Depois de meses de silêncio forçado, interrompido apenas pelo som distante de helicópteros e caminhões de bombeiros, a Eames House volta a respirar. Erguida em 1949 no alto de um terreno verdejante em Pacific Palisades, Los Angeles, a residência que Charles e Ray Eames chamaram de lar e laboratório criativo resistiu aos incêndios que varreram a região no início do ano. As chamas não a consumiram, mas a fuligem, o cheiro acre de fumaça e uma fina camada de retardante de fogo exigiram um delicado trabalho de restauração — tão meticuloso quanto um restauro de obra de arte.
“Tivemos duas janelas de 15 minutos para retirar objetos essenciais”, recorda Eames Demetrios, neto do casal e presidente da recém-criada Charles & Ray Eames Foundation, em entrevista à Casa Vogue. “Salvamos peças que, se fosse necessário reconstruir a casa, manteriam a conexão física com Charles e Ray – artefatos que estiveram, literalmente, em suas mãos.”
Essa reabertura marca também uma estreia aguardada: pela primeira vez, o público poderá entrar no estúdio onde os Eames trabalharam, sonharam e experimentaram até o fim da década de 1950. “O Eames Studio é um espaço sagrado, vivo com a energia criativa de Charles e Ray”, define Adrienne Luce, diretora-executiva da nova fundação. “Queremos que cada pessoa possa refletir, imaginar e sonhar nesse espaço.”
Em contraste com a estrutura fria de aço, o interior da Eames House é quente e reconfortante com o seu piso de madeira e a luz suave penetrando em cada espaço
Chris Mottalini
A criação da Charles & Ray Eames Foundation unifica esforços antes divididos entre o Eames Office e a fundação dedicada exclusivamente à preservação da Eames House. Agora, sob um mesmo guarda-chuva institucional, a missão se amplia: preservar a residência e o estúdio, mas também fazer deles pontos de partida para pesquisa, debate e impacto social. “O nome coloca os dois no centro da narrativa e reforça sua humanidade”, afirma Demetrios. “Celebrar a Eames House como um ícone modernista anda de mãos dadas com o compromisso de tratá-la, antes de tudo, como um lar.”
O Eames Studio será aberto pela primeira vez ao público
Chris Mottalini
A fundação já nasce com três horizontes claros. No curto prazo, apoiar a reconstrução comunitária em Pacific Palisades, articulando encontros com sobreviventes e organizações locais, como o Case Study: Adapt — que, inspirado no espírito experimental do modernismo, agora insere a resiliência no centro do projeto arquitetônico. No médio prazo, expandir sua rede global de parceiros, conectando instituições como o Vitra Design Museum, o MoMA e a Biblioteca do Congresso dos EUA. E no longo prazo, uma ambição monumental: preservar a Eames House pelos próximos 250 anos e conquistar o título de Patrimônio Mundial da UNESCO.
Eames Demetrios, neto do casal e presidente da recém-criada Charles & Ray Eames Foundation
Chris Mottalini
Entre os programas inaugurais, o Charles & Ray Eames Fellowship terá três anos de duração e estreia com a curadora Catherine Ince. “Queremos formar agentes criativos capazes de imaginar soluções ousadas para desafios urgentes, unindo experimentação, pensamento crítico e design com propósito”, afirma Luce. Também está prevista para 2027 a reintrodução do filme Powers of Ten, no cinquentenário do documentário. “É o filme ambiental definitivo, capaz de dar uma compreensão visceral da importância da escala – algo essencial para enfrentar os desafios ambientais, tecnológicos e sociais de hoje”, diz Demetrios.
