Castelinho da Rua Apa: a história do imóvel ‘mal-assombrado’ em SP que foi restaurado

Construída no início do século 20, a mansão localizada em Santa Cecília foi palco de mortes e ficou abandonada por anos até que um arquiteto a transformou completamente Abandonada por décadas, uma construção excêntrica, que lembra um pequeno castelo ao estilo medieval francês, na esquina da Rua Apa com a Avenida General Olímpio da Silveira, logo ao lado do Minhocão, chamava a atenção de quem passava pelo bairro de Santa Cecília, em São Paulo.
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O edifício, comumente chamado de Castelinho da Rua Apa, passou anos em completa degradação por conta de uma história trágica, que lhe rendeu diversas lendas urbanas e até a visita de “caçadores de fantasmas” — em 2015, um casal de paranormais o classificou como “o lugar mais mal-assombrado do Brasil”.
O Castelinho da Rua Apa chegou quase às ruínas antes de ganhar vida após reforma completa
Clube de Mães do Brasil/Divulgação
O imóvel foi construído em 1912 pela família Reis, que era dona do antigo cinema Broadway, na Avenida São João, frequentado pela elite paulistana da época. Algum tempo após a morte do patriarca, sua esposa, Maria Cândida, e os dois filhos do casal, Álvaro e Armando, foram encontrados mortos na residência junto de uma pistola automática.
O crime aconteceu dentro do castelinho, no dia 12 de maio de 1937, mas até hoje ninguém sabe ao certo o que aconteceu. A história rendeu até um livro, lançado em 2015: O Crime do Castelinho: Mitos e Verdades, de Leda de Castro Kiehl, sobrinha-neta de Maria Cândida.
O Castelinho da Rua Apa passou por uma grande restauração, à cargo do arquiteto Milton Nishida
Cecioka/Wikimedia Commons
A versão divulgada pela polícia foi a de que Álvaro, o filho mais velho, atirou na mãe e no irmão, e depois se matou. Mas a disposição dos corpos – estavam lado a lado –, balas encontradas na cena que não condiziam com o calibre do revólver e a morte de Álvaro, que não parecia suicídio, fizeram a população duvidar desta hipótese.
O abandono e a degradação do Castelinho da Rua Apa
Após a tragédia familiar, o recinto ficou sem herdeiros e passou para o patrimônio do governo federal. A partir dos anos 1950, o castelinho foi ocupado pela família de Otávio Manzaro, funcionário da Receita Federal, que morou por lá até 1982.
O Castelinho da Rua Apa ficou fechado por muitos anos e se encontrava em total estado de abandono
Monica Kaneko/Wikimedia Commons
Depois disso, a residência foi completamente abandonada e serviu de abrigo para sem-tetos e usuários de drogas, e como depósito para catadores de papel. Uma das pessoas que buscou abrigo na construção foi Maria Eulina Hilsenbeck, que na época estava em situação de rua.
Alguns anos depois, trabalhando com limpeza em uma empresa, conheceu o seu futuro marido, hoje já falecido. Incentivada por ele, começou a trabalhar com capacitação de pessoas em situação de vulnerabilidade e, em 1993, criou a ONG Clube de Mães do Brasil.
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Em 1996, a instituição obteve a concessão de uso do Castelinho da Rua Apa como sua sede. O processo de tombamento do imóvel, que corria desde 1991, só foi concluído em 2004. Foram anos em situação precária até que a ONG conseguisse levantar os recursos necessários junto ao governo estadual para a reforma da construção histórica — R$ 2,8 milhões.
A restauração do Castelinho da Rua Apa
O arquiteto Milton Nishida — que participou da restauração da Catedral da Sé no início dos anos 2000 — topou o enorme desafio de resgatar a construção de aproximadamente 140 m² em completo abandono.
“Decidi abraçar o projeto primeiro pelo enorme desafio de resgatar um patrimônio histórico peculiar tão deteriorado, o qual muitos consideravam irreversível, e, segundo, quando compreendi a importância e a seriedade do trabalho do Clube de Mães, liderado pela Maria Eulina”, conta o profissional.
Croqui feito pelo arquiteto Milton Nishida, responsável pelo restauro do Castelinho da Rua Apa
Milton Nishida/Divulgação
Os primeiros levantamentos para a reforma foram feitos em 2010, de acordo com Milton. O projeto foi aprovado em 2015, e as obras aconteceram entre 2016 e 2017, a cargo da empresa Pires Giovanetti Engenharia e Arquitetura.
O desenho arquitetônico do Castelinho da Rua Apa foi preservado e resgatado
Milton Nishida/Divulgação
Segundo o arquiteto, o maior desafio foi compreender a constituição do castelinho, ou seja, voltar a enxergá-lo em sua concepção original. “Ele estava em condição de desfiguração, em estado bastante avançado de arruinação e perdas por fatores naturais, modificações e vandalismo”, relembra.
Outros pontos preocupação foram as condições precárias da estrutura, com ausência de escadas, pisos e telhados. “Primeiramente, buscamos cuidar de suas ‘doenças’ mais graves e urgentes. Por exemplo, não havia condição mínima de segurança para acessar os espaços”, diz Milton.
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Para adentrar as partes internas sem riscos de desabamentos, foram necessários trabalhos cuidadosos de escoramento, estancamento, proteção e isolamento suficientes para trazer estabilidade ao prédio.
Todos os detalhes originais do Castelinho da Rua Apa em São Paulo foram preservados
Milton Nishida/Divulgação
O trabalho conseguiu resgatar e preservar o desenho arquitetônico da mansão. Conforme conta o arquiteto, muitos materiais são originais, como parte do piso de ladrilhos hidráulicos e as janelas e grades de perfis metálicos.
“Na área de serviço, onde hoje é a cozinha experimental, foi encontrada uma pintura artística ao redor do topo da parede, a qual foi restaurada e conservada como testemunho. Isto é bastante relevante, pois se trata de uma pintura na área ‘não nobre’ da casa, o que é raríssimo”, fala Milton.
Desgastada e corroída, a estrutura do Castelinho da Rua Apa precisou de muitos reparos para voltar a ser habitável
Flickr/y.naomi/Creative Commons
Para ele, a restauração do castelinho representa uma vitória da preservação histórica para a cidade de São Paulo e para o Brasil.
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“Foi justamente o resgate dos desenhos das fachadas, bastante significativo, que permitiu, por exemplo, a reconstituição do muro que estava completamente perdido e, agora, como nos anos iniciais, voltou a compor seu conjunto com o castelinho”, comenta o profissional.
Piso de ladrilhos hidráulicos e grades de ferro originais do Castelinho da Rua Apa foram preservados na restauração
Tatianaluz/Wikimedia Commons
Hoje, o imóvel abriga 16 cômodos. No térreo estão hall de entrada, duas salas, escadaria, salão intermediário, corredor, banheiro e cozinha experimental. O pavimento superior contempla hall de escadaria com circulação, hall da torre com varanda, sala com varanda, sala simples, salão com varanda lateral, banheiro, copa e solário.
A ONG Clube de Mães do Brasil oferece atendimento a famílias em vulnerabilidade e risco social, e pessoas em situação de rua. Oferece, ainda, aulas práticas de culinária aos alunos de uma escola pública da região. Para saber mais sobre o Castelinho da Rua Apa acesse o perfil @castelinho.sp no Instagram.

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