O Cine COPAN, inaugurado em 1966, nasceu como parte das ambições modernistas de São Paulo: o edifício COPAN. Pensado para reunir habitação, comércio, cultura e serviços em um mesmo complexo, o prédio sintetiza uma ideia de cidade verticalizada e integrada, como uma metrópole em um único endereço. Dentre os espaços previstos, um cinema. Após anos fechado e destinado a outros usos, a possibilidade de reabertura desse espaço está em tramitação.
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Projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, em colaboração com o arquiteto e professor Carlos Alberto Cerqueira Lemos, nos anos 1950, o prédio é um marco da arquitetura brasileira. Encomendado durante as comemorações do 4º Centenário de São Paulo, em 1954, a construção nasceu em um momento no qual grandes obras buscavam materializar a ambição da cidade em se firmar como metrópole moderna.
O edifício Copan se destaca como projeto arquitetônico na paisagem da cidade de São Paulo, sobretudo, considerando na época em que foi construído
Flickr/Gabriel Fernandes/Creative Commons
O cinema, instalado no térreo, era peça fundamental dessa concepção. A presença de uma sala de exibição dentro do conjunto não era mero detalhe, mas um gesto arquitetônico e urbanístico que reforçava o papel do COPAN como polo de convivência, cultura e modernidade.
O projeto original e a busca da modernidade
“O COPAN buscava ser um marco arquitetônico na paisagem, simbolizando esse novo momento da cidade pulsante e metropolitana”, explica Danielle Santana, arquiteta e urbanista, vice-presidente do Instituto dos Arquitetos Brasileiros no Rio de Janeiro (IAB-RJ) e conselheira do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP).
Além da monumentalidade formal, o prédio foi concebido como organismo vivo, aberto às dinâmicas urbanas. A galeria interna prolongava a rua, convidando pedestres a entrarem e circularem. “O projeto foi pensado quase nesse sentido de continuidade da rua. As aberturas são generosas, sem portarias frontais, reforçando a ideia de permeabilidade com o espaço da cidade”, completa Danielle.
Registro do antigo Cine COPAN mostra um letreiro muito característico da época
Cedida por Blog Cinemas de SP/Reprodução
No interior desse complexo, estava o cinema. O espaço foi previsto desde os projetos iniciais de Niemeyer e Carlos Lemos. “O Cine COPAN seria mais um importante cinema voltado para a rua, com acesso ao foyer por escadas rolantes, independente das lojas do térreo”, explica Sheila Walbe Ornstein, arquiteta e urbanista, professora do departamento de tecnologia da Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e de Design da Universidade de São Paulo (FAU-USP).
A sala foi planejada com mais de mil lugares e poltronas vermelhas de veludo para projeções em 70 mm. “Naquele período, as salas eram únicas, muito diferentes da lógica atual, com múltiplas salas pequenas”, pontua Danielle. O espaço acompanhava a tendência dos grandes cinemas de rua, que marcavam a vida do centro da capital no final do século 20.
A estreia do Cine COPAN foi noticiada em diferentes jornais da época e era símbolo de uma capital que se modernizava. Nas imagens, registros de agosto de 1970
Cedida por Blog Cinemas de SP/Reprodução | Montagem: Casa e Jardim
A inauguração do prédio não aconteceu em meio às comemorações de aniversário da cidade como previsto, devido a mudanças da planta, questões financeiras e alvarás. Segundo relatos do síndico do edifício, Affonso Celso Prazeres de Oliveira, a liberação parcial para a habitação aconteceu em 1953 e a conclusão da obra, em 1970.
Alguns elementos do projeto original não foram executados. O foyer, que era o piso imediatamente superior ao térreo, por exemplo, não foi construído. Portanto, o acesso ao cinema, antes previsto por escadas rolantes, acabou se dando apenas pelo piso térreo e uma escada secundária, localizada também nesse pavimento.
Localização e distribuição de lojas do Edifício COPAN mostra a diversidade do prédio e seus usos. Circulado em vermelho, o espaço do cinema, onde na época da pesquisa já funcionava uma igreja. Levantamento feito pelo pesquisador Walter José Ferreira Galvão, em março de 2005
Cedida por Walter José Ferreira Galvão/Reprodução
Transformações de uso e fechamento
Assim como outros cinemas de rua, o Cine COPAN foi fechado nos anos 1980, em meio ao esvaziamento cultural do centro e à migração das salas para os shoppings. “O fechamento do cinema do COPAN foi mais um sintoma de um processo em curso: a mudança das dinâmicas do centro da cidade. Não era só o cinema que deixava de fazer sentido, mas todo um modo de vida”, analisa Danielle.
