Conjunto Nacional: arquitetura como cidade viva

Ando pela Avenida Paulista há muitos anos — e tenho sempre o costume de passar em frente ao Conjunto Nacional — e ainda assim me surpreendo cada vez que reparo nos seus detalhes: na galeria aberta com piso em pedra portuguesa, nas fachadas, na cúpula geodésica de alumínio que cobre parte das rampas do hall. Para mim, esse edifício não é só um ponto de referência; ele é uma entidade urbana, que carrega memória e que se tornou um dos símbolos da cidade de São Paulo.
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O Conjunto Nacional foi projetado pelo arquiteto e artista paranaense David Libeskind (1928–2014) quando ele tinha só 26 anos — era jovem, recém-formado. O empresário José Tjurs comprou o lote entre Paulista, Augusta, Alameda Santos e Padre João Manuel, e encomendou um projeto de uso misto, com comércio, serviços, lazer, residências, escritórios. A construção começou em 1955 e se estendeu até 1962.
Em números: área total construída de mais de 110 mil m²; a base comercial ocupa uma parte muito generosa dela, com galerias ligando as quatro ruas do quarteirão; a parte vertical tem 25 pavimentos; há 716 vagas de garagem; o número de elevadores é 24; e estima-se uma circulação fixa de cerca de cinco mil pessoas/dia, com uma população flutuante de até 30 mil pessoas.
O terraço do Conjunto Nacional promove a integração da cidade com a natureza
Gabigeraldelli/Wikimedia Commons
Gosto de pensar no Conjunto Nacional como uma “mini-cidade vertical”. A lâmina horizontal de uso comercial funciona como uma praça coberta, uma galeria que convida a atravessar, a passear, a encontrar pessoas. Já a lâmina vertical — os edifícios Guayupiá (residencial) e os blocos Horsa I e II (escritórios/serviços) — sobrepõem usos privados ao comercial, numa articulação bem resolvida.
Minhas impressões: quando entro na galeria, sou atraído pela luz do dia filtrada pelas fachadas, pelos reflexos no vidro, pela escala humana do térreo. A textura do piso, a altura do pé-direito, os grandes corredores que conectam ruas — tudo isso me dá a sensação de pertencimento ao mundo urbano, à cidade de São Paulo.
Acho que um dos maiores acertos arquitetônicos do projeto está aí: o equilíbrio entre monumentalidade e convivialidade, algo que acontece em outros poucos projetos na cidade, como as galerias no centro e no edifício Copan.
O Conjunto Nacional abriga espaços voltados para cultura, comércio e entretenimento
Dornicke/Wikimedia Commons
Este é, aliás, um dos grandes méritos. Em uma cidade que se consolidou a partir de edifícios isolados, com grades e guaritas, ou com acessos individualizados para automóveis, o Conjunto Nacional reforça a ideia de um projeto diferente de cidade. Ele favorece a relação do edifício com a calçada, e não com o automóvel particular. Não é um shopping, um espaço onde se entra de automóvel para encontrar pessoas semelhantes. É uma galeria, urbana, com acesso livre e para pessoas de diferentes rendas e oportunidades.
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Para mim, portanto, o valor do Conjunto Nacional vai além de sua imponência física: ele nos ensina algo sobre como pensar a cidade. Que a arquitetura pode favorecer encontros, criar percursos interessantes, misturar usos (morar, trabalhar, divertir-se) sem que um anule o outro. Que espaços coletivos importam, que passagem importa, que o pedestre deve ser pensado de dentro para fora.
Em São Paulo, onde muitos edifícios se escondem atrás de grades, fachadas ou distanciados das calçadas, o Conjunto Nacional ainda sorri para a cidade: convida o transeunte a entrar, a atravessar, a olhar. E mesmo depois de mais de seis décadas, continua relevante, vivo, útil. Talvez essa seja a maior prova de uma boa arquitetura: resistir ao tempo sem deixar de servir ao presente.

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