Edifício Copan: tudo sobre o maior complexo residencial da América Latina

Em uma cidade marcada pela rigidez dos ângulos retos e pela verticalização como São Paulo, o Edifício Copan se destaca como uma onda de concreto na paisagem urbana. Mais do que uma escultura monumental, é uma declaração da arquitetura moderna projetada pelo arquiteto renomado Oscar Niemeyer.
De longe, é possível identificar o icônico formato sinuoso em ‘S’ que atravessa o céu na Avenida Ipiranga, acentuado pelos seus brises horizontais.
“O edifício Copan se insere no contexto do pós-guerra, onde edifícios multifuncionais como as Unidades de Habitação de Le Corbusier e o edifício Narkofin na URSS, construídos antes, serviram como modelo para o programa do Copan. O adensamento era e é uma consequência natural do aproveitamento da infraestrutura existente nos centros urbanos”, evidencia Ciro Pirondi, arquiteto e urbanista, professor da Escola da Cidade.
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Concepção do Copan
A Companhia Pan-Americana de Hotéis e Turismo (Copan) foi a empresa que deu origem ao famoso edifício. Com o objetivo de celebrar o IV Centenário de São Paulo, que aconteceria três anos depois, a empresa solicitou ao arquiteto Oscar Niemeyer, em 1951, um projeto audacioso que contemplasse um complexo com hotel, apartamentos residenciais, comércio e opções de lazer.
Segundo Ricardo Ohtake, gestor cultural, arquiteto e presidente do Instituto Tomie Ohtake, a década de 50 foi importante para a consolidação da Arquitetura Moderna Brasileira. “Esse estilo representa o melhor que a arquitetura produziu nos anos 50. O adensamento do centro é um vício que as cidades capitalistas insistem em praticar em prol do lucro imobiliário a qualquer custo”, opina.
O Edifício Copan foi concebido na década de 1950 em um período de intensa expansão urbana e verticalização de São Paulo
Instagram/arquivo.arq/Reprodução Sala Copan Cultura via copansp.com.br
A obra teve início em 1952, porém, anos depois, enfrentou problemas financeiros, o que impediu sua conclusão na data comemorativa da cidade. Isso ocorreu devido à falência do seu principal financiador, o Banco Nacional Imobiliário (BNI), o que levou à paralisação da obra por três anos. Ela foi retomada em 1957, quando o Banco Bradesco se tornou o investidor do projeto, o que acarretou em uma drástica redução do plano original, descaracterizando sua concepção inicial.
Durante a fase de construção, Niemeyer decidiu se afastar do projeto devido às frequentes alterações e interrupções, além de estar totalmente focado na construção da nova capital, Brasília. Portanto, o arquiteto e professor Carlos Alberto Cerqueira Lemos recebeu a procuração para administrar e supervisionar a construção até sua finalização em 1966, adaptando e preservando a essência modernista do projeto.
A forma sinuosa em “S” do Edifício Copan é uma das características mais marcantes da arquitetura de Oscar Niemeyer, que reflete seu apreço por curvas e o uso do concreto armado para criar estruturas inovadoras
Flickr/Wally Gobetz/Creative Commons
Ricardo afirma que, no início, Niemeyer não estava muito entusiasmado com o projeto do Copan. Contudo, com o passar do tempo, ele fez as pazes com o edifício. “Quando tinha contato com Oscar Niemeyer, conversávamos quase semanalmente e, em relação ao Copan, ele não tinha grande entusiasmo, mas com o tempo começou a dar mais atenção”, ele relata.
Anos depois de sua construção, o Copan passou por um período de decadência e esvaziamento do centro da cidade. Entretanto, a revitalização da área central nos anos 80 alterou essa situação. O prédio recuperou seu valor e começou a atrair novos interessados, incluindo moradores de classes média e alta, devido à sua localização privilegiada e ao custo acessível da moradia na época.
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Detalhes do projeto
O Edifício Copan previa um complexo muito mais amplo, inspirado no Rockefeller Center de Nova York, e incluía elementos que não foram construídos na versão final. O projeto original envolvia um hotel de luxo e o bloco residencial separados, mas o hotel não chegou a ser construído, apenas o bloco residencial e a galeria comercial no térreo foram concluídos no formato conhecido. Inicialmente, ele contemplava cerca de 600 apartamentos, apesar do número final ser maior.