A partir de 1986, o cinema tornou-se a Sala Copan Cultura. O espaço passou a funcionar como local de ensaio e apresentações da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp).
Espaço das galerias do COPAN no pavimento onde ficava localizado o cinema. Ao fundo e no canto direito da imagem, é possível ver a fachada da Igreja Renascer, que funcionou até 2008 no espaço do antigo Cine COPAN
Cedida por Walter José Ferreira Galvão/Reprodução
Dois anos depois, um refletor estourou durante uma apresentação, e o teatro foi interditado por falta de segurança. Mais tarde, na década de 90, o espaço foi ocupado por uma igreja evangélica, que funcionou até 2008.
“Com o fechamento do cinema e as mudanças de uso ao longo do tempo, a relação dos moradores com o espaço acabou se diluindo. Em vez de ser um ponto de encontro cultural e de convivência, ele passou a ser apenas mais uma área desativada”, reflete Carine Wallauer, diretora do documentário COPAN e moradora do prédio durante sete anos, de 2017 a 2024.
Desafios e necessidades estruturais para o novo cinema
Desde o fechamento da igreja, o espaço do cinema permanecia sem uso. O anúncio do processo de reabertura foi feito pelo síndico Affonso Prazeres, que exerce essa função desde 1993. O síndico comunicou a veículos de imprensa que uma nova empresa adquiriu o espaço recentemente e planeja transformá-lo em um cinema multiuso, mas há ainda trâmites judiciais e administrativos em curso.
A trajetória do espaço deixou marcas também no espaço físico. “Um templo exige condições técnicas distintas de um cinema. Embora ambos precisem de palco e plateia, são programas arquitetônicos muito diferentes em acústica, acabamento, acessibilidade e segurança”, detalha Sheila.
O processo de revitalização de espaços como esse também deve considerar as possíveis adaptações estruturais necessárias. Contato com estudos das pranchas originais do projeto e de pesquisas recentes sobre o tema, realização de diagnósticos das condições físicas do local e das suas proximidades, entendimento dos limites considerando o tombamento do edifício e a articulação de uma equipe multidisciplinar de especialistas são algumas das etapas necessárias nesse processo.
Símbolo arquitetônico e patrimônio da cidade, a revitalização do Cine COPAN deve contar a sua história e daqueles vivem nesse espaço
Kleber Narvaes/Wikimedia Commons
Mais do que uma repetição das formas e estruturas anteriores, a restauração deve se estabelecer entre o passado e o presente. “Todo processo de requalificação e restauro são reinterpretações do passado, por isso, é importante olhar para as características originais, mas não necessariamente retomá-las da mesma forma”, explica Danielle.
Como um bem tombado e patrimônio da cidade de São Paulo, a totalidade da história do Cine COPAN, inclusive, os momentos em que esteve vazio ou com outros usos são de relevância cultural e pública. “É importante que essa reinterpretação traduza simbolicamente e materialmente também esses períodos”, diz a vice-presidente do IAB-RJ.
“Mais do que preservar um edifício, trata-se de reavivar um patrimônio imaterial, a experiência coletiva de se reunir em torno da arte e da cultura”, salienta Carine.
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Sentidos e potências da reabertura do Cine COPAN
A possibilidade da reabertura traz consigo expectativas e debates. “A cidade só tem a ganhar com um espaço cultural altamente qualificado, que respeite a história do COPAN e, ao mesmo tempo, atenda às demandas técnicas contemporâneas”, diz Sheila.
A revitalização desse e outros espaços culturais do centro não são fatos isolados e fazem parte de um movimento mais amplo de revalorização da área. “Isso deve ser celebrado, mas também pensado de forma inclusiva, para que não se traduza em um processo de gentrificação ou exclusão, sobretudo, daquelas pessoas que seguiram morando, ocupando e valorizando a região, porque o centro nunca esteve vazio”, salienta Danielle.
