A banda Molchat Doma, formada na Bielorrússia, tem construído uma forte estética no universo contemporâneo do pós-punk, new wave e synth pop. Se o som melancólico, soturno e dançante levou o grupo a palcos de todo o mundo, incluindo o Brasil, a linguagem visual das capas dos discos também desempenhou papel fundamental nessa ascensão internacional.
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Nas capas dos quatro álbuns já lançados destacam-se imagens de prédios monumentais, estruturas inacabadas e colossos de concreto, fazendo da arquitetura não apenas pano de fundo, mas metáfora visual da música que a banda procura evocar — a qual pode ser definida como melancólica e brutalista.
A capa do primeiro álbum, ‘Krysh Nashikh Domov’ (2017), traz uma colagem feita por Vlad Vykiduhi. A imagem reúne uma estrutura arquitetônica triangular e diferentes tons de cinza e preto
Sacred Bones Records/Molchat Doma/Divulgação
Inclusive, o brutalismo é um estilo presente na identidade do grupo porque é uma das marcas do conjunto arquitetônico da cidade de Minsk, capital bielorrussa, onde os integrantes — Egor Shkutko (vocais), Roman Komogortsev (guitarra, sintetizadores, caixa de ritmos) e Pavel Kozlov (baixo, sintetizadores) — nasceram e cresceram.
Outra relação intrínseca é que o nome Molchat Doma vem do russo Молчат Дома, que pode ser traduzido como “as casas estão silenciosas” ou “casas silenciam” — expressão alinhada com a atmosfera introspectiva e melancólica do trio.
Os integrantes do grupo Molchat Doma, da esquerda para a direita: Roman Komogortsev, Egor Shkutko e Pavel Kozlov
Alina Pasok/Karim Belkasemi/Divulgação
Em entrevista exclusiva à Casa e Jardim, Pavel, o baixista, contou como surgiu a ideia de transformar construções em símbolos visuais e extensão da música do grupo, além de falar sobre processo criativo e metáforas urbanas. Confira!
1. Como surgiu a ideia de usar prédios e monumentos nas capas dos álbuns, e por que vocês continuaram com esse conceito?
Não havia conceito no começo. Quando lançamos nosso primeiro álbum, um amigo do Roman, chamado Vlad Vykiduhin, fez uma colagem de duas fotografias. Ficou expressivo e atmosférico, então decidimos usá-la como capa. Foi mais uma decisão espontânea do que uma estratégia visual. Com o tempo, percebemos que a arquitetura, especialmente o brutalismo, refletia com precisão o clima da nossa música: escala, vazio, severidade e estrutura rítmica. Então, quando chegou a hora do segundo álbum, decidimos manter essa direção e continuar usando imagens arquitetônicas. Nosso estilo visual foi se formando aos poucos.
Lançado em 2024, o quarto álbum da banda Molchat Doma é chamado ‘Belaya Polosa’. O edifício representado não existe de fato, mas foi um projeto desenhado pelo arquiteto italiano Pier Luigi Nervi para a Exposição Universal (Esposizione Universale) de Roma que aconteceria em 1942, mas anulada por conta da Segunda Guerra Mundial. O nome da construção seria ‘Palácio da Água e da Luz’
Sacred Bones Records/Molchat Doma/Divulgação
2. O que inspirou a escolha do Palácio da Água e da Luz (do arquiteto italiano Pier Luigi Nervi) para a capa do último álbum, Belaya Polosa?
Esse projeto nos impressionou pela mistura de precisão arquitetônica e incompletude surreal. Ele foi pensado para simbolizar progresso e modernidade, mas acabou não sendo realizado — um monumento a algo que nunca aconteceu. Para nós, tornou-se uma metáfora de um estado pessoal: vivemos em um mundo onde muitas coisas permanecem inacabadas, e essa “modernidade não cumprida” combinou perfeitamente com os temas e o som de Belaya Polosa. O disco carrega tanto sonho quanto vazio, luz e concreto.
