Referência na luta pela igualdade de gênero e pelo direito à cidadania e habitação popular, a engenheira e urbanista Carmen Velasco Portinho (1903–2001) foi pioneira em sua formação acadêmica e na promoção da justiça social no país. Sul-mato-grossense, ela construiu sua carreira no Rio de Janeiro, mostrando desde muito jovem sua determinação e capacidade. Mesmo após mais de duas décadas de sua partida, permanece inspirando gerações.
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Para Sydnei Menezes, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ), a principal lição deixada por Carmen é a seguinte: “O exercício da atividade política e social dos arquitetos e urbanistas pode, de fato, transformar e melhorar a vida das pessoas, tanto na escala individual da habitação quanto na escala coletiva das cidades”.
Posse de Carmen Portinho no cargo de Diretora do Departamento de Habitação Popular (DHP), em 16 fevereiro de 1948
Sem autoria identificada/Arquivo Nacional
De Corumbá para o Rio de Janeiro
Nascida em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, em 26 de janeiro de 1903, Carmen é filha de mãe boliviana e pai gaúcho. Em 1911, ainda na infância, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde se formou em 1925 em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da antiga Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ) – tornando-se a terceira mulher engenheira do Brasil.
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Em 1939, Carmen tornou-se a primeira mulher urbanista do país, defendendo a tese “anteprojeto para a futura capital do Brasil, no Planalto Central”.
O feminismo na vida de Carmen
Por toda a vida, desde seus tempos como estudante, Carmen esteve engajada com a luta feminista. Comprometida com o movimento sufragista nacional, participou da Federação Brasileira para o Progresso Feminino, fundada em 1922, lutando pelo direito ao voto feminino, conquistado em 1932.
Projeto arquitetônico inicial de Affonso Eduardo Reidy para o Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes (Pedregulho), no Rio de Janeiro, RJ, viabilizado pela visão urbanística e articulação política de Carmen Portinho
Acervo Pesquisa e Documentação MAM Rio
Posteriormente, participou da fundação da União Universitária Feminina e, em 1937, ajudou a criar a Associação Brasileira de Engenheiras e Arquitetas (ABEA), abrindo caminho para a representatividade feminina nas áreas técnicas e de liderança. Em 1987, Carmen fez uma importante contribuição ao processo de redemocratização, entregando a Carta das Mulheres aos Constituintes.
Urbanismo social
Carmen trabalhou na Diretoria de Obras e Viação da prefeitura do então Distrito Federal, na capital fluminense. Sua atuação foi marcada pela criação e implementação de políticas públicas voltadas ao urbanismo social.
Ela foi pioneira na articulação entre arquitetura, urbanismo e justiça social, influenciando de forma doutrinária o princípio de que o acesso à arquitetura e ao urbanismo deve ser universal, especialmente para a população mais vulnerável.
O Conjunto Pedregulho passou por décadas de grande degradação até que, em 2015, foi finalizado o restauro do Bloco A. Originalmente de madeira, as janelas foram substituídas por esquadrias metálicas laminadas e pintadas conforme o projeto original de Affonso Eduardo Reidy e CArmen Portinho
Ann Chou/Wikimedia Commons
Como diretora-geral do Departamento de Habitação Popular (DHP), criado em 1946, Carmen implantou projetos de grande escala baseados no conceito de “unidade de vizinhança”, que integrava moradia, escola, lazer, saúde e comércio em bairros autossuficientes.
Ao lado de seu companheiro, o arquiteto Affonso Eduardo Reidy, liderou projetos de habitação popular como o Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes (Pedregulho), Marquês de São Vicente, Visconde de Santa Isabel e Paquetá, todos na capital fluminense.
O Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes (Pedregulho), projetado por Affonso Eduardo Reidy a partir das ideias de Carmen Portinho, tornou-se um marco do modernismo brasileiro, premiado na 1ª Bienal de São Paulo (1951) e celebrado internacionalmente
Tiago Macedo/Wikimedia Commons
Sydnei ressalta que esse modelo segue inspirando práticas urbanísticas contemporâneas do ponto de vista conceitual. “A moradia como unidade de vizinhança engloba, necessariamente, infraestrutura, saneamento, transporte, praças, áreas verdes, equipamentos esportivos, de lazer, socioculturais, educacionais e de saúde”.
