Como a cenografia influencia o teatro musical

No teatro, diversos fatores entram em cena para garantir uma boa peça: roteiro, trilha sonora, atores, figurino… Mas, apenas os cenários conseguem nos transportar verdadeiramente até a história, seja para a terra distante de Oz, seja para a década de 1960 em Nova Jersey. Para além de uma simples montagem, o cenário é capaz de contextualizar seus espectadores e, também, os atores que trazem vida à narrativa.
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O conceito de cenografia surgiu no teatro grego, no século 5 a.C., com apenas o theatron, local destinado ao público, e a skené, uma tenda usada para a troca de roupas e o armazenamento de figurinos. Com o tempo, o modelo cenográfico evoluiu e a tenda deu lugar a uma construção de pedras com colunas, portas e uma plataforma para que os atores desenvolvessem as cenas das comédias gregas.
A cenografia é, de certa forma, uma mistura entre a arquitetura e a arte. Em Iniciação ao Teatro (2000), o autor e crítico teatral Sábato Magaldi descreve que, caso bem projetada, a cenografia é capaz de valorizar a encenação teatral e principalmente o ator, que se movimenta por ela. Ao mesmo tempo, permite que a principal informação seja transmitida para o público da melhor maneira possível. Sábato ainda coloca o cenário e o vestuário como principais responsáveis por situar o ator no espaço.
O papel da cenografia no teatro
Hoje, a cenografia teatral vai muito além do modelo grego, incorporando plataformas giratórias, iluminação estratégica e outros elementos que transformam a encenação.
No musical “Jersey Boys – A História de Frankie Valli e Os Four Seasons”, a cenografia opta pelo uso de texturas, materiais e cores para um resultado simples e eficaz
Caio Gallucci/Divulgação
Em cartaz até o dia 28 de setembro, no 033 Rooftop, em São Paulo, o musical Jersey Boys – A História de Frankie Valli e Os Four Seasons opta por uma cenografia simplificada, encomendada ao cenografista Bruno Anselmo, para contar a história da banda de sucesso da década de 1960.
Para a cenografia, Bruno se inspirou nas texturas e nos contrastes da cidade de Nova Jersey, nos Estados Unidos. O especialista traz referências à travessia até a cidade de Nova York que, no musical, simboliza uma jornada de superação e ambição: “Essa trajetória nos inspirou a pensar uma cenografia que refletisse esse contraste entre origem e destino, simplicidade e glamour, realidade e sonho”, explica o cenografista.
No Rooftop 033, a cenografia do musical usa elementos industriais para representar as origens do grupo e as cortinas para mostrar o luxo
Caio Gallucci/Divulgação
A apresentação no rooftop ainda gerou dois desafios: o espaço disponível e a manutenção da sensação intimista própria do ambiente. Para isso, Bruno focou no uso de texturas e cores no palco, que pudessem traduzir os conflitos vividos pelo grupo. Elementos com aspecto industrial funcionam como símbolo de suas raízes, enquanto o piso brilhante em preto e as cortinas revelam a ascensão à fama.
“É uma dinâmica criativa completamente diferente do palco italiano. É uma criação do zero, na qual precisamos considerar, inclusive, a plateia”, diz Bruno. Durante a peça, a própria plateia é usada como recurso cenográfico, simulando convidados em um clube noturno. As transições cenográficas são expostas ao público, tornando a peça mais ágil e, também, vulnerável.
No musical “Meninas Malvadas”, o cenário se destacava pelas arquibancadas móveis, que davam palco para o ensino médio e as residências
Caio Gallucci/Divulgação
Peças em palcos no modelo italiano também se destacam pela sua cenografia intrínseca. O musical Meninas Malvadas, que terminou suas passagem pelo Teatro Santander, em São Paulo, no mês de junho, causou furor nas redes sociais devido aos elementos cenográficos móveis, que incluíam mesas de cafeteria e armários de ensino médio. O trabalho cenográfico da peça foi do cenógrafo Adam Koch, que também idealizou a cenografia da montagem realizada em Broadway.
“Fingi, mentalmente, que estava produzindo o espetáculo pela primeira vez e criamos um cenário puramente inspirado na música e na história, e não nos preocupamos realmente com a versão da Broadway”, pontua o cenógrafo para a Casa e Jardim.
Ao mover as arquibancadas, outros elementos de cenografia eram incorporados para dar vida aos ambientes
Caio Gallucci/Divulgação
O cenário retrata um mundo de corredores de ensino médio, salas de aula, quartos e shoppings, tudo contido em um palco de show pop. As telas de LED e as arquibancadas dominam o palco, e se movimentam ao longo do musical. Segundo Adam, as arquibancadas retratam a hierarquia social do ensino médio, tema principal da história.
A importância da cenografia
Muito além de elementos decorativos, a cenografia é uma linguagem dentro do teatro musical. Ela estabelece a dinâmica do espetáculo e cria atmosferas que suportam o texto e as músicas.
Para o cenógrafo de “Jersey Boys”, a cenografia é uma extensão do teatro musical, complementando a performance
Caio Gallucci/Divulgação
“O texto e a proposta da direção são meus principais fios condutores para a criação da cenografia. Para mim, o cenário só faz sentido se estiver integralmente a serviço da dramaturgia. O cenário é a dramaturgia traduzida em imagem”, coloca o cenógrafo de Jersey Boys.
Em “Meninas Malvadas”, a cenografia delimita a hierarquia social do ensino médio
Caio Gallucci/Divulgação
Já para o cenógrafo de Meninas Malvadas, tudo no palco está lá para ajudar o público a vivenciar as emoções e a jornada das personagens. No musical, por exemplo, a cenografia expressa o tipo de escola que a protagonista, Cady, vivencia emocionalmente: um espaço vibrante e avassalador.
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“Quando a cortina se abre no início de um espetáculo, é o momento para o público se refugiar em uma fantasia única do espetáculo, como um sonho. São algumas horas em que cor, música, dança e canto se tornam realidade, e os elementos da cenografia ajudam a tornar esse mundo musical de sonho realidade”, finaliza Adam.

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