Charles e Ray Eames começaram a projetar a casa em 1945 para o Programa Case Study Houses, da Revista Arts and Architecture de Los Angeles, em que foram publicadas e construídas residências de estudo de caso que focassem na utilização de novos materiais e tecnologias desenvolvidas durante a Segunda Guerra Mundial
Chris Mottalini
Outra frente de atuação será revisitar a contribuição dos Eames à arquitetura, especialmente no campo da habitação pré-fabricada. “A genialidade do programa Case Study foi não propor uma solução única, mas oferecer exemplos que pudessem ser combinados conforme as necessidades de cada morador”, explica. A mesma lógica está sendo aplicada em projetos voltados à reconstrução pós-desastres, num diálogo que conecta os anos 1940 ao presente.
Adrienne Luce, diretora-executiva da Charles & Ray Eames Foundation
Chris Mottalini
A intenção de Charles e Ray era que a casa fosse feita de materiais pré-fabricados que não interrompessem o terreno, fossem fáceis de construir e exibissem um estilo moderno
Chris Mottalini
Decidir o que preservar, reinterpretar ou manter intocado é um exercício constante. “As ideias por trás dos objetos são tão importantes quanto as peças em si”, afirma Demetrios. “Um bom exemplo é quando Charles e Ray diziam que o papel do designer é o de um bom anfitrião, antecipando as necessidades do convidado. É uma ideia universal, que pode ser aplicada na vida pessoal, nos negócios e até no brincar com os filhos.”
A casa foi construída, em grande parte, a partir de componentes padronizadas, como as janelas que medem uma largura padrão americana de 3 pés e 4 polegadas, o que corresponde a pouco mais de 1 metro
Chris Mottalini
A construção dessa plataforma global envolve desafios institucionais e financeiros. “Queremos que a Casa e o Estúdio permaneçam vivos, receptivos a novas ideias e diálogos, sem perder sua essência histórica”, diz Luce.
A estrutura de aço foi preenchida com diferentes painéis coloridos foscos e translúcidos dispostos para criar uma luz dinâmica no interior
Chris Mottalini
O Brasil, com sua tradição modernista e afeição declarada pelo trabalho dos Eames, também está no radar. “A tradição modernista brasileira é lendária. Temos visitantes frequentes de brasileiros e inúmeras oportunidades para colaborações”, acena Demetrios.
Mais que a reabertura de uma obra-prima modernista, o momento representa um gesto de futuro: revisitar o passado para projetar o amanhã, usando o design como ponte entre gerações, culturas e desafios — sempre com a hospitalidade como princípio e a curiosidade como motor.
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“Tivemos duas janelas de 15 minutos para retirar objetos essenciais”, recorda Eames Demetrios, neto do casal e presidente da recém-criada Charles & Ray Eames Foundation, em entrevista à Casa Vogue. “Salvamos peças que, se fosse necessário reconstruir a casa, manteriam a conexão física com Charles e Ray – artefatos que estiveram, literalmente, em suas mãos.”
Essa reabertura marca também uma estreia aguardada: pela primeira vez, o público poderá entrar no estúdio onde os Eames trabalharam, sonharam e experimentaram até o fim da década de 1950. “O Eames Studio é um espaço sagrado, vivo com a energia criativa de Charles e Ray”, define Adrienne Luce, diretora-executiva da nova fundação. “Queremos que cada pessoa possa refletir, imaginar e sonhar nesse espaço.”
Em contraste com a estrutura fria de aço, o interior da Eames House é quente e reconfortante com o seu piso de madeira e a luz suave penetrando em cada espaço
Chris Mottalini
A criação da Charles & Ray Eames Foundation unifica esforços antes divididos entre o Eames Office e a fundação dedicada exclusivamente à preservação da Eames House. Agora, sob um mesmo guarda-chuva institucional, a missão se amplia: preservar a residência e o estúdio, mas também fazer deles pontos de partida para pesquisa, debate e impacto social. “O nome coloca os dois no centro da narrativa e reforça sua humanidade”, afirma Demetrios. “Celebrar a Eames House como um ícone modernista anda de mãos dadas com o compromisso de tratá-la, antes de tudo, como um lar.”