Para ele, é uma visão ampliada do direito à moradia, ou seja, “a habitação vai além da unidade residencial, sendo incorporado valores sociais, urbanos e culturais”.
Educação e arte
Carmen Portinho com um grupo de alunos da Faculdade Nacional de Arquitetura em visita às obras do MAM Rio
Sem autoria identificada/Acervo Pesquisa e Documentação MAM Rio
Nos anos 1950, Carmen integrou a gestão do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio) como diretora executiva adjunta, coordenando exposições e a construção da sede definitiva do museu, projetada por Affonso.
De acordo com Pablo Lafuente, diretor artístico do MAM Rio, a presença de Carmen foi marcante e “o estabeleceu como instituição fundamental para a arte, cultura e cinema na cidade do Rio e no Brasil”.
Carmen Portinho no canteiro de obras da construção do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
Sem autoria identificada/Acervo do Núcleo de Pesquisa e Documentação UFRJ-FAU Brasil
Carmen também esteve à frente da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) entre 1967 e 1988, garantindo a consolidação da primeira escola de design da América Latina e defendendo a escola como um espaço autônomo de educação. De 1988 a 2001, foi assessora do Centro de Tecnologia e Ciências da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Carmen Portinho segue na lembrança
Falecida aos 98 anos, em 25 de julho de 2001, é reconhecida como patrona do urbanismo no país desde 2022 e continua sendo lembrada por sua trajetória.
Aberta ao público até março de 2026, a exposição Carmen Portinho: Modernidade em Construção, no MAM Rio, apresenta um perfil biográfico da urbanista com mais de 300 documentos históricos, fotografias e obras que evidenciam seu legado no modernismo brasileiro.
Vista da exposição Carmen Portinho: Modernidade em Construção, no MAM Rio, a qual segue até março de 2026
Fabio Souza/MAM Rio/Divulgaão
Com curadoria de Aline Siqueira, Raquel Barreto e Pablo Lafuente, e assistência curatorial de José dos Guimaraens, a mostra está organizada em três núcleos — “moradia e habitação popular”, “feminismo” e “arte e educação” —, além de uma seção dedicada à Revista Municipal de Engenharia, fundada em 1932, que se tornou fundamental para a divulgação do modernismo no Brasil.
Carmen Portinho foi uma das fundadoras da Revista da Diretoria de Engenharia
MAM Rio/Divulgação
A exposição compartilha as contribuições de Carmen em sua complexidade, “mas talvez o aspecto mais importante seja comunicar a relevância no presente do seu trabalho”, destaca Pablo.
De acordo com ele, as questões que ela enfrentou ainda são fundamentais. “Que tipo de moradia estamos construindo, tanto para aqueles que não têm recursos como para aqueles que têm; que cidade queremos; como entendemos a luta pela igualdade de gênero e em outros âmbitos; como criamos e garantimos espaços de criação e educação que são acessíveis e democráticos”, reflete.
O artista Rommulo Vieira Conceição é um dos convidados da exposição Carmen Portinho: modernidade em construção, apresentando uma instalação arquitetônica que parte da planta original de um apartamento quarto e sala do Pedregulho, conjunto habitacional histórico em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, RJ
Fabio Souza/MAM Rio/Divulgaão
O diretor do MAM Rio ainda reforça que a concepção de habitação de Carmen estava baseada em uma relação orgânica entre moradia, trabalho, vida, lazer, saúde e educação, e na crença que todos, independentemente da origem social, gênero ou raça, tenham direito aos mesmos padrões de qualidade e que todos deveríamos ter fácil acesso à experiências estéticas.
