Como as casas contêiner estão mudando o mercado imobiliário sustentável

Há quem sonhe morar em mansões. Outros, em arranha-céus, ou ainda numa casinha de sapê. Mas há também quem encontre abrigo no inesperado — no aço que cruzou oceanos, no retângulo que já foi carga e agora é lar. As casas contêiner são mais do que uma tendência arquitetônica: são um manifesto silencioso de quem escolhe viver com menos, mas com mais significado. Desafiando padrões e reinventando espaços, elas provam que conforto não depende de tijolos, mas de propósito.
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Com estrutura metálica, de aço, rígida e resistente, o contêiner possibilita a construção de residências unindo módulos lado a lado ou até mesmo empilhando. Atentas a essa nova forma de morar, empresas e profissionais entregam projetos residenciais cheios de personalidade.
História das casas contêiner: da carga à moradia sustentável
Para revolucionar o transporte marítimo, os contêineres foram criados nos anos 1950. Com o passar das décadas, milhões deles passaram a acumular-se em portos, sem destino. Por serem feitos com aço de alta qualidade e resistência, apresentavam desafios para reciclagem, exigindo grande consumo de energia para serem derretidos. Foi então que arquitetos visionários enxergaram ali uma oportunidade: transformar o excesso em moradia.
A casa contêiner do arquiteto Danilo Corbas, na Granja Viana, em São Paulo, possui sistema misto de aquecimento solar e elétrico
Plínio Dondon/Divulgação
Essa ideia surgiu em 1987, quando o arquiteto Phillip Clark registrou a patente das casas contêineres nos Estados Unidos. O conceito ganhou força nos anos 1990, especialmente na Europa, onde a busca por construções sustentáveis e acessíveis impulsionou os primeiros projetos habitacionais com contêineres reaproveitados. Desde então, essa alternativa se espalhou pelo mundo, ganhando formas, estilos e significados diversos.
Casas contêiner no mundo
África do Sul: soluções de moradia social utilizam contêineres como alternativa rápida e econômica.
Austrália e Nova Zelândia: muito populares como casas de campo e hospedagens turísticas.
Estados Unidos: cidades como Austin e Portland abrigam bairros feitos de contêineres.
Japão: valorizados pela leveza e flexibilidade, ideais para áreas com risco sísmico.
Holanda: Amsterdã abriga complexos estudantis inteiros construídos com contêineres empilhados e coloridos.
O mercado brasileiro
No Brasil, o uso residencial de contêineres começou a ganhar força por volta de 2010, impulsionado por movimentos de arquitetura sustentável e pela busca por soluções mais rápidas e econômicas. Hoje, empresas especializadas oferecem projetos personalizados que vão desde tiny houses de 15 m² até lares sofisticados com múltiplos módulos.
Atualmente, qualquer tipo de contêiner pode ser reaproveitado, porém, a NR-18 — norma que estabelece diretrizes e requisitos de segurança e saúde no trabalho específicos para a indústria da construção — determina a realização de testes para garantir que não há nenhum tipo de contaminação, riscos químicos ou níveis de radioatividade nas peças transformadas.
Neste projeto, o escritório paulistano SuperLimão ergueu uma grande estrutura feita de contêineres marítimos para abrigar uma coleção de dezenas de carros, motos, kombis, lambretas, patinetes e afins dos moradores
Maíra Acayaba/Divulgação
O custo médio de uma casa contêiner varia entre R$ 2 mil e R$ 3.500 por metro quadrado, podendo representar uma economia de até 30% em relação à construção tradicional. Além disso, o tempo de obra é significativamente menor: enquanto uma casa de alvenaria pode levar até um ano para ser concluída, uma residência contêiner pode ficar pronta em apenas 60 a 90 dias.
De acordo com João Sette, sócio fundador da Sette Casas, localizada no Espírito Santo, este custo pode parecer um pouco caro inicialmente, mas é um preço fechado, sem margem de variação. “As casas contêineres têm garantia, então arcamos com qualquer problema decorrente da construção, além de ser modular e poder transportar ou acrescentar contêineres depois”, explica.
Como é feita uma casa contêiner?
O projeto é feito a partir da adaptação de contêineres marítimos, novos ou reaproveitados, exigindo técnica e criatividade em sua construção. O processo começa com a escolha do contêiner, seguido por um tratamento estrutural que inclui reforços, cortes para portas e janelas, e aplicação de tintas anticorrosivas para garantir durabilidade.