3. A banda participa dessa escolha visual ou existe uma equipe criativa por trás?
Estamos totalmente envolvidos no processo, desde o conceito até a paleta de cores final. Criar a capa do álbum é uma continuação natural do trabalho na música. Não temos uma equipe que decide por nós. Às vezes pedimos contribuições de amigos designers, mas todas as decisões são tomadas dentro da banda.
4. Que tipo de arquitetura vocês acham que melhor representa o som do Molchat Doma?
Provavelmente uma mistura de brutalismo e modernismo tardio. Somos atraídos por estruturas que são ao mesmo tempo monumentais e solitárias. Uma arquitetura em que a pessoa pode se perder e, através disso, se encontrar. Esses prédios não tentam agradar, não buscam glamour — mas têm força e honestidade. Isso é próximo ao que expressamos no som.
A capa do segundo álbum, chamado ‘Etazhi’ (2018), apresenta o Hotel Panorama, situado em Štrbské Pleso, na Eslováquia. É um prédio de estilo brutalista, com linhas duras e formas geométricas marcantes
Sacred Bones Records/Molchat Doma/Divulgação
5. O trabalho de vocês é frequentemente associado à arquitetura soviética. Isso é uma escolha consciente ou intuitiva?
Começou de forma intuitiva. Simplesmente éramos atraídos por imagens que ressoavam emocionalmente. Depois percebemos que era um reflexo do ambiente em que crescemos — as cidades, as ruas, a atmosfera. É a arquitetura da nossa infância, e isso acabou virando parte da nossa identidade.
6. Desde que se mudaram para os EUA e passaram a fazer turnês pelo mundo, outros estilos arquitetônicos influenciaram o trabalho de vocês?
Com certeza. Percebemos como o espaço é entendido de forma diferente em várias culturas. Nos EUA, muitas vezes há um foco forte na forma, mas às vezes falta profundidade. Na Europa, muitas vezes é o contrário. Passamos a prestar atenção não apenas à arquitetura como objeto, mas a como ela influencia a sensação de vida ao redor. Essas impressões naturalmente começaram a fluir para a nossa música.
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7. Se o som de vocês fosse traduzido em um espaço arquitetônico, como ele seria?
Seria um grande edifício de concreto na beira de uma cidade. Haveria quase nenhuma pessoa dentro, mas estaria cheio de silêncio, ar e ressonância. Seria frio e sombrio, com janelas estreitas deixando entrar faixas de luz, e passos ecoando pelos corredores. Um lugar onde você pode ficar sozinho e realmente ouvir seus próprios pensamentos.
8. Vocês já consideraram colaborar com arquitetos ou designers em um palco, ou uma instalação inspirada na estética de vocês?
Não, nunca pensamos. Pode ser uma experiência interessante algum dia, mas, no momento, não passou pela nossa cabeça. Estamos focados na música e na direção visual que já seguimos, e ainda não sentimos necessidade de avançar para instalações arquitetônicas. Ainda assim, é algo que talvez exploremos no futuro.
Em 2020, a banda Molchat Doma lançou seu terceiro álbum, nomeado ‘Monument’. A estética brutalista é reforçada por torres e esculturas de mãos segurando ferramentas, envoltas por uma neblina
Sacred Bones Records/Molchat Doma/Divulgação
9. Existe uma cidade que, na opinião de vocês, “soa” como a música do Molchat Doma?
Berlim, com certeza. Ela tem o equilíbrio certo entre frieza e vida, silêncio e movimento. E claro, Minsk, com sua arquitetura severa, espaços vazios e atmosfera de desapego. Essas cidades não gritam, elas murmuram por dentro, como a nossa música.
10. Muitos dos videoclipes de vocês evocam o vazio arquitetônico — grandes estruturas com poucas pessoas. Esse senso de solidão urbana faz parte da mensagem visual?
Sim. O espaço sem pessoas é uma forma de destacar estados internos. Não estamos evitando a figura humana — estamos dando espaço a ela. Vazio não significa ausência, significa foco. Ele cria a oportunidade para o espectador ou ouvinte preencher esse espaço com o próprio significado.
