“Não foram as montanhas que inspiraram o meu trabalho, foi minha obra que me levou para dentro delas.” A reflexão de Fernanda Valadares, artista nascida em São Paulo e moradora de Porto Alegre por dez anos, onde fez mestrado em poéticas visuais no Instituto de Artes da UFRGS, revela o movimento que realizou em 2019, algo que se tornaria uma constante durante a pandemia: a fuga da cidade para o campo. Já faz seis anos, portanto, que ela e o marido, o arquiteto e professor Marco Peres, decidiram fazer morada em Cunha, cidade do interior paulista cercada por três serras: da Bocaina, do Mar e do Quebra-Cangalha.
No living, destaque para o quadro Ser-espaço (2013), encáustica fria e pigmento sobre lençol dormido
Ruy Teixeira
Sua produção faz uso da encáustica, técnica milenar que remonta ao Egito antigo. Um dos temas recorrentes de suas obras são, de fato, formações rochosas de diversas dimensões e naturezas. No momento, por exemplo, vem desenvolvendo a série Isolamentos, retratando perfis de ilhas prisionais, como a de Anchieta, no Brasil, Alcatraz, nos Estados Unidos, ou Patmos, na Grécia. O conjunto investiga outros temas presentes na sua pesquisa artística, como confinamento, memória e liberdade.
Fernanda trabalha com o maçarico em obra da série Mindscapes, feita com a técnica da encáustica sobre compensado naval
Ruy Teixeira
Além das cordilheiras e do visual estarrecedor, outro elemento natural incentivou a artista a se mudar com o arquiteto para a fazenda de 40 alqueires (cerca de 970 mil m²): o tempo, mais um componente prático e conceitual na obra de Fernanda. “Na cidade, ele nos é roubado a todo momento, e eu precisava desse horizonte para abrir um espaço de contemplação. Um vazio cheio de possibilidades.” Ainda assim, o ritmo de trabalho é contínuo. De segunda a sexta, das 8h às 17h, ela se dedica às suas criações com cera sobre madeira, que, além de elementos geológicos, também retratam construções arquitetônicas sublimadas em seus traços essenciais. Em comum, a reflexão sobre duração e permanência. Os trabalhos ganham corpo no ateliê projetado pelo marido, que também assina a residência do casal e os dois chalés que eles alugam para curtas temporadas.
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Acima, a cabana de ripas de madeira foi o primeiro ateliê de Fernanda, logo após a mudança para Cunha
Ruy Teixeira
Num primeiro momento, uma cabana de 36 m² feita de madeira e generosas portas de correr abrigava o local de produção. Hoje, esse canto é destinado para desenhos e experimentações mais livres, como as destilações de ervas que ela gosta de fazer. Logo ao lado, o marido, também professor de arquitetura, que hoje se dedica à fazenda em tempo integral, tomou partido do contêiner que abrigou os pertences da dupla no início da mudança para projetar um espaço formado por dois grandes contentores de metal, que ladeiam um amplo corredor cavado entre eles. Unindo o útil ao agradável, foi dessa escavação que saiu a terra para a construção da estrada que hoje atravessa o terreno. Ventilado e rasgado pela luz natural, com 130 m² de área e 5 m de pé-direito, esse é o ambiente ideal para as criações de Fernanda.
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A varanda da residência da artista e do marido, com vista para as montanhas
Ruy Teixeira
O contato com o processo da encáustica se deu após uma aula (ainda na graduação em artes na Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo, nos anos 1990) com o pintor e professor Paulo Pasta, quando ela fez sua primeira experimentação com velas derretidas: “Ficou horroroso! Eu guardo a obra até hoje, mas a parafina descascou, não deu certo. Pensei que não iria mais tentar”, confessa. Mas na capital gaúcha, uma década depois, uma amiga insistiu para que ela fizesse um curso mais aprofundado com um frei beneditino sobre a técnica pictórica que emprega cera para fixar os pigmentos.
Como uso um elementos vivo, os trabalhos demoram um ano para se acomodarem. Somente quando a cera cristalizada é que as obras estão prontas
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Portas de correr de policarbonato transparente garantem a entrada de luz no ateliê
Ruy Teixeira
A matéria-prima para as produções – centenas de cubos compostos por cera de carnaúba, de abelhas silvestres, e resina dâmar, trazidos de pequenos produtores do Nordeste – descansa ao sol que atravessa o estúdio e promove seu clareamento. Ao lado de grandes mesas, esse material derrete em potes aquecidos antes de ir para o compensado previamente desenhado e pintado com tinta acrílica. Uma vez pincelada a superfície, entram o maçarico e o ferro de passar. São eles que conferem a textura ou a lisura desejada. Entre dez e 20 camadas de cera fundida compõem cada pintura, que pode levar até um mês para ser finalizada. “Na verdade, como uso um elemento vivo, os trabalhos demoram um ano para se acomodarem. Somente quando a cera termina o processo de cristalização é que as obras estão prontas”, explica Fernanda. Mais uma vez: é preciso respeitar o tempo.