Inicialmente, os andares foram projetados para abrigar apartamentos espaçosos de quatro dormitórios, somente com uma unidade por andar. As alterações ocorreram em razão da instabilidade econômica e, para garantir a viabilidade financeira do restante da construção, os andares foram subdivididos em apartamentos menores nos blocos B, E e F. O projeto incluía uma rampa em espiral na fachada frontal do prédio, conectando a galeria aos andares superiores, mas foi substituída pela escada de incêndio circular atual, que segue as curvas da fachada.
As escadas de emergência externas do Edifício Copan cumprem a função de rota de fuga, ao mesmo tempo em que se integram à sua identidade visual
Flickr/Gabriel Fernandes/Creative Commons
Apesar de integrarem o projeto original do complexo, o cinema e o teatro não foram entregues juntos ao bloco residencial e comercial no ano em que a edificação principal foi concluída. O Cine Copan foi inaugurado posteriormente, em 1970, no andar térreo do prédio, e encerrou suas atividades em 1986. O fechamento deve-se ao declínio cultural no centro de São Paulo e à transferência das salas de cinema para os shoppings. Já o teatro nunca foi executado.
O Cine Copan foi um dos maiores e mais luxuosos cinemas de São Paulo e fazia parte do projeto original do Edifício Copan, idealizado por Oscar Niemeyer e Carlos Lemos
Cedida por Blog Cinemas de SP/Reprodução
Ciro recorda que, quando Niemeyer o convidou para fazer o projeto de restauração do edifício, em 2001, haviam aspectos que o incomodavam. “Como a liberação das áreas do térreo e dos dois andares livres, onde não existem os brises até hoje, pois ele desejava que esses espaços voltassem a ser áreas de convívio em vez de apartamentos; além do topo do edifício como um andar-jardim para o uso dos moradores e para a cidade. Assim, surgiu a necessidade de um elevador anexo para o acesso público ao topo, independente dos elevadores privados já existentes”, conta o arquiteto.
Os dois volumes que compõem o conjunto original do Copan possuem tratamentos de fachada distintos. “Podemos observar que as lâminas horizontais (brise-soleil) que caracterizam o edifício sinuoso (Bloco A) não foram substituídas no segundo volume (Blocos B-F), construído numa segunda etapa. É possível perceber que os dois volumes criam um belíssimo conjunto, mas não suas texturas”, analisa Ricardo. Essa dualidade de texturas e elementos cria um conjunto arquitetônico em que o volume sinuoso contrasta com a simplicidade e a textura pastilhada do volume mais baixo e reto.
Os brises do Edifício Copan contribuem para o conforto térmico ao regular a entrada de luz solar direta e proporcionar privacidade aos apartamentos, além de serem um elemento estético que realça a ondulação da fachada
Flickr/Gabriel Fernandes/Creative Commons
A ideia de uma “rua interna” ou galeria comercial no térreo fazia parte do conceito original do Copan, de uma cidade dentro da cidade. “A rua interna existe e tem uma função urbana. Mas ter um térreo livre é um sonho para qualquer pessoa que gosta de uma cidade. Niemeyer propôs, mas o tempo se encarregou de ocupar o espaço livre do térreo”, revela Ricardo. Embora a ideia do hotel não tenha se concretizado, o prédio se estabeleceu como um empreendimento de uso misto, com foco em residências.
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Copan como “cidade vertical”
O Edifício Copan é popularmente chamado de “cidade vertical” porque concentra uma vasta diversidade de usos, como habitação, comércio e serviços, funcionando como uma cidade autônoma dentro de uma única estrutura
Pablo Trincado/Wikimedia Commons
Devido ao elevado número de moradores e ao comércio integrado, o Copan funciona como uma cidade dentro da metrópole paulista. Isso lhe confere a característica de uma “cidade vertical”, um aspecto marcante do projeto original de Niemeyer.
“A forma do Copan permitiu um volume tão impactante que os prédios que estão ao redor, alguns até de grande altura, parecem inibidos pelo conjunto. Acho que essa composição é a principal marca que organiza tudo o que está abaixo e ao lado”, pensa Ricardo.
Com uma área construída de 120 mil m² e altura de 115 m, o Edifício Copan possui seis blocos com 1.160 apartamentos em 32 andares, acomodando cerca de cinco mil moradores. A edificação conta com unidades que vão desde quitinetes de 26 m² até coberturas, para atender à demanda habitacional e facilitar a comercialização. “Tem os apartamentos maiores nas extremidades de todos os andares e há uma grande fileira de apartamentos que são ligados por um corredor sinuoso, como se vê raramente”, detalha o gestor cultural.