“A cidade que nasce dessa visão deveria servir de referência para as que estamos construindo hoje. Sua persistência, sua construção de plataformas e instituições, nos lembra da importância do engajamento político e social. Ela reforça as dinâmicas coletivas — as mudanças e os processos que deixam marcas são construídos por nós, em conjunto, como sociedade”, afirma Pablo.
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Para Sydnei Menezes, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ), a principal lição deixada por Carmen é a seguinte: “O exercício da atividade política e social dos arquitetos e urbanistas pode, de fato, transformar e melhorar a vida das pessoas, tanto na escala individual da habitação quanto na escala coletiva das cidades”.
Posse de Carmen Portinho no cargo de Diretora do Departamento de Habitação Popular (DHP), em 16 fevereiro de 1948
Sem autoria identificada/Arquivo Nacional
De Corumbá para o Rio de Janeiro
Nascida em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, em 26 de janeiro de 1903, Carmen é filha de mãe boliviana e pai gaúcho. Em 1911, ainda na infância, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde se formou em 1925 em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da antiga Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ) – tornando-se a terceira mulher engenheira do Brasil.
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Em 1939, Carmen tornou-se a primeira mulher urbanista do país, defendendo a tese “anteprojeto para a futura capital do Brasil, no Planalto Central”.
O feminismo na vida de Carmen
Por toda a vida, desde seus tempos como estudante, Carmen esteve engajada com a luta feminista. Comprometida com o movimento sufragista nacional, participou da Federação Brasileira para o Progresso Feminino, fundada em 1922, lutando pelo direito ao voto feminino, conquistado em 1932.
Projeto arquitetônico inicial de Affonso Eduardo Reidy para o Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes (Pedregulho), no Rio de Janeiro, RJ, viabilizado pela visão urbanística e articulação política de Carmen Portinho
Acervo Pesquisa e Documentação MAM Rio
Posteriormente, participou da fundação da União Universitária Feminina e, em 1937, ajudou a criar a Associação Brasileira de Engenheiras e Arquitetas (ABEA), abrindo caminho para a representatividade feminina nas áreas técnicas e de liderança. Em 1987, Carmen fez uma importante contribuição ao processo de redemocratização, entregando a Carta das Mulheres aos Constituintes.
Urbanismo social
Carmen trabalhou na Diretoria de Obras e Viação da prefeitura do então Distrito Federal, na capital fluminense. Sua atuação foi marcada pela criação e implementação de políticas públicas voltadas ao urbanismo social.
Ela foi pioneira na articulação entre arquitetura, urbanismo e justiça social, influenciando de forma doutrinária o princípio de que o acesso à arquitetura e ao urbanismo deve ser universal, especialmente para a população mais vulnerável.
O Conjunto Pedregulho passou por décadas de grande degradação até que, em 2015, foi finalizado o restauro do Bloco A. Originalmente de madeira, as janelas foram substituídas por esquadrias metálicas laminadas e pintadas conforme o projeto original de Affonso Eduardo Reidy e CArmen Portinho
Ann Chou/Wikimedia Commons
Como diretora-geral do Departamento de Habitação Popular (DHP), criado em 1946, Carmen implantou projetos de grande escala baseados no conceito de “unidade de vizinhança”, que integrava moradia, escola, lazer, saúde e comércio em bairros autossuficientes.
Ao lado de seu companheiro, o arquiteto Affonso Eduardo Reidy, liderou projetos de habitação popular como o Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes (Pedregulho), Marquês de São Vicente, Visconde de Santa Isabel e Paquetá, todos na capital fluminense.
O Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes (Pedregulho), projetado por Affonso Eduardo Reidy a partir das ideias de Carmen Portinho, tornou-se um marco do modernismo brasileiro, premiado na 1ª Bienal de São Paulo (1951) e celebrado internacionalmente
Tiago Macedo/Wikimedia Commons
Sydnei ressalta que esse modelo segue inspirando práticas urbanísticas contemporâneas do ponto de vista conceitual. “A moradia como unidade de vizinhança engloba, necessariamente, infraestrutura, saneamento, transporte, praças, áreas verdes, equipamentos esportivos, de lazer, socioculturais, educacionais e de saúde”.
