Hotel Tambaú: o legado arquitetônico de Sergio Bernardes em João Pessoa

De formato circular, o antigo Hotel Tambaú é um ícone da arquitetura modernista que repousa sobre as areias da orla de João Pessoa, na Paraíba. Projetado pelo renomado arquiteto carioca Sergio Bernardes (1919-2002), o edifício, inaugurado em 1970, se tornou rapidamente um cartão-postal da cidade.
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“A produção do arquiteto em João Pessoa, o Hotel Tambaú e o Espaço Cultural José Lins do Rêgo, configuram elementos de destaque no imaginário e na paisagem da cidade, pela forma e estrutura, mas também pela espacialidade proposta, onde se destaca o espaço interno e o mobiliário empregado, em parte, desenhado pelo próprio arquiteto”, escrevem os pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Guilherme Amorim Cavalcanti e Wylnna Carlos Lima Vida.
Encomendada pelo então governador interventor João Agripino em 1966, a obra ajudou a desenvolver o turismo na cidade. De acordo com Nelci Tinem, no livro O alvo do olhar estrangeiro: o Brasil na historiografia da arquitetura moderna, o projeto do Tambaú “servia perfeitamente como instrumento político para dar visibilidade à ideia de progresso e modernização que permeava o discurso oficial”.
A construção do Hotel Tambaú foi pensada para se mesclar à natureza da orla de João Pessoa
Flickr/[marcel]/Creative Commons
Arquitetura do Hotel Tambaú
Construído em uma ponta de areia, na divisa entre as praias de Tambaú e Manaíra, o prédio se integra à paisagem de forma única, formando quase uma península — prolongamento da terra para o mar.
“O edifício se acomoda à forma do terreno, uma ponta de areia entre duas enseadas que constituem as praias de Tambaú e Manaíra, limitado pelas ondas do mar e a avenida que contorna o tecido urbano. A forma geométrica circular adotada, com uma altura correspondente a, aproximadamente, dois pavimentos, não se sobrepõe à natureza”, escreveu Nelci Tinem junto aos pesquisadores Germana Rocha e Marcio Cotrim, em artigo publicado na plataforma cultural-científica Arquitextos.
Vista aérea do Hotel Tambaú, em João Pessoa, com seu formato único que se acomoda na paisagem
Flickr/Dirceu Tortorello/Creative Commons
A concepção inovadora da construção foi pensada para formar um grande anel de dois pisos, servidos por rampas panorâmicas. A cobertura é plana para evitar qualquer interferência na paisagem ao redor. “A simplicidade de suas linhas atenua a grandiosidade da forma”, destaca o site do escritório Bernardes Arquitetura, criado em 2012 pelo arquiteto Thiago Bernardes, neto de Sergio, e filho de Cláudio Bernardes, também arquiteto.
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No lado da rua, uma encosta gramada sobe pela lateral do edifício e esconde a construção por trás da grande montanha, fazendo com que quem chega ao hotel não perceba a sua forma. Já no lado voltado para o mar, devido à maré, o arquiteto projetou uma base de pedras calcárias, que passaram a funcionar como “gabiões” (estrutura flexível e permeável usada em engenharia civil).
Uma encosta gramada sobe pela lateral do Hotel Tambaú e esconde a construção na paisagem
Acervo Sergio Bernardes/Divulgação
“Sobre esse embasamento de pedras, que na época da construção do hotel chegava a aproximadamente 2 metros de altura, ainda se fez necessário à construção de um ambiente oco, vazio — uma espécie de quebra-mar — para permitir o fluxo e refluxo das águas do mar sob a primeira laje de piso, correspondente ao térreo da edificação do hotel”, detalha o artigo da Arquitextos.
Esse espaço foi vedado com placas de concreto com aberturas em tiras horizontais para permitir a entrada da água do mar.
Os vãos na parte debaixo do Hotel Tambaú servem para permitir a entrada da água do mar
Acervo Sergio Bernardes/Divulgação
“A proximidade do prédio com o mar permite que, em dias de ressaca, haja o encontro das águas com o entablamento sobre o qual se assenta o hotel, e o transpassar das águas através dessa estrutura produz um efeito sonoro ao qual Sergio Bernardes chamava de ‘bochecho'”, aponta o site do arquiteto.
Dependências do Hotel Tambaú
Originalmente, o hotel — desativado no momento — tinha 120 quartos com varandas com vista para o mar. A parte interna dos anéis abrigava a área de lazer com piscina e grandes jardins. Um núcleo central, disposto no meio do anel, englobava a área de serviços, como restaurante e salão de convenções.
Uma das partes internas dos anéis da construção abriga a área das piscinas do Hotel Tambaú
Acervo Sergio Bernardes/Divulgação
Ladeada por dois paredões de concreto aparente, a entrada do hotel não dava a dimensão do que esperava o visitante do lado de dentro, onde os pátios internos ao ar livre trazem leveza ao conjunto de arquitetura brutalista, ligando o edifício com a paisagem ao redor. Outros elementos quebram essa sisudez, como os tijolos cerâmicos vazados que envolvem os corredores dos quartos.
Os elementos vazados de cerâmica trazem leveza aos corredores do Hotel Tambaú
Flickr/Diego BIS/Creative Commons
“Leveza essa também expressa pelas vigas de concreto em balanço das circulações dos anéis internos do hotel. A expressividade proveniente da leveza dos balanços que a tecnologia do concreto armado permite, é acentuada pela esbeltez do plano da cobertura constituído de telhas meio-tubo, que também se projetam em balanço, e pelos peitoris vazados compostos de madeira e aço, encontrados igualmente nas passarelas que ligam os dois anéis cobertos”, apontam os pesquisadores na publicação.
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“A sensação de surpresa continua ao se chegar ao ambiente das piscinas localizado no pátio interno, em posição oposta à recepção do hotel, e ao nível mais baixo, de onde se avista a praia e o mar através das esquadrias de madeira e vidro dos terraços de jogos e lazer”, continua o artigo.
Dentro dos anéis do Hotel Tambaú, em João Pessoa, se descortinam belos jardins internos
Flickr/Diego BIS/Creative Commons
A caminhada da recepção do hotel em direção ao ambiente das piscinas possui uma leve inclinação, pensada pelo arquiteto para mimetizar a descida da praia em direção ao mar.
“Além desse desnível entre a recepção e os ambientes da piscina e dos terraços de lazer, há desnível em relação à praia, que protege esses ambientes da água do mar e da visão dos banhistas, que podem andar sobre as areias que circundam o hotel, principalmente, na maré baixa”, destaca o artigo da Arquitextos.
O Hotel Tambaú está fechado desde o ano de 2020 e, agora, deve ser revitalizado
Flickr/febuiles/Creative Commons
O hotel rendeu até um documentário, lançado em 2007: Hotel Tambaú – Fragmentos de uma História, produzido pela comunicóloga Denise Lemos, o qual conta a história do local a partir da memória de pessoas que conviveram com o espaço em diferentes épocas.
Fechado desde 2020, ele deve reabrir no ano que vem completamente renovado. As obras ficarão a cargo do Grupo A. Gaspar, de Natal (RN), que adquiriu o edifício e investirá cerca de R$ 100 milhões na reforma. Após a reinauguração, ele mudará de nome, para Ocean Palace Tambaú, mas manterá a essência do projeto arquitetônico original.

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