Casa histórica do artista Fulvio Pennacchi perde batalha e será demolida em SP

Um dos endereços mais emblemáticos da história da arte moderna paulista está prestes a desaparecer. O casarão projetado por Fulvio Pennacchi (1905–1992) na década de 1940, localizado na Rua Espanha, no Jardim Europa, em São Paulo, será demolido após anos de disputas entre os herdeiros.
O imóvel, que foi residência e ateliê do artista ítalo-brasileiro, de sua esposa Filomena Matarazzo e dos oito filhos do casal, abrigava afrescos pintados diretamente nas paredes, além de centenas de obras distribuídas por todos os cômodos.
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O terreno de quase 3 mil m² está avaliado em cerca de R$ 64 milhões, sem considerar o valor das obras de arte. A decisão de vender partiu da maioria dos filhos do casal, que alegou não ter condições de arcar com os altos custos de manutenção, incluindo gastos com conservação, impostos e segurança do imóvel.
Lateral da antiga casa de Fulvio Pennacchi, com elementos arquitetônicos desenhados pelo artista em estilo neocolonial
Instagram/@andredvco/Reprodução
Em junho de 2022, a casa e parte do acervo foram incluídos em um leilão conduzido pela empresa James Lisboa, com lance inicial de R$ 50 milhões. O evento, transmitido pelo canal Arte1, marcou o início do processo de dispersão do espólio. O resultado da venda, no entanto, não foi divulgado publicamente.
Acesso à área da piscina da casa de Fulvio Pennacchi, que fica em um terreno de quase 3 mil m² no bairro Jardim Europa, na capital paulista
Instagram/@andredvco/Reprodução
A residência, desenhada pelo próprio Fulvio Pennacchi, foi construída em estilo eclético com referências neocoloniais, janelas em arco e pisos de ladrilho hidráulico produzidos sob encomenda.
Nos ambientes internos, o artista criou afrescos inspirados nos mestres italianos do Quattrocento, como Masaccio e Fra Angelico, que marcaram a transição entre a Idade Média e o Renascimento. Em tons suaves de verde, ocre e terracota, as pinturas representavam flores, frutas e arabescos que se espalhavam pelas paredes e portas. Em uma das salas principais, um painel mostrava figuras femininas e cenas rurais, temas recorrentes em sua obra.
Corredor com arcos e afresco pintado por Fulvio Pennacchi em sua casa, inspirado em temas sacros e na tradição do afresco italiano do Quattrocento
Instagram/@andredvco/Reprodução
A casa também guardava azulejos pintados à mão pelo artista, instalados na cozinha e nas áreas de serviço, além de móveis planejados de madeira escura desenhados sob medida. Juntos, esses elementos faziam da propriedade uma espécie de casa-museu, que refletia o universo doméstico e espiritual do artista.
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Após a venda, os herdeiros fecharam um acordo com o colecionador Orandi Momesso, que financiou o processo de retirada e restauração dos afrescos e recebeu em doação as obras remanescentes. No total, cerca de 300 peças — entre pinturas, cerâmicas e painéis murais — foram removidas sob coordenação dos arquitetos Gonçalo Ruas e Isabel Ruas.
Vista do pátio interno da residência de Fulvio Pennacchi, onde o artista mantinha um ambiente integrado à natureza
Instagram/@andredvco/Reprodução
O acervo será transferido para o Parque Geminiani Momesso, um museu ao ar livre localizado no interior do Paraná, onde será construído um pavilhão projetado pelo escritório Reinach | Mendonça. O contrato prevê conclusão em até três anos, mas o colecionador afirma que pretende inaugurar o espaço em um ano.
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Os azulejos da cozinha serão enviados ao Museu do Azulejo, em São Luís, MA. Já as obras não incorporadas ao acervo paranaense serão leiloadas.
Cozinha da casa de Fulvio Pennacchi, com azulejos pintados à mão pelo artista, que retratam cenas do cotidiano e elementos da cultura popular brasileira
Instagram/@andredvco/Reprodução
A demolição foi autorizada porque o imóvel nunca recebeu tombamento dos órgãos de preservação do patrimônio. Sem proteção legal, e com as obras já retiradas, o novo proprietário (não identificado publicamente) obteve autorização para remover a estrutura original e reconstruir no terreno.
Sala principal da casa de Fulvio Pennacchi, com lareira datada de 1948 e prateleiras que exibiam cerâmicas e esculturas criadas pelo próprio artista
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Fulvio Pennacchi nasceu em Pistoia, na Itália, em 1905, e chegou ao Brasil em 1929, onde se tornou um dos expoentes do Grupo Santa Helena — movimento que reuniu nomes como Alfredo Volpi, Francisco Rebolo, Clóvis Graciano e Aldo Bonadei. Em São Paulo, o artista deixou obras em locais emblemáticos, como a Igreja Nossa Senhora da Paz, no Glicério, e o Mosteiro de São Bento.

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