A quantidade de apartamentos por andar não é uniforme, pois o projeto prevê diferentes layouts e tamanhos de unidades habitacionais ao longo do edifício
LiaC/Wikimedia Commons
As portarias dos blocos são independentes e surgem de forma discreta, próximas às entradas e às vitrines das lojas no piso térreo. Devido à sua grandeza e independência, o edifício possui um CEP próprio. Essa demanda surgiu da grande quantidade de residentes e do alto volume de correspondências que o prédio recebe. O condomínio conta com funcionários dedicados a gerenciar e distribuir o enorme fluxo de entregas diário.
Além das residências, o térreo do Copan funciona como uma galeria comercial, que segue a inclinação da calçada da cidade, conduzindo os visitantes para a rua interna que se forma. A área abriga mais de 70 estabelecimentos, incluindo restaurantes, lojas, cafeterias e escritórios, preservando sua natureza multifuncional. “A presença de serviços e pequenos comércios contribui significativamente para facilitar a vida e promover ares de convívio na vida do conjunto”, garante Ricardo.
Localização e distribuição de lojas do Edifício Copan. Circulado de vermelho, o espaço do cinema, onde na época da pesquisa já funcionava uma igreja. Levantamento feito pelo pesquisador Walter José Ferreira Galvão em março de 2005
Cedida por Walter José Ferreira Galvão/Reprodução
Atualmente, o Copan conta com 221 vagas de garagem distribuídas em dois subsolos, sem disponibilizar vagas para visitantes. Essa quantidade é considerada pequena em relação ao tamanho do edifício, uma vez que foi construído em um período em que havia menos carros nas ruas do centro. A quantidade de pessoas no edifício supera a população de centenas de pequenas cidades brasileiras.
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Administração do Copan
A administração do Edifício Copan é realizada por meio da gestão condominial, que abrange tanto os moradores quanto os comerciantes, com uma divisão de tarefas para evitar conflitos. Suas particularidades fazem do Copan um ecossistema próprio e o tornam um dos maiores edifícios residenciais da América Latina.
“Para gerir e manter um ‘município vertical’ com mais de 5 mil habitantes fixos e 10 mil passantes, 20 elevadores, há mais de 70 anos no centro da maior metrópole da América Latina, é necessário competência, afeto e sinceridade de propósitos. Esses atributos estão presentes nos seus líderes por mais de 30 anos: Guilherme Milani, e o incansável e dedicado síndico, Afonso Celso, morador desde a sua inauguração”, ressalta Ciro.
A manutenção do edifício é uma operação complexa que, devido à sua magnitude, é muitas vezes comparada à gestão de uma pequena cidade. “O funcionamento do Copan requer um sistema semelhante ao de qualquer cidade ou bairro, com profissionais de diferentes especialidades para os apartamentos, andares, transportes, sistemas elétricos, hidráulicos, lógicos, entradas e a gestão de recursos como água, energia, gás, lixo, entre outros”, diz Ricardo.
Impacto sociocultural do Copan
O Copan é um ícone da arquitetura modernista de São Paulo, tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo (CONPRESP) em 2012 e reconhecido por seu valor sociocultural. Sua designação simboliza as dualidades da cidade, abrigando uma comunidade variada, que reflete a diversidade social e a pluralidade da metrópole. Nela, coexistem tanto figuras públicas quanto cidadãos comuns.
Apesar de projetos de restauração terem sido aprovados, a falta de recursos tem paralisado as obras, perpetuando os problemas estruturais existentes. “Todo recinto humano deve oferecer condições para seu uso. Portanto, é cada vez mais necessário utilizar tecnologias naturais ou desenvolvidas artificialmente que permitam condições de conforto e habitabilidade. A escala humana se dá nos espaços que propiciam o convívio e o encontro. Nesse sentido, o Copan é um desenho notável dessas possibilidades”, reflete Ciro.
O terraço do Edifício Copan é um mirante com vista panorâmica e atração turística em São Paulo. É possível visitá-lo gratuitamente em horários estabelecidos de segunda a sexta-feira
Gabigeraldelli/Wikimedia Commons
O docente acredita que a lição mais valiosa do Copan para a arquitetura contemporânea é a integração do desenho arquitetônico, do espaço arquitetural e do urbanismo. “Ele nos ensina que uma boa arquitetura não inicia na soleira da porta de entrada. Arquitetura e urbanismo são como um ideograma composto por dois caracteres, em vez de um conceito único”, considera. Ciro observa que as cidades estão se tornando cada vez mais multidisciplinares, inclusivas e solidárias.