Na cidade, o tempo nos é roubado a todo momento. Eu precisava abrir um espaço de contemplação
Detalhe da mesa de trabalho e quadro Outubro (2023) (ao fundo), da série Espejismo, encáustica sobre compensado de jatobá
Ruy Teixeira
Se no local de trabalho obras concluídas, em processo e descartadas habitam as paredes e o chão de cimento queimado, no lar do casal quase não há vestígios da artista. Minimalista em sua concepção e na prática – “Privilegiei uma edificação com o mínimo de descarte e refação possível, evitando ao máximo interferências no entorno”, afirma Peres –, o projeto contou com a mão de obra de um especialista local em produzir cercas. Sua habilidade com a madeira foi aplicada para a construção das minuciosas ripas que compõem a caixa preta com fachada de vidro a emoldurar a vista para a serra. São 150 m² que abrigam duas suítes, living e cozinha integrada, além de uma sala externa que dá para uma varanda sem guarda-corpo, a lembrar uma espécie de píer para o mar de montanhas à frente – em que Fernanda mergulha diariamente para criar.
*Matéria originalmente publicada na edição de julho/2025 da Casa Vogue (CV 474), disponível em versão impressa, na nossa loja virtual e para assinantes no app Globo Mais.
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No living, destaque para o quadro Ser-espaço (2013), encáustica fria e pigmento sobre lençol dormido
Ruy Teixeira
Sua produção faz uso da encáustica, técnica milenar que remonta ao Egito antigo. Um dos temas recorrentes de suas obras são, de fato, formações rochosas de diversas dimensões e naturezas. No momento, por exemplo, vem desenvolvendo a série Isolamentos, retratando perfis de ilhas prisionais, como a de Anchieta, no Brasil, Alcatraz, nos Estados Unidos, ou Patmos, na Grécia. O conjunto investiga outros temas presentes na sua pesquisa artística, como confinamento, memória e liberdade.
Fernanda trabalha com o maçarico em obra da série Mindscapes, feita com a técnica da encáustica sobre compensado naval
Ruy Teixeira
Além das cordilheiras e do visual estarrecedor, outro elemento natural incentivou a artista a se mudar com o arquiteto para a fazenda de 40 alqueires (cerca de 970 mil m²): o tempo, mais um componente prático e conceitual na obra de Fernanda. “Na cidade, ele nos é roubado a todo momento, e eu precisava desse horizonte para abrir um espaço de contemplação. Um vazio cheio de possibilidades.” Ainda assim, o ritmo de trabalho é contínuo. De segunda a sexta, das 8h às 17h, ela se dedica às suas criações com cera sobre madeira, que, além de elementos geológicos, também retratam construções arquitetônicas sublimadas em seus traços essenciais. Em comum, a reflexão sobre duração e permanência. Os trabalhos ganham corpo no ateliê projetado pelo marido, que também assina a residência do casal e os dois chalés que eles alugam para curtas temporadas.
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Acima, a cabana de ripas de madeira foi o primeiro ateliê de Fernanda, logo após a mudança para Cunha
Ruy Teixeira
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A varanda da residência da artista e do marido, com vista para as montanhas
Ruy Teixeira
O contato com o processo da encáustica se deu após uma aula (ainda na graduação em artes na Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo, nos anos 1990) com o pintor e professor Paulo Pasta, quando ela fez sua primeira experimentação com velas derretidas: “Ficou horroroso! Eu guardo a obra até hoje, mas a parafina descascou, não deu certo. Pensei que não iria mais tentar”, confessa. Mas na capital gaúcha, uma década depois, uma amiga insistiu para que ela fizesse um curso mais aprofundado com um frei beneditino sobre a técnica pictórica que emprega cera para fixar os pigmentos.
Como uso um elementos vivo, os trabalhos demoram um ano para se acomodarem. Somente quando a cera cristalizada é que as obras estão prontas
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Ruy Teixeira
A matéria-prima para as produções – centenas de cubos compostos por cera de carnaúba, de abelhas silvestres, e resina dâmar, trazidos de pequenos produtores do Nordeste – descansa ao sol que atravessa o estúdio e promove seu clareamento. Ao lado de grandes mesas, esse material derrete em potes aquecidos antes de ir para o compensado previamente desenhado e pintado com tinta acrílica. Uma vez pincelada a superfície, entram o maçarico e o ferro de passar. São eles que conferem a textura ou a lisura desejada. Entre dez e 20 camadas de cera fundida compõem cada pintura, que pode levar até um mês para ser finalizada. “Na verdade, como uso um elemento vivo, os trabalhos demoram um ano para se acomodarem. Somente quando a cera termina o processo de cristalização é que as obras estão prontas”, explica Fernanda. Mais uma vez: é preciso respeitar o tempo.
Na cidade, o tempo nos é roubado a todo momento. Eu precisava abrir um espaço de contemplação
Detalhe da mesa de trabalho e quadro Outubro (2023) (ao fundo), da série Espejismo, encáustica sobre compensado de jatobá
Ruy Teixeira
Se no local de trabalho obras concluídas, em processo e descartadas habitam as paredes e o chão de cimento queimado, no lar do casal quase não há vestígios da artista. Minimalista em sua concepção e na prática – “Privilegiei uma edificação com o mínimo de descarte e refação possível, evitando ao máximo interferências no entorno”, afirma Peres –, o projeto contou com a mão de obra de um especialista local em produzir cercas. Sua habilidade com a madeira foi aplicada para a construção das minuciosas ripas que compõem a caixa preta com fachada de vidro a emoldurar a vista para a serra. São 150 m² que abrigam duas suítes, living e cozinha integrada, além de uma sala externa que dá para uma varanda sem guarda-corpo, a lembrar uma espécie de píer para o mar de montanhas à frente – em que Fernanda mergulha diariamente para criar.
*Matéria originalmente publicada na edição de julho/2025 da Casa Vogue (CV 474), disponível em versão impressa, na nossa loja virtual e para assinantes no app Globo Mais.
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