“A reabertura do Cine Copan pode ser compreendida como um ato de reimaginação social: a chance de imaginar coletivamente outras formas de viver e ocupar a cidade, de forma mais plural, democrática e afetiva”, finaliza Carine.
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Projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, em colaboração com o arquiteto e professor Carlos Alberto Cerqueira Lemos, nos anos 1950, o prédio é um marco da arquitetura brasileira. Encomendado durante as comemorações do 4º Centenário de São Paulo, em 1954, a construção nasceu em um momento no qual grandes obras buscavam materializar a ambição da cidade em se firmar como metrópole moderna.
O edifício Copan se destaca como projeto arquitetônico na paisagem da cidade de São Paulo, sobretudo, considerando na época em que foi construído
Flickr/Gabriel Fernandes/Creative Commons
O cinema, instalado no térreo, era peça fundamental dessa concepção. A presença de uma sala de exibição dentro do conjunto não era mero detalhe, mas um gesto arquitetônico e urbanístico que reforçava o papel do COPAN como polo de convivência, cultura e modernidade.
O projeto original e a busca da modernidade
“O COPAN buscava ser um marco arquitetônico na paisagem, simbolizando esse novo momento da cidade pulsante e metropolitana”, explica Danielle Santana, arquiteta e urbanista, vice-presidente do Instituto dos Arquitetos Brasileiros no Rio de Janeiro (IAB-RJ) e conselheira do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP).
Além da monumentalidade formal, o prédio foi concebido como organismo vivo, aberto às dinâmicas urbanas. A galeria interna prolongava a rua, convidando pedestres a entrarem e circularem. “O projeto foi pensado quase nesse sentido de continuidade da rua. As aberturas são generosas, sem portarias frontais, reforçando a ideia de permeabilidade com o espaço da cidade”, completa Danielle.
Registro do antigo Cine COPAN mostra um letreiro muito característico da época
Cedida por Blog Cinemas de SP/Reprodução
No interior desse complexo, estava o cinema. O espaço foi previsto desde os projetos iniciais de Niemeyer e Carlos Lemos. “O Cine COPAN seria mais um importante cinema voltado para a rua, com acesso ao foyer por escadas rolantes, independente das lojas do térreo”, explica Sheila Walbe Ornstein, arquiteta e urbanista, professora do departamento de tecnologia da Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e de Design da Universidade de São Paulo (FAU-USP).
A sala foi planejada com mais de mil lugares e poltronas vermelhas de veludo para projeções em 70 mm. “Naquele período, as salas eram únicas, muito diferentes da lógica atual, com múltiplas salas pequenas”, pontua Danielle. O espaço acompanhava a tendência dos grandes cinemas de rua, que marcavam a vida do centro da capital no final do século 20.
A estreia do Cine COPAN foi noticiada em diferentes jornais da época e era símbolo de uma capital que se modernizava. Nas imagens, registros de agosto de 1970
Cedida por Blog Cinemas de SP/Reprodução | Montagem: Casa e Jardim
A inauguração do prédio não aconteceu em meio às comemorações de aniversário da cidade como previsto, devido a mudanças da planta, questões financeiras e alvarás. Segundo relatos do síndico do edifício, Affonso Celso Prazeres de Oliveira, a liberação parcial para a habitação aconteceu em 1953 e a conclusão da obra, em 1970.
Alguns elementos do projeto original não foram executados. O foyer, que era o piso imediatamente superior ao térreo, por exemplo, não foi construído. Portanto, o acesso ao cinema, antes previsto por escadas rolantes, acabou se dando apenas pelo piso térreo e uma escada secundária, localizada também nesse pavimento.
Localização e distribuição de lojas do Edifício COPAN mostra a diversidade do prédio e seus usos. Circulado em vermelho, o espaço do cinema, onde na época da pesquisa já funcionava uma igreja. Levantamento feito pelo pesquisador Walter José Ferreira Galvão, em março de 2005
Cedida por Walter José Ferreira Galvão/Reprodução
Transformações de uso e fechamento
Assim como outros cinemas de rua, o Cine COPAN foi fechado nos anos 1980, em meio ao esvaziamento cultural do centro e à migração das salas para os shoppings. “O fechamento do cinema do COPAN foi mais um sintoma de um processo em curso: a mudança das dinâmicas do centro da cidade. Não era só o cinema que deixava de fazer sentido, mas todo um modo de vida”, analisa Danielle.