A estrutura é um ponto de encontro cultural e social, atraindo diversos públicos, que inclui moradores, turistas e estudantes de arquitetura, devido à importância arquitetônica e à atmosfera vibrante. “Niemeyer entendeu perfeitamente o terreno disponível, bem como a ocupação vizinha, posicionando os edifícios de maneira a evitar que o espaço se tornasse um “paliteiro” de prédios”, elogia Ricardo. Atualmente, o Copan oferece hospedagem em apartamentos de temporada.
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Papel do Copan na arquitetura moderna e importância histórica
Segundo o professor da Escola Cidade, Oscar Niemeyer e Lúcio Costa evitavam o termo “modernismo” por considerá-lo pejorativo ou redutor a um mero estilo. Eles defendiam o termo não como um estilo arquitetônico, mas como uma causa ou um espírito da época. Para eles, a arquitetura moderna deveria ser uma resposta funcional e econômica, que refletisse a identidade cultural e a realidade do país, e não apenas a importação de modelos europeus.
A contribuição de Niemeyer para a arquitetura moderna se dá na percepção da possibilidade do uso do concreto de maneira plástica, resultando em formas mais livres e belas. “Ele inventa uma nova maneira de desenhar o chão e cobrir o céu. O Copan faz parte da construção da civilização paulistana. A cidade de São Paulo não seria a mesma sem ele, assim como o Museu de Arte de São Paulo (MASP), o Parque Ibirapuera e outros exemplos que construíram a identidade de nossa cidade”, aponta Ciro.
O Copan não é apenas um edifício, mas um microcosmo da vida em São Paulo que, com sua grandiosidade e complexidade social, tornou-se parte essencial da identidade do centro urbano
Rodrigo Soldon/Wikimedia Commons
“O reconhecimento e o respeito da importância histórica do edifício está na busca de ações e mecanismos que o ajudem a se perpetuar no tempo, adequando-o a novos usos de dimensões contemporâneas ambientais e sustentáveis tão necessários e urgentes nas cidades. Com o cuidado e o compromisso de não perder os propósitos iniciais que geraram o desenho do arquiteto”, complementa o professor da Escola da Cidade.
Para Ricardo, a contribuição de Niemeyer consiste na organização do espaço de São Paulo por meio de grandes projetos. “A volumetria do edifício, por sua vez, foi um fator que ajudou a organizar uma região que, assim como a cidade inteira, é muito caótica. Ele desenhou o Copan e outros projetos residenciais em São Paulo, além de obras no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, também Pampulha, culminando em Brasília, mantendo o mesmo espírito e princípios, embora sejam projetos muito diferentes em função, terreno e escala”, finaliza o presidente do Instituto Tomie Ohtake.
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Restauração do Edifício Copan
A reforma da fachada do Edifício Copan, iniciada em 2015, foi paralisada e retomada apenas em 2023, após longas negociações. O objetivo é substituir as pastilhas originais por versões de vidro impermeável para corrigir problemas de infiltração, fissuras e queda de pastilhas, enfrentados há décadas. A primeira fase do restauro abrange as fachadas sul e laterais.
A restauração da fachada sul do Edifício Copan, que corresponde à parte posterior do prédio, começou em junho de 2023 e está sendo financiada com recursos do próprio condomínio
Rodrigo.Argenton/Wikimedia Commons
Já o restauro da fachada frontal ainda não tem data de início. Para o financiamento, o condomínio obteve autorização da Prefeitura de São Paulo para colocar um outdoor na fachada tombada voltada para a Avenida Ipiranga. O painel publicitário, que pode ficar no local por até três anos, visa atrair patrocinadores, e o dinheiro arrecadado será destinado exclusivamente à obra. A Lei Cidade Limpa permite essa medida para bens tombados. A instalação está em fase de viabilização.
Também está em avaliação a possível reabertura do Cine Copan, que antes funcionou como uma igreja evangélica até ser interditada pela Prefeitura de São Paulo em 2008. De modo geral, embora o processo de restauração esteja longe do fim e o financiamento continue sendo o maior obstáculo, o seu valor arquitetônico e simbólico é inquestionável e digno de admiração.

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