Imagem mostra os bastidores do projeto do escritório Benjamin Garcia Saxe Architecture na Costa Rica. Enquanto um contêiner já está posicionado sobre pilares de concreto, o outro é instalado com ajuda de um guindaste
v2com/Andres Garcia Lachner/Divulgação
O conforto térmico e acústico é assegurado com materiais como lã de PET, lã de vidro ou lã de rocha, enquanto as instalações elétricas e hidráulicas são feitas de forma semelhante às de uma casa convencional.
A fundação, essencial para a estabilidade da estrutura, pode ser feita com sapatas, radier ou blocos de concreto. Por fim, o projeto precisa ser licenciado conforme as normas da prefeitura local, como qualquer outra construção civil.
Vantagens e desafios
As casas contêiner oferecem uma série de vantagens que têm atraído cada vez mais adeptos. A sustentabilidade é um dos principais atrativos, já que o reaproveitamento de estruturas metálicas reduz significativamente o impacto ambiental.
Outro ponto é a mobilidade: a estrutura pode ser transportada e reinstalada em diferentes locais. O estilo também conquista com visual moderno, industrial e altamente personalizável. E, claro, o custo reduzido com materiais e mão de obra torna essa opção ainda mais acessível.
Paisagismo assinado por Clariça Lima mistura espécies de capins em casa-contêiner em São Roque, interior de São Paulo, assinada pelo escritório Andrade Moretim
Thais Antunes/Divulgação
Para João, o tempo reduzido da construção e a previsão de prazos também é um atrativo, assim como não ter a responsabilidade de contratar mão de obra, livrando-se de insatisfações. “Entregamos a casa pronta, ‘chave na mão’, conhecido como o conceito plug and play”, comenta.
Por outro lado, há desafios que precisam ser considerados. O isolamento térmico é um deles, já que o aço pode intensificar tanto o calor quanto o frio, exigindo soluções eficientes para garantir o conforto. A legislação também pode ser um entrave, pois nem todos os municípios possuem normas claras para esse tipo de construção.
No projeto do arquiteto Jorge Siemsen em Brodowski, SP, dois contêineres refrigerados de 30 pés, comprados no Mercado Livre, foram apoiados em muros de pedras e adaptados para duas suítes: uma do casal de moradores e outra das três filhas
Lufe Gomes/Editora Globo
Além disso, a mão de obra especializada ainda é limitada em algumas regiões, o que pode dificultar a execução do projeto. E, por fim, há o preconceito cultural: muitas pessoas ainda associam contêineres a estruturas improvisadas ou precárias, o que exige uma mudança de percepção sobre esse modelo habitacional.
Um dos principais desafios é a limitação das medidas de um contêiner — todos com largura de 2,4 metros e comprimentos que variam entre 6 metros e 12 metros. De acordo com João, para resolver esse problema, é necessário desenvolver plantas inteligentes e, em alguns casos, unir dois ou mais contêineres para conseguir aumentar a largura.
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“Por isso, é fundamental a escolha de um bom arquiteto para construir um projeto integrado à necessidade do cliente”, fala Leonardo Cardoso Ayres, diretor do Grupo Agemar, que desde 2001 usa contêineres marítimos como áreas de vivência e para fins comerciais.
Outro desafio é proteger o contêiner contra a ação da água. Adicionar telhados extras e sapatas elevadas, que elevam o contêiner do solo, ajudam a proteger contra a umidade.
Curiosidades das casas contêiners
Origem: os contêineres foram criados para padronizar o transporte de cargas em navios, trens e caminhões. Cada unidade pode suportar até 30 toneladas e resistir a tempestades em alto-mar.
Durabilidade: um contêiner marítimo pode durar mais de 25 anos em uso logístico. Quando reaproveitado para construção, sua vida útil pode ultrapassar 50 anos com manutenção adequada.
Construção seca: utilizado menos água e cimento, a construção de casas contêineres reduz o impacto ambiental e o entulho gerado.
Modularidade: contêineres podem ser empilhados, dispostos em L, U ou até em formatos circulares. Isso permite criar desde estúdios compactos até residências de alto padrão com vários andares.
Isolamento térmico: para garantir conforto, é comum usar materiais como lã de PET reciclado, poliuretano injetado ou painéis termoacústicos. O posicionamento solar e a ventilação cruzada também fazem diferença.
Versatilidade: aslém de casas, contêineres são usados como cafés, lancherias, restaurantes, lojas, escolas, clínicas, escritórios, galerias de arte e até hotéis. Em eventos, funcionam como bares temporários ou camarins.

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