A partir de 1986, o cinema tornou-se a Sala Copan Cultura. O espaço passou a funcionar como local de ensaio e apresentações da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp).
Espaço das galerias do COPAN no pavimento onde ficava localizado o cinema. Ao fundo e no canto direito da imagem, é possível ver a fachada da Igreja Renascer, que funcionou até 2008 no espaço do antigo Cine COPAN
Cedida por Walter José Ferreira Galvão/Reprodução
Dois anos depois, um refletor estourou durante uma apresentação, e o teatro foi interditado por falta de segurança. Mais tarde, na década de 90, o espaço foi ocupado por uma igreja evangélica, que funcionou até 2008.
“Com o fechamento do cinema e as mudanças de uso ao longo do tempo, a relação dos moradores com o espaço acabou se diluindo. Em vez de ser um ponto de encontro cultural e de convivência, ele passou a ser apenas mais uma área desativada”, reflete Carine Wallauer, diretora do documentário COPAN e moradora do prédio durante sete anos, de 2017 a 2024.
Desafios e necessidades estruturais para o novo cinema
Desde o fechamento da igreja, o espaço do cinema permanecia sem uso. O anúncio do processo de reabertura foi feito pelo síndico Affonso Prazeres, que exerce essa função desde 1993. O síndico comunicou a veículos de imprensa que uma nova empresa adquiriu o espaço recentemente e planeja transformá-lo em um cinema multiuso, mas há ainda trâmites judiciais e administrativos em curso.
A trajetória do espaço deixou marcas também no espaço físico. “Um templo exige condições técnicas distintas de um cinema. Embora ambos precisem de palco e plateia, são programas arquitetônicos muito diferentes em acústica, acabamento, acessibilidade e segurança”, detalha Sheila.
O processo de revitalização de espaços como esse também deve considerar as possíveis adaptações estruturais necessárias. Contato com estudos das pranchas originais do projeto e de pesquisas recentes sobre o tema, realização de diagnósticos das condições físicas do local e das suas proximidades, entendimento dos limites considerando o tombamento do edifício e a articulação de uma equipe multidisciplinar de especialistas são algumas das etapas necessárias nesse processo.
Símbolo arquitetônico e patrimônio da cidade, a revitalização do Cine COPAN deve contar a sua história e daqueles vivem nesse espaço
Kleber Narvaes/Wikimedia Commons
Mais do que uma repetição das formas e estruturas anteriores, a restauração deve se estabelecer entre o passado e o presente. “Todo processo de requalificação e restauro são reinterpretações do passado, por isso, é importante olhar para as características originais, mas não necessariamente retomá-las da mesma forma”, explica Danielle.
Como um bem tombado e patrimônio da cidade de São Paulo, a totalidade da história do Cine COPAN, inclusive, os momentos em que esteve vazio ou com outros usos são de relevância cultural e pública. “É importante que essa reinterpretação traduza simbolicamente e materialmente também esses períodos”, diz a vice-presidente do IAB-RJ.
“Mais do que preservar um edifício, trata-se de reavivar um patrimônio imaterial, a experiência coletiva de se reunir em torno da arte e da cultura”, salienta Carine.
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Sentidos e potências da reabertura do Cine COPAN
A possibilidade da reabertura traz consigo expectativas e debates. “A cidade só tem a ganhar com um espaço cultural altamente qualificado, que respeite a história do COPAN e, ao mesmo tempo, atenda às demandas técnicas contemporâneas”, diz Sheila.
A revitalização desse e outros espaços culturais do centro não são fatos isolados e fazem parte de um movimento mais amplo de revalorização da área. “Isso deve ser celebrado, mas também pensado de forma inclusiva, para que não se traduza em um processo de gentrificação ou exclusão, sobretudo, daquelas pessoas que seguiram morando, ocupando e valorizando a região, porque o centro nunca esteve vazio”, salienta Danielle.
“A reabertura do Cine Copan pode ser compreendida como um ato de reimaginação social: a chance de imaginar coletivamente outras formas de viver e ocupar a cidade, de forma mais plural, democrática e afetiva”, finaliza Carine.