Em 15 de novembro de 2025, o trio faz sua segunda apresentação no Brasil — a primeira foi em 2022 —, em show único no Tokio Marine Hall, em São Paulo. Uma oportunidade de sentir como o silêncio se transforma em pulsação.
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Nas capas dos quatro álbuns já lançados destacam-se imagens de prédios monumentais, estruturas inacabadas e colossos de concreto, fazendo da arquitetura não apenas pano de fundo, mas metáfora visual da música que a banda procura evocar — a qual pode ser definida como melancólica e brutalista.
A capa do primeiro álbum, ‘Krysh Nashikh Domov’ (2017), traz uma colagem feita por Vlad Vykiduhi. A imagem reúne uma estrutura arquitetônica triangular e diferentes tons de cinza e preto
Sacred Bones Records/Molchat Doma/Divulgação
Inclusive, o brutalismo é um estilo presente na identidade do grupo porque é uma das marcas do conjunto arquitetônico da cidade de Minsk, capital bielorrussa, onde os integrantes — Egor Shkutko (vocais), Roman Komogortsev (guitarra, sintetizadores, caixa de ritmos) e Pavel Kozlov (baixo, sintetizadores) — nasceram e cresceram.
Outra relação intrínseca é que o nome Molchat Doma vem do russo Молчат Дома, que pode ser traduzido como “as casas estão silenciosas” ou “casas silenciam” — expressão alinhada com a atmosfera introspectiva e melancólica do trio.
Os integrantes do grupo Molchat Doma, da esquerda para a direita: Roman Komogortsev, Egor Shkutko e Pavel Kozlov
Alina Pasok/Karim Belkasemi/Divulgação
Em entrevista exclusiva à Casa e Jardim, Pavel, o baixista, contou como surgiu a ideia de transformar construções em símbolos visuais e extensão da música do grupo, além de falar sobre processo criativo e metáforas urbanas. Confira!
1. Como surgiu a ideia de usar prédios e monumentos nas capas dos álbuns, e por que vocês continuaram com esse conceito?
Não havia conceito no começo. Quando lançamos nosso primeiro álbum, um amigo do Roman, chamado Vlad Vykiduhin, fez uma colagem de duas fotografias. Ficou expressivo e atmosférico, então decidimos usá-la como capa. Foi mais uma decisão espontânea do que uma estratégia visual. Com o tempo, percebemos que a arquitetura, especialmente o brutalismo, refletia com precisão o clima da nossa música: escala, vazio, severidade e estrutura rítmica. Então, quando chegou a hora do segundo álbum, decidimos manter essa direção e continuar usando imagens arquitetônicas. Nosso estilo visual foi se formando aos poucos.
Lançado em 2024, o quarto álbum da banda Molchat Doma é chamado ‘Belaya Polosa’. O edifício representado não existe de fato, mas foi um projeto desenhado pelo arquiteto italiano Pier Luigi Nervi para a Exposição Universal (Esposizione Universale) de Roma que aconteceria em 1942, mas anulada por conta da Segunda Guerra Mundial. O nome da construção seria ‘Palácio da Água e da Luz’
Sacred Bones Records/Molchat Doma/Divulgação
2. O que inspirou a escolha do Palácio da Água e da Luz (do arquiteto italiano Pier Luigi Nervi) para a capa do último álbum, Belaya Polosa?
Esse projeto nos impressionou pela mistura de precisão arquitetônica e incompletude surreal. Ele foi pensado para simbolizar progresso e modernidade, mas acabou não sendo realizado — um monumento a algo que nunca aconteceu. Para nós, tornou-se uma metáfora de um estado pessoal: vivemos em um mundo onde muitas coisas permanecem inacabadas, e essa “modernidade não cumprida” combinou perfeitamente com os temas e o som de Belaya Polosa. O disco carrega tanto sonho quanto vazio, luz e concreto.
3. A banda participa dessa escolha visual ou existe uma equipe criativa por trás?
Estamos totalmente envolvidos no processo, desde o conceito até a paleta de cores final. Criar a capa do álbum é uma continuação natural do trabalho na música. Não temos uma equipe que decide por nós. Às vezes pedimos contribuições de amigos designers, mas todas as decisões são tomadas dentro da banda.