Para ele, é uma visão ampliada do direito à moradia, ou seja, “a habitação vai além da unidade residencial, sendo incorporado valores sociais, urbanos e culturais”.
Educação e arte
Carmen Portinho com um grupo de alunos da Faculdade Nacional de Arquitetura em visita às obras do MAM Rio
Sem autoria identificada/Acervo Pesquisa e Documentação MAM Rio
Nos anos 1950, Carmen integrou a gestão do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio) como diretora executiva adjunta, coordenando exposições e a construção da sede definitiva do museu, projetada por Affonso.
De acordo com Pablo Lafuente, diretor artístico do MAM Rio, a presença de Carmen foi marcante e “o estabeleceu como instituição fundamental para a arte, cultura e cinema na cidade do Rio e no Brasil”.
Carmen Portinho no canteiro de obras da construção do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
Sem autoria identificada/Acervo do Núcleo de Pesquisa e Documentação UFRJ-FAU Brasil
Carmen também esteve à frente da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) entre 1967 e 1988, garantindo a consolidação da primeira escola de design da América Latina e defendendo a escola como um espaço autônomo de educação. De 1988 a 2001, foi assessora do Centro de Tecnologia e Ciências da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Carmen Portinho segue na lembrança
Falecida aos 98 anos, em 25 de julho de 2001, é reconhecida como patrona do urbanismo no país desde 2022 e continua sendo lembrada por sua trajetória.
Aberta ao público até março de 2026, a exposição Carmen Portinho: Modernidade em Construção, no MAM Rio, apresenta um perfil biográfico da urbanista com mais de 300 documentos históricos, fotografias e obras que evidenciam seu legado no modernismo brasileiro.
Vista da exposição Carmen Portinho: Modernidade em Construção, no MAM Rio, a qual segue até março de 2026
Fabio Souza/MAM Rio/Divulgaão
Com curadoria de Aline Siqueira, Raquel Barreto e Pablo Lafuente, e assistência curatorial de José dos Guimaraens, a mostra está organizada em três núcleos — “moradia e habitação popular”, “feminismo” e “arte e educação” —, além de uma seção dedicada à Revista Municipal de Engenharia, fundada em 1932, que se tornou fundamental para a divulgação do modernismo no Brasil.
Carmen Portinho foi uma das fundadoras da Revista da Diretoria de Engenharia
MAM Rio/Divulgação
A exposição compartilha as contribuições de Carmen em sua complexidade, “mas talvez o aspecto mais importante seja comunicar a relevância no presente do seu trabalho”, destaca Pablo.
De acordo com ele, as questões que ela enfrentou ainda são fundamentais. “Que tipo de moradia estamos construindo, tanto para aqueles que não têm recursos como para aqueles que têm; que cidade queremos; como entendemos a luta pela igualdade de gênero e em outros âmbitos; como criamos e garantimos espaços de criação e educação que são acessíveis e democráticos”, reflete.
O artista Rommulo Vieira Conceição é um dos convidados da exposição Carmen Portinho: modernidade em construção, apresentando uma instalação arquitetônica que parte da planta original de um apartamento quarto e sala do Pedregulho, conjunto habitacional histórico em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, RJ
Fabio Souza/MAM Rio/Divulgaão
O diretor do MAM Rio ainda reforça que a concepção de habitação de Carmen estava baseada em uma relação orgânica entre moradia, trabalho, vida, lazer, saúde e educação, e na crença que todos, independentemente da origem social, gênero ou raça, tenham direito aos mesmos padrões de qualidade e que todos deveríamos ter fácil acesso à experiências estéticas.
“A cidade que nasce dessa visão deveria servir de referência para as que estamos construindo hoje. Sua persistência, sua construção de plataformas e instituições, nos lembra da importância do engajamento político e social. Ela reforça as dinâmicas coletivas — as mudanças e os processos que deixam marcas são construídos por nós, em conjunto, como sociedade”, afirma Pablo.