O Eames Studio será aberto pela primeira vez ao público
Chris Mottalini
A fundação já nasce com três horizontes claros. No curto prazo, apoiar a reconstrução comunitária em Pacific Palisades, articulando encontros com sobreviventes e organizações locais, como o Case Study: Adapt — que, inspirado no espírito experimental do modernismo, agora insere a resiliência no centro do projeto arquitetônico. No médio prazo, expandir sua rede global de parceiros, conectando instituições como o Vitra Design Museum, o MoMA e a Biblioteca do Congresso dos EUA. E no longo prazo, uma ambição monumental: preservar a Eames House pelos próximos 250 anos e conquistar o título de Patrimônio Mundial da UNESCO.
Eames Demetrios, neto do casal e presidente da recém-criada Charles & Ray Eames Foundation
Chris Mottalini
Entre os programas inaugurais, o Charles & Ray Eames Fellowship terá três anos de duração e estreia com a curadora Catherine Ince. “Queremos formar agentes criativos capazes de imaginar soluções ousadas para desafios urgentes, unindo experimentação, pensamento crítico e design com propósito”, afirma Luce. Também está prevista para 2027 a reintrodução do filme Powers of Ten, no cinquentenário do documentário. “É o filme ambiental definitivo, capaz de dar uma compreensão visceral da importância da escala – algo essencial para enfrentar os desafios ambientais, tecnológicos e sociais de hoje”, diz Demetrios.
Charles e Ray Eames começaram a projetar a casa em 1945 para o Programa Case Study Houses, da Revista Arts and Architecture de Los Angeles, em que foram publicadas e construídas residências de estudo de caso que focassem na utilização de novos materiais e tecnologias desenvolvidas durante a Segunda Guerra Mundial
Chris Mottalini
Outra frente de atuação será revisitar a contribuição dos Eames à arquitetura, especialmente no campo da habitação pré-fabricada. “A genialidade do programa Case Study foi não propor uma solução única, mas oferecer exemplos que pudessem ser combinados conforme as necessidades de cada morador”, explica. A mesma lógica está sendo aplicada em projetos voltados à reconstrução pós-desastres, num diálogo que conecta os anos 1940 ao presente.
Adrienne Luce, diretora-executiva da Charles & Ray Eames Foundation
Chris Mottalini
A intenção de Charles e Ray era que a casa fosse feita de materiais pré-fabricados que não interrompessem o terreno, fossem fáceis de construir e exibissem um estilo moderno
Chris Mottalini
Decidir o que preservar, reinterpretar ou manter intocado é um exercício constante. “As ideias por trás dos objetos são tão importantes quanto as peças em si”, afirma Demetrios. “Um bom exemplo é quando Charles e Ray diziam que o papel do designer é o de um bom anfitrião, antecipando as necessidades do convidado. É uma ideia universal, que pode ser aplicada na vida pessoal, nos negócios e até no brincar com os filhos.”
A casa foi construída, em grande parte, a partir de componentes padronizadas, como as janelas que medem uma largura padrão americana de 3 pés e 4 polegadas, o que corresponde a pouco mais de 1 metro
Chris Mottalini
A construção dessa plataforma global envolve desafios institucionais e financeiros. “Queremos que a Casa e o Estúdio permaneçam vivos, receptivos a novas ideias e diálogos, sem perder sua essência histórica”, diz Luce.
A estrutura de aço foi preenchida com diferentes painéis coloridos foscos e translúcidos dispostos para criar uma luz dinâmica no interior
Chris Mottalini
O Brasil, com sua tradição modernista e afeição declarada pelo trabalho dos Eames, também está no radar. “A tradição modernista brasileira é lendária. Temos visitantes frequentes de brasileiros e inúmeras oportunidades para colaborações”, acena Demetrios.
Mais que a reabertura de uma obra-prima modernista, o momento representa um gesto de futuro: revisitar o passado para projetar o amanhã, usando o design como ponte entre gerações, culturas e desafios — sempre com a hospitalidade como princípio e a curiosidade como motor.
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