4. Que tipo de arquitetura vocês acham que melhor representa o som do Molchat Doma?
Provavelmente uma mistura de brutalismo e modernismo tardio. Somos atraídos por estruturas que são ao mesmo tempo monumentais e solitárias. Uma arquitetura em que a pessoa pode se perder e, através disso, se encontrar. Esses prédios não tentam agradar, não buscam glamour — mas têm força e honestidade. Isso é próximo ao que expressamos no som.
A capa do segundo álbum, chamado ‘Etazhi’ (2018), apresenta o Hotel Panorama, situado em Štrbské Pleso, na Eslováquia. É um prédio de estilo brutalista, com linhas duras e formas geométricas marcantes
Sacred Bones Records/Molchat Doma/Divulgação
5. O trabalho de vocês é frequentemente associado à arquitetura soviética. Isso é uma escolha consciente ou intuitiva?
Começou de forma intuitiva. Simplesmente éramos atraídos por imagens que ressoavam emocionalmente. Depois percebemos que era um reflexo do ambiente em que crescemos — as cidades, as ruas, a atmosfera. É a arquitetura da nossa infância, e isso acabou virando parte da nossa identidade.
6. Desde que se mudaram para os EUA e passaram a fazer turnês pelo mundo, outros estilos arquitetônicos influenciaram o trabalho de vocês?
Com certeza. Percebemos como o espaço é entendido de forma diferente em várias culturas. Nos EUA, muitas vezes há um foco forte na forma, mas às vezes falta profundidade. Na Europa, muitas vezes é o contrário. Passamos a prestar atenção não apenas à arquitetura como objeto, mas a como ela influencia a sensação de vida ao redor. Essas impressões naturalmente começaram a fluir para a nossa música.
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7. Se o som de vocês fosse traduzido em um espaço arquitetônico, como ele seria?
Seria um grande edifício de concreto na beira de uma cidade. Haveria quase nenhuma pessoa dentro, mas estaria cheio de silêncio, ar e ressonância. Seria frio e sombrio, com janelas estreitas deixando entrar faixas de luz, e passos ecoando pelos corredores. Um lugar onde você pode ficar sozinho e realmente ouvir seus próprios pensamentos.
8. Vocês já consideraram colaborar com arquitetos ou designers em um palco, ou uma instalação inspirada na estética de vocês?
Não, nunca pensamos. Pode ser uma experiência interessante algum dia, mas, no momento, não passou pela nossa cabeça. Estamos focados na música e na direção visual que já seguimos, e ainda não sentimos necessidade de avançar para instalações arquitetônicas. Ainda assim, é algo que talvez exploremos no futuro.
Em 2020, a banda Molchat Doma lançou seu terceiro álbum, nomeado ‘Monument’. A estética brutalista é reforçada por torres e esculturas de mãos segurando ferramentas, envoltas por uma neblina
Sacred Bones Records/Molchat Doma/Divulgação
9. Existe uma cidade que, na opinião de vocês, “soa” como a música do Molchat Doma?
Berlim, com certeza. Ela tem o equilíbrio certo entre frieza e vida, silêncio e movimento. E claro, Minsk, com sua arquitetura severa, espaços vazios e atmosfera de desapego. Essas cidades não gritam, elas murmuram por dentro, como a nossa música.
10. Muitos dos videoclipes de vocês evocam o vazio arquitetônico — grandes estruturas com poucas pessoas. Esse senso de solidão urbana faz parte da mensagem visual?
Sim. O espaço sem pessoas é uma forma de destacar estados internos. Não estamos evitando a figura humana — estamos dando espaço a ela. Vazio não significa ausência, significa foco. Ele cria a oportunidade para o espectador ou ouvinte preencher esse espaço com o próprio significado.
Em 15 de novembro de 2025, o trio faz sua segunda apresentação no Brasil — a primeira foi em 2022 —, em show único no Tokio Marine Hall, em São Paulo. Uma oportunidade de sentir como o silêncio se transforma em pulsação.