ao coordenar uma equipe multidisciplinar que contou com a participação de um jovem Clorindo Testa — arquiteto consagrado internacionalmente, falecido em 2013. Essa obra, situada na fronteira entre o urbanismo e a arquitetura, é testemunho de um olhar complexo e moderno sobre o espaço público”, explica Namer, acrescentando que, ainda assim, sua condição de mulher também desempenhou um papel importante no esquecimento de sua figura. Além disso, Ítala não teve descendentes nem um companheiro, o que tornou ainda mais difícil a preservação e a defesa de seu legado… até hoje.
*Matéria originalmente publicada na Architectural Digest Espanha
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