Quando entro pela primeira vez em uma casa que não conheço, meus olhos têm o hábito de se fixar, antes de qualquer coisa, na estante de livros e objetos que encontro lá dentro (nos endereços onde elas existem, claro – por sorte, a maioria dos que tenho frequentado). A distração ou receptividade do anfitrião permitindo, cometo até a indiscrição de examiná-la de perto, prejulgando o morador a partir de seu acervo. Uma versão literária do “diga-me com quem andas, e te direi quem és”.
A intenção não é de patrulha, porém. Tem mais a ver com um apreço genuíno pelo mundo da palavra escrita (este que inclusive me provê um meio de vida), um interesse em como as outras pessoas se relacionam com ele. Talvez eu concorde com o verso de Jorge Luis Borges: “Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca”.
Na Casa Vogue, o paraíso são as casas espetaculares que trazemos todos os meses. Neste de setembro, procuramos adotar a visão de Borges, entrando nos lares de escritores, jornalistas e editores de livros, explorando o vasto território compreendido na intersecção entre os campos da arquitetura e da literatura. Spoiler: é comum haver muita arte envolvida, como nas “instalações” completamente habitáveis de Ariano e Zélia Suassuna no Recife e de Benedikt e Lauren Taschen em Malibu, ou na cobertura-museu de Charles Cosac em São Paulo.
O editor Graydon Carter guarda seu mais valioso acervo no apartamento em Nova York
Jonathan Becker
Ao registrar que “uma mulher precisa de dinheiro e de um quarto só seu para escrever ficção” (Um Teto Todo Seu, de 1929), Virginia Woolf mirava na estrutura patriarcal que prejudica a projeção de escritoras mulheres. Mas acertou também na importância da ar- quitetura doméstica – um simples quarto! – como condição material básica para a criação literária. Segundo ela, o quarto – a casa – é requisito prático, mas também ético e estético para a escrita existir.
A verdade dos dizeres de Virginia ecoa por toda esta edição, seja de maneira direta, na reportagem sobre a nova sede da livraria paulistana Gato sem Rabo, cujo nome é inspirado na obra da autora inglesa, seja na história da reforma da Casa do Sol, morada que a escritora Hilda Hilst ergueu e manteve para si mesma por mais de 40 anos com o único intuito de habitar um espaço onde sua produção literária pudesse florescer, como pregava Virginia.
Nos textos de ambas e de muitos outros, a casa é cenário da trama, mas também personagem silenciosa: observa rotinas, molda comportamentos, sublinha ausências. Nas páginas da Casa Vogue, ganha merecido protagonismo, tal qual o château Pemberley, de Orgulho e Preconceito (Jane Austen), O Cortiço, de Aluísio Azevedo, ou O Castelo, de Franz Kafka. Seja na literatura, seja no jornalismo, o que importa é criar ou identificar as inúmeras camadas que uma narrativa pode ter, e transmitir a muitas criaturas esse legado – não de miséria, como escreveu Machado de Assis, mas de riqueza, humana, natural e cultural. Boa leitura!
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A intenção não é de patrulha, porém. Tem mais a ver com um apreço genuíno pelo mundo da palavra escrita (este que inclusive me provê um meio de vida), um interesse em como as outras pessoas se relacionam com ele. Talvez eu concorde com o verso de Jorge Luis Borges: “Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca”.
Na Casa Vogue, o paraíso são as casas espetaculares que trazemos todos os meses. Neste de setembro, procuramos adotar a visão de Borges, entrando nos lares de escritores, jornalistas e editores de livros, explorando o vasto território compreendido na intersecção entre os campos da arquitetura e da literatura. Spoiler: é comum haver muita arte envolvida, como nas “instalações” completamente habitáveis de Ariano e Zélia Suassuna no Recife e de Benedikt e Lauren Taschen em Malibu, ou na cobertura-museu de Charles Cosac em São Paulo.
O editor Graydon Carter guarda seu mais valioso acervo no apartamento em Nova York
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Ao registrar que “uma mulher precisa de dinheiro e de um quarto só seu para escrever ficção” (Um Teto Todo Seu, de 1929), Virginia Woolf mirava na estrutura patriarcal que prejudica a projeção de escritoras mulheres. Mas acertou também na importância da ar- quitetura doméstica – um simples quarto! – como condição material básica para a criação literária. Segundo ela, o quarto – a casa – é requisito prático, mas também ético e estético para a escrita existir.
A verdade dos dizeres de Virginia ecoa por toda esta edição, seja de maneira direta, na reportagem sobre a nova sede da livraria paulistana Gato sem Rabo, cujo nome é inspirado na obra da autora inglesa, seja na história da reforma da Casa do Sol, morada que a escritora Hilda Hilst ergueu e manteve para si mesma por mais de 40 anos com o único intuito de habitar um espaço onde sua produção literária pudesse florescer, como pregava Virginia.
Nos textos de ambas e de muitos outros, a casa é cenário da trama, mas também personagem silenciosa: observa rotinas, molda comportamentos, sublinha ausências. Nas páginas da Casa Vogue, ganha merecido protagonismo, tal qual o château Pemberley, de Orgulho e Preconceito (Jane Austen), O Cortiço, de Aluísio Azevedo, ou O Castelo, de Franz Kafka. Seja na literatura, seja no jornalismo, o que importa é criar ou identificar as inúmeras camadas que uma narrativa pode ter, e transmitir a muitas criaturas esse legado – não de miséria, como escreveu Machado de Assis, mas de riqueza, humana, natural e cultural. Boa leitura!
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